Brincar
de boneca, jogar bola, pular corda ou quem sabe até
montar um carrinho de corrida ou aviões. As brincadeiras,
que divertem as crianças e causam saudosismo nos adultos,
têm recebido tanta atenção dos especialistas
que já existem até organizações
especializadas em conscientizar a sociedade sobre a importância
de brincar.
A Associação Brasileira de Brinquedotecas,
por exemplo, oferece cursos de brinquedistas e luta pela elaboração
de políticas públicas que favoreçam a
criação de espaços de brincadeiras nas
escolas e nos hospitais. Já o IPA-Brasil - Associação
Brasileira pelo Direito de Brincar, fundada em 1997, organiza
palestras e eventos sobre o direito de brincar por todo o
país. A associação é ligada ao
IPA-International Play Rights Association, instituição
que reúne profissionais como arquitetos, médicos,
advogados e pedagogos que lutam pela causa em mais de 30 países.
A valorização da brincadeira é fundamental
para o desenvolvimento da criança. Segundo o professor
e mestre em Educação, João Beauclair,
a utilização do lúdico nas atividades
para o desenvolvimento infantil é essencial. "Ao
brincar, a criança amplia as possibilidades de ir além
do seu próprio ser, consegue interagir consigo mesmo
e com os outros, percebe que há regras para o convívio
social e forma sua personalidade. Enfim, vivencia sua inserção
no mundo com suas complexas possibilidades".
"A criança vale-se do brinquedo para conhecer
o mundo, satisfazer a curiosidade, aprender a vencer seus
medos e desenvolver-se criativamente para confrontar-se com
novas situações que a interessem. O brinquedo
é a ferramenta que lhe permite a expressão criativa
de seus sentimentos em relação ao mundo que
a circunda e que ainda não compreende", complementa
a pedagoga e especialista em psicopedagogia, Rosley Barros.
No mundo da brincadeira tudo é possível e
permitido. A imaginação e a criatividade da
criança falam mais alto. Com a mudança de idade,
as transformações e os interesses irão
se transformar. Mas, segundo o psicólogo Armando Correa
de Siqueira Neto, o brincar irá encontrar espaço
e adaptação ao entrar em contato com cada circunstância.
Ele afirma que essas mudanças são essenciais,
pois no brincar a criança encontra a forma criativa
de lidar com as transformações humanas.
Mas, para que isso ocorra de fato, a criança deve
ser estimulada pelos pais. Nylse Cunha, presidente da Associação
Brasileira de Brinquedotecas, diz que os pais chegam a uma
brinquedoteca e muitas vezes perguntam: "Tudo isso afinal
para que. Só para ele brincar?". Segundo Nylse,
é preciso que os pais e as escolas percebam qual é
realmente o significado do brincar. Ela lembra que, ainda
hoje, as escolas se preocupam muito em cumprir o currículo
e transmitir o conhecimento formal, mas deixam de lado um
tempo para as crianças se divertirem da forma que acharem
melhor.
"Por isso, espaços como a brinquedoteca são
fundamentais. Ali, a criança não é cobrada
de nada. Não existem expectativas que pesem sobre a
ela. A criança tem a total liberdade e pode expressar
os seus sentimentos", comenta Nylse.
Brincadeiras de rua
A falta de espaço e a preocupação
constante com a violência, principalmente nas grandes
cidades, têm afastado as crianças das tradicionais
brincadeiras de rua. O educador João Beauclair explica
que o grande conflito neste cenário é que, além
dos espaços para as brincadeiras nos condomínios
fechados serem mal estruturados, eles são também
pouco "aproveitados, pois se tornam locais onde as crianças,
na verdade, dão um sossego para os adultos que delas
'cuidam' e ficam num convívio complexo com outras crianças
e adolescentes sem referenciais".
As brincadeiras de rua perderam seu espaço para os
brinquedos eletrônicos que conquistaram as crianças
com a ajuda da mídia. Regina Andrade Clara, psicopedagoga
e pesquisadora do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária),
ressalta que, diferente do que ocorria antigamente, em que
o brincar começava desde a construção
do brinquedo, hoje a criança pode assumir um lugar
passivo frente aos brinquedos que fazem praticamente tudo
sozinho. Desta forma, o brincar perde o seu sentido e real
valor.
"Muitas vezes, os pais ficam juntando dinheiro o ano
todo para comprar um determinado brinquedo e depois não
deixam a criança brincar porque vai estragar. As crianças
se sentem também frustradas quando percebem que, diferentemente
do comercial, o seu boneco não voa. O brincar, em certas
ocasiões, é mais o colecionar e guardar o brinquedo
no armário", explica.
No entanto, a pedagoga Rosley Barros lembra que, apesar
da atração, as crianças enjoam rapidamente
dos brinquedos, deixando-os de lado. Já os brinquedos
pedagógicos, que permitem uma maior interação
e uso da criatividade, se tornam mais interessantes. De acordo
com a pedagoga, isso ocorre porque a criança sente
a
necessidade de criar e fantasiar por meio da brincadeira.
"Se dermos um lego, por exemplo, aquele brinquedo de
peças pequenas de encaixe, apesar de ser um brinquedo
industrializado, a criança ficará horas nesta
atividade, pois estará criando os objetos para a sua
fantasia", compara.
Na opinião dos especialistas, esse direito de brincar
está sendo esquecido devido às agendas das crianças
repletas de compromissos, com aulas de computação,
inglês, dança, que afastam as crianças
da brincadeira. Elas acabam sobrecarregadas com atividades
extras que, muitas vezes, nem fazem sentido para a sua faixa
etária. Os brinquedos acabam sendo deixados de lado
cada vez mais cedo e as crianças alimentam o sonho
de se tornarem adolescentes rapidamente.
Segundo o professor João Beauclair, esse amadurecimento
precoce pode ter efeitos negativos no desenvolvimento da criança,
já que etapas fundamentais do processo de formação
da sua personalidade são esquecidas e as descobertas
aceleradas. "É preciso reeducar a própria
escola e a família para que saibam que há um
tempo para tudo e que ser criança é uma fase
mágica, bonita e que precisa ser mais bem vivenciada",
completa.
Se o lúdico se torna peça fundamental no desenvolvimento
das crianças, ele não pode ser deixado de lado
nas atividades de aprendizagem aplicadas na escola. Muitos
educadores já se deram conta disso e utilizam jogos
e brinquedos como estratégia de aprendizagem dentro
da sala de aula. Mas este enfoque ainda é exceção.
João Beauclair destaca o próprio espaço
da sala de aula "que é formatado para que o corpo,
essência do lúdico, fique aprisionado entre uma
carteira e uma cadeira, enfileirado, emoldurado e impossibilitado
de movimento".
O brincar, desta forma, fica restrito para espaços
como parques de areia, sala de jogos e brinquedotecas. Para
o psicólogo Armando Correa de Siqueira Neto, a criança
sempre irá encontrar a melhor forma para brincar e
"exercitar esta fonte inesgotável e pertinente
do crescimento, da linguagem e da adaptação
ante as variadas transformações e circunstâncias
pelas quais passa, boas e difíceis", conclui.
DANIELE PRÓSPERO
do site setor3
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