Carlos Nazário da Silva,
o Índio da Vila Vintém, é um arquiteto
de miniaturas. Uma de suas obras mais famosas é a reprodução
da quadra da escola de samba Mocidade Independente de Padre
Miguel. Ele já vendeu dez unidades, a R$ 600 cada.
Já a casa do apresentador Silvio Santos saiu bem mais
barata - apenas R$ 150. Auto-didata, Carlos tornou-se mestre
na arte de construir maquetes de madeira. Hoje, tem peça
até na Itália. Fama garantida apenas com a propaganda
de boca.
Como matéria-prima, Carlos usa sucatas. Depois, corta
a madeira, monta as estruturas, reveste-as com gesso e massa
corrida. No final, vem a pintura. Natural de João Pessoa,
Paraíba, Carlos Nazário mudou-se para o Rio
com os pais aos cinco anos de idade. Aos 45, casado e pai
de três filhos, ele aponta o destino como responsável
por seu talento. Afinal, nunca fez aulas de artes plásticas,
artesanato ou marcenaria.
“Quando cheguei ao Rio, a primeira pessoa que me chamou
atenção foi um homem que vendia carrinhos de
madeira numa esquina. O jeito que ele trabalhava a madeira
parecia mágica”, lembra. Carlos já foi
sapateiro, açougueiro e vendedor. Morador de Padre
Miguel, na Zona Oeste do Rio, hoje o artista é dono
do bar e mercearia Mocidade, bem na da quadra da escola.
Uma casa para Dona Zica
A data, ele não sabe. Mas lembra que se sentiu
atraído pelo trabalho com madeira ao fazer um porta-retrato
para uma namorada, caixa do mercado onde Carlos trabalhava
como açougueiro. "Ela me deu uma foto que eu não
tinha onde colocar", conta o artista. Ao ver umas madeiras
"jogadas num canto", veio a idéia. "Quando
ficou pronto nem eu acreditei que tinha sido feito por mim.
Dali em diante, sempre que podia, inventava mais um trabalho”.
E foi praticando que Carlos desenvolveu sua técnica.
Depois do porta-retrato, foi arriscando outras formas: casinha
japonesa para colocar miniaturas, porta-jóias, trem,
navio, carrinho até chegar às maquetes de casas.
“Agora faço qualquer trabalho que me peçam”,
garante. Para a filha Daniele, ele fez um porta-jóias
inspirado em um modelo visto na televisão. O filho
Carlos Júnior ganhou um navio negreiro e a esposa “quase”
ficou com a casinha japonesa. “O presente era para mim,
mas é só alguém pedir que ele dá.
E quando não dá o que está pronto, ele
faz só para provar que sabe”, provoca a esposa,
Carolina da Costa André, de 48 anos.
Carlos rebate: “Aposto R$ 100 com quem não acredita
que faço. No fim eu mostro que sei e ainda fico com
a peça para vender. Isso é investir na propaganda”,
explica.
Assim aconteceu com a maquete da casa de Dona Zica. Instigado
por um morador da Mangueira que duvidou de sua capacidade,
Carlos não deixou passar o desafio. Pediu ao rapaz
que descrevesse uma casa e a reproduziu em seguida, mesmo
sem nunca tê-la visto. Segundo conta, o rapaz disse
que estava igual e que compraria para presentear Dona Zica,
mas ela morreu em seguida e a maquete ficou de lembrança.
A casa da primeira-dama da Mangueira é reproduzida
anualmente quando a faixa da escola muda de acordo com o enredo.
Gringos
Com madeiras reaproveitadas de sofás e estrados
de cama que as pessoas jogam fora, Carlos também fez
a sua “casa dos sonhos”. Desta vez, o trabalho
teve como inspiração a mansão de um deputado
que mora no bairro: “O muro é alto, não
dá para enxergar nada, mas eu posso imaginar”.
A mansão reproduzida tem piscina no terraço,
quadra de tênis no quintal e o interior todo decorado
com recortes de revistas, imitando objetos e utensílios
domésticos.
Já a mansão de Silvio Santos foi copiada a
partir de imagens de televisão e vendida a um amigo
por R$ 150.
Em geral, ele leva três dias para fazer a maquete de
uma dessas casas maiores e uma semana para montar as quadras
da escola. Isso porque trabalha as peças somente nas
horas vagas, já que o bar ocupa todo o seu dia.
Amante do carnaval, o artista aproveita para fechar boas
vendas nos dias de ensaio da escola, quando o movimento do
bar aumenta bastante. Nesses períodos, a Mocidade atrai
também os “gringos”, que costumam comprar
maquetes da quadra.
Admirado no bairro pelo seu trabalho, Carlos sempre se dispõe
a ensinar a técnica aos que se interessam e ainda gosta
de presentear as pessoas que não têm recursos
para comprar as peças.
Mas apesar do reconhecimento, ele não pensa em mudar
sua rotina para viver somente do mundo das artes. “Gosto
muito de me surpreender com o que consigo fazer com a madeira,
mas o dia-a-dia do bar também faz parte da minha vida”.
Ele tem dois sonhos, que espera realizar em breve: participar
da criação do Carnaval da escola de seu coração,
a Mocidade, e construir a maquete de uma cidade. “Certamente
será João Pessoa, onde nasci”, revela.
SILVIA NORONHA
do site Viva Favela
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