As mulheres brasileiras estão
cada vez mais invadindo a Internet e as rádios (comunitárias
e comerciais) para mandar suas mensagens. E estão firmando
presença. Nas ondas do ar e na rede da web, elas falam
sobre educação, saúde reprodutiva, direitos
femininos, relacionamentos e outras conversas que vão
muito além de culinária e maternidade.
Combinar o potencial transformador do rádio e das
novas tecnologias é exatamente o objetivo do projeto
Cyberela, da ONG Cemina, que já formou cerca de 30
comunicadoras (as cyberelas) em todo o Brasil e prevê
a instalação de telecentros – salas com
acesso à Internet – para promover a conexão
das mulheres com o mundo digital.
A inciativa será mais do que bem-vida. No Brasil,
73% da população feminina nunca trabalharam
com computador e 30% ainda não sabem o que é
a Internet, segundo uma pesquisa da Fundação
Perseu Abramo realizada em 2002.
Já o Fala Mulher se consolidou como um programa de
rádio fundamental para que elas começassem a
conquistar um espaço próprio nas emissoras.
Com enfoque feminino, o programa começou a ser transmitido
em 1989 na Rádio Guanabara, 1360 AM, no Rio de Janeiro.
Em 2002, se tornou uma rádio virtual com arquivos sonoros
disponíveis na Internet.
Nesse meio tempo, provocou o surgimento de programas similares
em todo o Brasil, às vezes até com o mesmo nome.
“A rádio é o melhor veículo para
discutir os conflitos entre homens e mulheres”, acredita
Silvana Lemos, coordenadora do projeto de rádio e inclusão
digital do Cemina.
Dinheiro do próprio bolso
As cyberelas foram selecionadas a partir da atuação
em projetos sociais e entre as participantes da Rede de Mulheres
na Rádio para ocupar um lugar no cyberespaço.
“São as Cinderelas do terceiro milênio”,
explica Silvana
Graça Rocha, 48 anos, moradora de São Gonçalo,
foi uma das comunicadoras selecionadas pelo projeto no estado
do Rio de Janeiro. Lutando pela melhoria das condições
de sua comunidade e envolvida com a rádio comunitária
Novo Ar (105.9 FM) há mais de dez anos, ela usou a
própria experiência para ajudar a mobilizar as
ouvintes em prol de causas comuns. “Os homens saem e
as mulheres ficam. São elas que se envolvem nas questões
da comunidade”, analisa ela.
A Novo Ar sedia o projeto-piloto dos 18 telecentros que serão
implantados em todo o Brasil. Navegar na Internet e trabalhar
com programas como Word, Excel, Power Point já é
possível para os moradores do município. São
os jovens da comunidade que demonstram maior interesse e que
freqüentam a rádio, mantida com a ajuda de cerca
de 1600 sócios que contribuem mensalmente com cerca
de 1% do salário mínimo.
“Cerca de 70% são mulheres e a maior parte é
de jovens”, revela Graça. Ao dar acesso à
rede com preços baixos, os telecentros têm sido
procurados por pequenos empresários e estudantes, alguns
vindos de Niterói. “Alunos da UFF (Universidade
Federal Fluminense), que vivem em Niterói, têm
vindo até aqui após a propaganda boca-a-boca
iniciada por uma colega moradora de São Gonçalo”,
conta Graciene Rocha, 24 anos, coordenadora de projetos da
Novo Ar.
Biboca virtual
Em São Paulo, Raquel Quintiliano, 26 anos, e Cleide
Ferreira, 28 anos, estão à frente da rádio
Biboca, que transmite exclusivamente pela Internet. Há
um ano, elas aprenderam a manipular os programas de áudio
e decidiram criar a rádio virtual, ampliando o trabalho
que já faziam com o programa Espaço Feminino.
“A gente queria fazer alguma coisa diferente que discutisse
o papel da mulher e ampliasse a participação
feminina no espaço digital”, contam. O nome escolhido
para o batismo foi biboca, que significa um pequeno bar, um
tanto precário, uma “quebrada” e também
uma “ boca quente”. “Lembrava fala, boca,
um lugar longe também”, explica Raquel, que morava
na comunidade de Jardim Hedron, na Zona Norte, no lado oposto
da cidade.
O passo seguinte foi dividir o conhecimento formando uma
turma de repórteres comunitários atentos às
questões da mulher. “No início, as pessoas
achavam que não era necessário falar sobre as
mulheres”, revela. Aos poucos, a turma mista de moradores
das comunidades de Jardim Rosana, Capão Redondo e Jardim
Angélica foi se dando conta de que violência
contra mulher era muito mais do que agressão física.
Participação ativa
“Eles perceberam que falta de acesso a emprego e
a educação são formas mais sutis de violência
que tornam a presença da mulher invisível”,
diz Raquel. Com a equipe formada e conscientizada, a rádio
começou a produzir um conteúdo diferenciado.
“Não somos uma rádio feminista. Procuramos
focar a participação da mulher, dar visibilidade
ao que estão fazendo”, avalia.
Sem criar conflitos nem “bater de frente” com
os machões, a equipe começou um trabalho lento
de convencimento das pessoas que começa com um exercício
de linguagem. “Fazemos questão de falar para
cidadãos e cidadãs, nunca generalizamos e usamos
o plural masculino. Pode parecer bobagem. Mas é muito
importante”, acredita.
Por ser uma rádio virtual, a reação
dos ouvintes às matérias veiculadas é
feita pelo boca-a-boca e as pessoas da comunidade que visitam
a rádio não escondem a surpresa. “Somos
uma rádio on line e isso ainda não foi muito
bem assimilado, a expectativa é ver todos aqueles equipamentos
e só temos computadores”, conta Raquel. A rádio
funciona na sede da associação de moradores
de Jardim Copacabana, na Zona Sul, e tem como principais ouvintes
os usuários dos telecentros montados pela prefeitura.
Tema polêmico
Em Goiás, as cyberelas Geralda Ferraz e Divina
Jordão produzem e apresentam os programas Voz da Mulher,
na rádio universitária da Universidade Federal
de Goiás (870 AM), e Palavra de Mulher, na Rádio
Difusora (640 AM), uma emissora católica de Goiânia
que ocupa os primeiros lugares em audiência.
Sexualidade, aborto, meio ambiente, educação,
amamentação, mortalidade materna e homossexualismo
feminino estão na pauta que vai ao ar nas emissoras
comerciais. “Nosso programa tem sempre notícias,
um quadro sobre direitos da mulher e uma entrevista que esteja
em sintonia com o que está acontecendo e seja de interesse
feminino”, explica Divina.
A participação do público varia de acordo
com o tema do programa, normalmente, elas recebem cerca de
10 telefonemas. Entre os ouvintes estão muitas donas-de-casa,
a maior parte moradora da periferia de Goiânia e de
municípios do estado de Goiás. “Temas
difíceis, como o homossexualismo feminino, provocaram
um silêncio total em nossos telefones”, lamenta
Divina.
O resultado do trabalho vai sendo sentido aos poucos, em
pequenas transformações, nas diversas comunidades
atingidas pelos programas de rádio. “No início,
as mulheres tinham medo de falar. Achavam que uma emissora
era uma coisa muito distante. Como íamos discutindo
temas que tinham a ver com o dia a dia delas, aos poucos foram
se aproximando e se apresentando para participar”, conta
Graça, da Novo Ar.
Sempre que o assunto é algum problema cotidiano, é
comum os programas ganharem um tom de desabafo, com a participação
dos moradores da região por telefone. “Primeiro,
as mulheres se descobrem através das experiências
relatadas na rádio. Em seguida, elas mesmas querem
falar”, analisa Graciene. Quando os moradores sentiram
que a rádio era um espaço onde poderiam entrar
despojadamente, de chinelos e bermudas, começaram a
usá-la para expressar o que sentiam e até mesmo
mandar recados apaixonados. "A participação
dos ouvintes já rendeu até casamento",
revela Graça.
Engajamento da comunidade
Márcia Bueno, 48 anos, moradora da comunidade de
Raul Veiga, em São Gonçalo, apresenta o programa
Mulher em Ação diariamente e já sentiu
que para mexer com seu público tem que falar daquilo
que está no cotidiano. “Sentimos que quando o
tema é saúde a participação é
imediata”, revela.
Márcia realiza entrevistas com médicas, advogadas
e outras especialistas que possam esclarecer a população
sobre assuntos importantes do momento. “Teve uma senhora
que me parou na rua para agradecer, porque teve a impressão
de que a entrevistada estava falando diretamente para ela”,
conta Márcia, lembrando um programa em que uma médica
advertia sobre os perigos da auto-medicação.
O engajamento da comunidade é fundamental para manter
os programas e até mesmo a rádio no ar, como
é o caso das comunitárias sempre ameaçadas
pelas incursões da Anatel - Agência Nacional
de Telecomunicações, órgão fiscalizador
independente do governo. Em São Gonçalo, os
moradores não permitiram que a Novo Ar fosse fechada
impedindo a entrada da polícia.
“Conseguir a outorgação da rádio
no Ministério das Comunicações é
uma luta sem fim. Volta e meia somos ameaçados de fechar
e de ser presos como bandidos", lamenta Graça,
que teme as ações da Anatel. As restrições
da lei federal que regulamenta as rádios comunitárias
é um dos maiores obstáculos à ampliação
e a estruturação do projeto Cyberela. “Muitas
comunicadoras treinadas estão desarticuladas devido
ao fechamento das rádios”, lamenta Silvana.
O objetivo das mulheres que propagam idéias no ar
é conseguir benefícios para toda a comunidade.
“Uma rádio promove ações de cidadania
e estimula a participação das pessoas em problemas
coletivos. O processo todo acontece através da emissora”,
observa Divina, a partir de sua experiência em Goiânia.
A mobilização das pessoas em torno da Novo
Ar, em São Gonçalo, resultou em conquistas expressivas
como uma lei municipal que assegura o seu funcionamento e
a criação de um conselho municipal de comunicação.
“São Gonçalo já é um lugar
melhor para se viver do que há dez anos, mas ainda
temos muita briga pela frente”, conclui Graça.
Em Jardim Copacabana, Zona Sul de São Paulo, o trabalho
comunitário de mulheres tem ganhado maior visibilidade
e até mesmo a atitude dos jovens do hip hop em relação
às mulheres tem sido questionada. “A mulherada
percebeu que alguns termos machistas eram usados para retratá-las.
Isto gerou um questionamento e um diálogo para entender
de que maneira isso foi incorporado a nossa cultura”,
revela Raquel. E aposta: "Compreender a desigualdade
de oportunidades já é um passo. O outro, mais
ousado, é conseguir fazer as mulheres ocuparem cargos
de chefia e de destaque".
As informações são
do site Viva Favela.
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