O bordado da almofada, feito pela
nativa Ana Maria Silva, 20 anos, recria a paisagem reconfortante
da Ilha de Itaparica. Os pontos do bordado ela aprendeu com
a artista plástica sul-africana Célia de Villiers,
a técnica de fuxico (que virou o sol na almofada) lhe
foi ensinada pela artista baiana Viga Gordilho.
O trabalho de Ana, junto com outras peças decorativas,
adereços e trajes elaborados por cinco artistas, 21
artesãs e um artesão, compõe o acervo
da exposição denominada TeCido do Corpo Social,
que abre hoje, às 18 horas, no Museu do Traje e do
Têxtil do Instituto Feminino da Bahia.
A exposição, aberta à visitação
pública até o dia 18, guarda características
atípicas. Todas as peças são compostas
com matéria-prima garimpada em Itaparica. Tem algas
e corais desidratados, contas e conchas do mar, fibras de
coqueiro. Das plantas urucum e açafrão foram
retirados os pigmentos para colorir objetos em vermelho, laranja
e amarelo. A idéia é resgatar e valorizar a
matéria-prima da Ilha, transformada pelo grupo em objetos
de arte e utilitários.
TeCido do Corpo Social é resultado de um prêmio
internacional patrocinado pela fundação americana
Sacatar, que seleciona projetos de arte que tenham relação
com comunidades locais. O projeto concorreu com 430 propostas
do mundo todo e foi selecionado este ano pela Fundação
Sacatar (nome da província, na Califórnia, onde
funciona a matriz). Como a sede na Bahia fica em Itaparica,
as artesãs da Ilha foram as escolhidas para participar
do projeto.
Múltiplos Siginificados
O diálogo entre artesãos e artistas
rendeu bons frutos na Ilha. Durante um mês, em oficinas
realizadas duas vezes por semana, 22 nativos conviveram com
as artistas plásticas Viga Gordilho (Brasil), Gema
Hoyas Frontera (Espanha), Célia de Villiers (África
do Sul) e Sophie Lecomte (França), hospedadas na Fundação
Sacatar, uma antiga casa de veraneio de Henriqueta Catharino,
idealizadora e fundadora do Instituto Feminino. Também
participante do projeto, a artista espanhola Maribel Domenech
não pôde vir ao Brasil mas enviou seu trabalho.
Sexta-feira passada, estavam sendo dados os últimos
retoques nas peças antes do início da exposição.
Objetos, os mais variados, com múltiplos significados,
como o vestido longo branco, todo feito em fuxico, com enorme
cauda inacabada. A peça batizada como Silêncio
Fuxiqueiro traz pequenos fones que transmitem histórias
das artesãs da Ilha, numa idéia materializada
por Viga Gordilho.
A sul-africana Célia encontrou enterrada na areia
da praia parte de uma antiga máquina de costura enferrujada
e com conchas incrustadas. “Resgatei a peça como
obra de arte da natureza para a exposição”,
avisa. É dela também a concepção
de um manto sagrado e da bolsa muti bag que traz a memória
africana nas folhas, nos tecidos e até em peles de
bichos.
Gema Hoyas Frontera trouxe de Valencia, na Espanha, o acessório
chamado de bastidor, utilizado em bordados. Em panos esticados
por esses bastidores, ela imprime as palmas das mãos
dos artesãos. Em outro pedaço de tecido, cada
nativo bordou o seu nome. “Nós, os artistas,
temos nomes. Os artesãos, não. Quis enfatizar
isso neste trabalho”, diz, esmiuçando o conceito
da sua obra.
Resgatar auto- estima
A francesa Sophie Lecomte trabalha com o tema Metamorfoses
do Tempo. Mostra um conjunto de porta-espelhos e de caixas
espelhadas de pó compacto, vazias, que compõem
o seu trabalho: “Você se olha no espelho. A imagem
que vê não vai voltar”, diz. Sophie também
recobriu uma bota com espinhos de rosa.
Os bordados e os fuxicos moveram as mãos hábeis
de artesãs como Gildete, Maria, Lucimar (Lu para os
íntimos), Lourdes, Lúcia e Hilda. Único
homem do grupo, Fernando César de Miranda, 36 anos,
aprendeu a bordar. “Nunca peguei numa agulha e já
aprendi o ponto-de-cruz, o corrente e o dente-de-cão”,
diz, sorridente. O nativo Fernando e suas 21 companheiras
artesãs não só aderiram à arte
do bordado mas começam a entender o significado de
resgatar a auto-estima.
JEANE BORGES
do jornal A Tarde, de Salvador-BA
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