Uma vez por
semana, a dona-de-casa Sueli de Mendonça desce da Rua
1, na parte alta da Rocinha, onde mora, até o Ciep
Ayrton Senna, na entrada do túnel Zuzu Angel, na auto-estrada
Lagoa-Barra. É ali que, nas tardes de sábado
dos últimos dois meses, ela tem participado da Fábrica
do Futuro. Desenvolvido por e para moradores da comunidade
da Zona Sul do Rio, o projeto promove cursos e atividades
para cerca de 1.200 alunos.
Como costumam dizer os coordenadores da Fábrica, tudo
é voltado “para jovens dos 4 aos 80 anos”.
As atividades são as mais variadas: há desde
aulas de cestaria ao aprendizado de forró e lambaeróbica,
passando por basquete e confecção de bijuterias.
Ao todo, são 27 cursos, praticamente gratuitos. Praticamente
porque, além das duas fotos 3 x 4 necessárias
à inscrição, a única taxa que
se paga é de R$ 3 para a confecção de
uma carteirinha.
“Todas as pessoas que vêm conhecer a Fábrica
se impressionam quando a gente diz que não tem apoio
e nem patrocínio. Na verdade, temos um sub-apoio do
Ciep, que é do Estado e fica ocioso nos finais de semana.
Usamos as salas até como forma de otimizá-lo”,
fala José Armando de Lima, mentor do projeto. Aos 31
anos, ele é bem mais conhecido como Armando da Quadrilha,
já que é também é quem organiza
o grupo de caipiras e a festa junina na Rocinha. Há
um ano e meio, resolveu promover cursos para o pessoal da
comunidade. Como conhece muita gente, começou a chamar
os amigos para dar aulas.
“A Fábrica do Futuro está aí para
mostrar que não dependemos de ninguém, que quando
o morador se mobiliza a coisa acontece”, fala Armando.
Todo mundo é voluntário, como ele faz questão
de dizer. “Aqui ninguém recebe para trabalhar;
a única recompensa é o sorriso da direção
e o agradecimento dos alunos, dos pais, enfim, dos participantes”,
fala.
Agradecimentos que podem vir em forma de depoimentos como
os de Sueli, de 27 anos. “Aprendendo a fazer velas e
sabonetes, estou arrumando um outro meio de vida. É
uma forma de conseguir um ganho extra”, anima-se ela,
que freqüenta uma das oficinas de artesanato do projeto.
Jovens coordenam atividades
Para ajudá-lo a dar forma à Fábrica,
Armando convidou jovens para coordenar as atividades de apoio.
A escolha teve uma razão simples. “Sempre lidei
com o público e, particularmente com jovens na quadrilha.
Sei que eles resolvem as coisas. Se engana quem acha que eles
não têm responsabilidades. Só precisam
é de orientação”, explica.
Na Fábrica, isso tem mostrado na prática que
dá certo. São 35 coordenadores, entre 14 e 21
anos. “Foram eles que deram o pontapé inicial
aqui. E movem este projeto como ninguém. Aliás,
o projeto Fábrica de Futuro é muito mais deles
do que meu”, analisa.
Bianca da Silva, de 17 anos, estudante do segundo ano do
Ensino Médio, tem se dedicado ao projeto desde o seu
início. “Quando o Armando me chamou para participar,
aceitei. No começo, éramos só eu, ele
e mais quatro pessoas. Tudo foi crescendo”, lembra ela,
que durante a semana trabalha num cybercafé na favela.
Mas o que leva uma adolescente a perder um sábado
de sol para ser voluntária? “Gosto de ver o trabalho
das pessoas, os resultados, o sorriso de quem está
aprendendo”, responde ela. Como coordenadora, estão
sob a responsabilidade de Bianca a aquisição
e reposição dos materiais usados nas aulas.
Não fica só nisso. "Faço de tudo
aqui”, simplifica.
Bijuterias, cestaria, velas, artesanato
O entusiasmo de Bianca é movido pelo mesmo
motivo que leva Rosamaria Alves Souza, de 30 anos, a sair
de sua casa na vizinha favela do Vidigal para a Fábrica.
Rosamaria aprendeu, através de revistas, como fazer
artesanato de velas e decidiu repassar seus conhecimentos
aos alunos do projeto. “Hoje já estou trabalhando
com uma turma de 25 pessoas”, conta, orgulhosa, a professora.
O que também incentiva a baiana Amélia Margarida
Gonçalves, de 73 anos, que pilota um dos cursos que
mais faz sucesso entre o público feminino: o de bijuterias.
Sua turma tem cerca de 40 inscritas. “Antigamente aprendíamos
artesanato na escola; depois, me aperfeiçoei no Liceu
de Artes e Ofícios da Bahia. Agora, também dou
aulas”, fala.
Uma de suas alunas é Maria Gorete Lopes da Silva,
de 40 anos. “Já havia aprendido cestaria, mas
não resisti às bijuterias. Quero aumentar minha
renda e no futuro também poder ensinar”, promete.
Entre um curso e outro, Maria Gorete já está
freqüentando a Fábrica há dez meses.
Para Armando, que é consultor da empresa de telefonia
móvel Claro, a Fábrica do Futuro é a
realização de um sonho antigo. “O morador
de uma comunidade como a Rocinha tem alguns privilégios
mas vive também suas mazelas. É uma grande concentração
de pessoas em um espaço geográfico pequeno e
com muitas necessidades, esportivas, culturais, médicas
e de saneamento. É difícil ver isso durante
31 anos. Então, fazer o quê? Ir morar em outro
lugar? Até já tenho condições
financeiras para isso, mas prefiro realizar alguma coisa aqui
mesmo”, explica ele, que tira do próprio bolso
o dinheiro para a compra de material para os cursos.
Otimista com o crescimento do projeto, Armando já
está pensando em registrá-lo e transformá-lo
numa ONG. "Se ainda não é, provavelmente
vai se tornar até pela força que tem, com a
força que se criou. Todos os que trabalham aqui estão
muito empenhados no que fazem. É como se fosse um vírus
que está pegando em todo mundo”, resume.
VILMA HOMERO
do site Viva Favela
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