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comunicação musical
12/07/2004
Sesc promove integração social de refugiados africanos

"A vida não tem fronteiras. A vida não tem cor. Mas é preciso fé e esperança para viver", proclama a canção, entoada em francês e em dialetos africanos pelo coral Cantos da Paz. O grupo congrega refugiados e solicitantes de refúgio de diversos países africanos no Sesc do Carmo, no centro da cidade de São Paulo. Por meio da música, os cantores compartilham experiências, criam vínculos afetivos e tentam superar o trauma da perseguição política, étnica ou religiosa. Tentam enfrentar a dor da perda, de deixar a família, a cultura, a pátria para trás.

Cada cantor tem sua história. Patrick Kasonga, conta que veio da República Democrática do Congo (RDC) há um ano e meio. Saiu de lá por motivos políticos. "Eu fazia parte de um partido político da oposição, que não faz parte do governo atual, de transição. Por termos participado de uma passeata pacífica, eu e outros manifestantes fomos presos. Passamos alguns dias na prisão. Eu era perseguido pelo governo e então decidi me refugiar".

Com ajuda de um primo que morava na África do Sul, conseguiu o visto para entrar no Brasil como turista. Chegando aqui, apresentou-se à Cáritas de São Paulo e solicitou o refúgio. Após algumas entrevistas, seu pedido foi negado. "Não consigo entender. É surpreendente que o governo brasileiro não nos conceda o status de refugiado, apesar do nosso país estar em guerra, de haver a ditadura militar no Congo", diz.

Hoje, ele sobrevive dando aulas de francês. Pediu recurso em seu processo e afirma viver com medo. "Vivemos estressados o tempo todo porque a gente sabe que tudo pode acontecer a qualquer momento. Apesar disso, não tenho problemas em me identificar. Eu sou refugiado, não sei porque o CONARE [Comitê Nacional para o Refugiado] não aceitou meu pedido e não sei porque me esconderia. Eu sou refugiado e gostaria de que minha situação fosse regularizada. Depois, gostaria de estudar teologia na universidade e de voltar a viver com minha mulher e meu filho, que ficaram no Congo".

Vangu Mbadu, também congolês, está no Brasil há três anos. Seu pedido de refúgio foi negado, bem como o recurso. Ele está, portanto, ilegal no país e diz que tem que ir embora. Ele afirma que saiu da RDC por causa da guerra. "Perdi meu pai, irmão, mãe. Se eu ficasse lá, morreria. Quando eu estudava em meu país, eu sabia que o Brasil era um país com dificuldades. Mas na hora que eu estava fugindo, só estava pensando em sair de lá. Entrei no primeiro navio que encontrei. Não sabia que eu ia chegar aqui", diz. Ele conta que hoje sobrevive da solidariedade dos amigos.

Um outro rapaz, que chegou ao Brasil há um mês e meio e prefere não se identificar, diz que deixou sua terra natal para salvar sua vida. Em francês - pois ainda não aprendeu português -, ele conta que "há problemas que acontecem na África e que são realmente bizarros. Há guerras étnicas, conflitos políticos. Há pessoas que subiram ao poder e que não querem trabalhar juntos com aqueles que trabalhavam antes e há atentados, e cargos de confiança".

Ele diz que veio ao Brasil de avião, passando por Cuba. Hoje, vive em um albergue, alojado por intermédio da Cáritas. Enquanto aguarda a conclusão de seu processo para concessão da permanência como refugiado, ele sonha poder voltar a estudar, trabalhar e formar uma família. "Quero continuar meus estudos universitários. Eu estudava eletrônica industrial. Quero recomeçar minha vida aqui, da forma que todo mundo vive no Brasil. Enquanto não houver paz no meu país, enquanto houver guerras que não acabam nunca, eu não posso voltar. Antes, a gente chamava a África de 'berço da humanidade', hoje é o contrário. A África é o berço dos genocídios. Há tantas guerras, tantos assassinatos, há tantas histórias inacreditáveis...", lamenta.

Música integra refugiados
A idéia de criar um coral, que reunisse jovens refugiados para cantarem a paz, a alegria, a saudade de sua terra e também seu sofrimento surgiu em 2002, no Sesc Carmo, no centro de São Paulo. Denise Collus, assistente social do Sesc, conta que a instituição já mantinha uma parceria com a Cáritas de São Paulo e oferecia aulas de português (ministradas por docentes do Senac), refeições a baixo custo e acesso gratuito à Internet. Mas desejava desenvolver uma outra atividade, por meio da qual os refugiados pudessem falar sobre sua cultura.

"Nós começamos a conversar com eles e eles se empolgaram com essa história", lembra Denise. Ela diz que a participação no coral é voluntária e não tem por objetivo gerar renda. "O Sesc não pode pagar cachê porque eles não podem associar essa atividade à sua sobrevivência. O coral seria uma forma de você trabalhar e suportar esse período extremamente longo, que é o processo de pesquisa que o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) faz para reconhecê-los como refugiados".

Sobrevivência
Embora alguns dos integrantes do coral ainda acreditem que possam conseguir algum dinheiro com a atividade, para outros, como Patrick Kasonga, cantar permite estabelecer o contato com outras pessoas. "Faz bem saber que há gente que te escuta. Além disso, é interessante trocar histórias com pessoas que têm o mesmo problema que você. O refugiado sente muita nostalgia. Quando chegamos, nós nos sentimos desamparados, perdidos porque estamos em uma terra estrangeira. Depois, a gente tenta sobreviver, continuar a mesma vida que a gente vivia na nossa terra.

Não é fácil. Você vive a vida toda na sua casa, com sua mulher e seus filhos e, de repente, encontra-se em um quarto de albergue com 80 pessoas, num ambiente que nem sempre é convivial, com pessoas que passam o dia na rua, alcoólatras... Ficam em condições pouco higiênicas, pessoas que cospem em tudo, que urinam em todo lugar. Isso incomoda, mas o que você quer? O Brasil já faz muito; é um país que acolhe, que orienta, no limite de seus meios. Eu acho que a gente não pode pedir muito às instituições humanitárias. Acho importante dar condições para o refugiado encontrar um trabalho. Mas eu acredito que, como diz a canção, a gente pode viver no lugar que estiver. O que precisa é de fé e esperança. Sem fé e esperança, não há vida", conclui.

O número de coralistas do grupo varia muito. Isso porque os ensaios acontecem durante a semana, por volta das cinco da tarde e, quando os coralistas arrumam um emprego, não podem mais participar das atividades. São os cantores que decidem seu repertório. Como são apresentadas músicas em diversos dialetos, cada um deve explicar o significado das melodias para o grupo. "O coral é um espaço multiétnico e multicultural. Se você não estiver disposto a participar, vai embora. Mas se ficar, tem que respeitar a música do outro, vai cantar a música do outro", explica Denise.

Na opinião da assistente social, o Cantos da Paz também ajuda a divulgar a questão do refugiado para a sociedade, além de contribuir para mudar a imagem que se tem do expatriado. "O Brasil desconhece a situação do refugiado. Diferente dos países europeus, que as pessoas têm claro que refúgio é dado a uma pessoa que tem a sua vida ameaçada. No Brasil, as pessoas associam o refugiado à criminalidade. A imagem do coral é uma imagem que vai de encontro às imagens que a gente vê diariamente na televisão. Aquela imagem da fome, da violência, de pessoas extremamente frágeis, é verdadeira. Mas existem pessoas que mostram o contrário. São pessoas que vivem uma situação muito difícil, esse desespero para recuperar uma rotina que foi arrancada violentamente, suportar a ausência da família, conseguir trabalho. Mas a gente tenta mostrar um outro lado positivo. Apesar da dificuldade, são pessoas de bem com a vida, alegres, que estão dispostas a cantar e a mostrar um pouco da sua cultura", analisa Denise.



LAURA GIANNECCHINI
do site setor3

 
 
 

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