Há 25 anos, Sirlei Tarragô
Urbani, 50 anos, colocou sua profissão como assistente
social, a serviço da sua comunidade, os moradores de
Carapicuíba, cidade da região metropolitana
de São Paulo. Ali, ela conquistou a amizade, o apoio
e a cooperação para construir, com passos de
formiguinha, como ela diz, algo melhor para todos. Garra,
força e renúncia fizeram parte diariamente do
seu trabalho. Sua dedicação e vontade de mudar
a realidade local transformaram Sirlei em uma líder
comunitária.
A liderança das mulheres no Terceiro Setor sempre
se fez presente. Especialistas e profissionais que atuam em
organizações acreditam que, apesar de não
existir pesquisas a respeito do assunto, as mulheres são
a maioria à frente das entidades. Júnia Puglia,
oficial de programa do Unifem para o Brasil e Cone Sul (Fundo
de Desenvolvimento das Nações Unidas para a
Mulher), lembra que hoje, o trabalho comunitário tem
maior visibilidade graças à luta das próprias
mulheres que, em sua maioria, prestam esse serviço
gratuitamente para a sociedade, e não recebem como
deveriam o devido valor tanto em termos econômicos quanto
sociais.
"A mulher sempre teve e terá um papel fundamental
nas práticas do Terceiro Setor. Além de se preocupar
em 'cuidar das pessoas', a mulher tem sensibilidade, poder
de articulação e capacidade técnica,
administrativa e financeira", comenta Vera Vieira, coordenadora-executiva
da ONG Rede Mulher de Educação, que desenvolve
projetos e cursos que incentivam o protagonismo, autonomia
e liderança das mulheres brasileiras.
"As mulheres têm uma garra e força. Elas
sabem demonstrar afeto e emoções e têm
um olhar diferenciado. É uma característica
própria. Essa questão da sensibilidade é
para todos, mas pela própria essência, a mulher
é voltada para isso", completa Sirlei.
Vera afirma ainda que, o primeiro passo que a mulher deve
dar, é conscientizar-se de seu poder de liderança,
pois, com a auto-estima baixa, muitas até se assustam
quando se "descobrem" líderes. Elas devem
também exercitar seu poder de diálogo, praticar
o trabalho em equipe e utilizar sempre sua sensibilidade,
"não copiando o modelo masculinizante de poder,
que é mais vertical".
Esses foram os instrumentos utilizados por Sirlei para dar
novos rumos a sua vida e também da sua cidade. Seu
primeiro trabalho em Carapicuíba se deu ainda quando
era estagiária. Sirlei se envolveu em um movimento
estudantil chamado Aliança Bíblica Universitária
do Brasil, que trabalha a questão da sensibilização
e da consciência social do estudante e do profissional
colocando sua profissão a serviço da comunidade.
O grupo, formado por 40 estudantes de diversas áreas,
começou a desenvolver um trabalho na cidade com um
grupo de mães. Em 1982, os jovens fundaram o Projeto
Missionário Vila Capriotti - o Centro de Educação
Cuca Legal (nome fantasia) -, com uma verba conquistada junto
ao movimento na Alemanha. "Era uma visão motivada
pelo contexto político de 1980 com muitas greves e
mobilização política. Queríamos
mudar o mundo. A gente foi para lá achando que ia fazer
tudo certinho, mas a estratégia de envolvimento com
a comunidade no início não foi correta. Primeiro
compramos a sede, e depois, aos poucos, é que fomos
envolvendo o pessoal da comunidade. Depois precisamos resgatar
esse contato. Foi muito difícil. Éramos muito
idealistas. Quando você vai para a comunidade, vê
que a realidade é bem diferente. Não precisa
usar tanta técnica. Basta você se relacionar,
se envolver e ter um trabalho coletivo. È necessário
saber ouvir as pessoas, as suas necessidades e priorizar estas
necessidades junto à comunidade".
Depois de formada, Sirlei trabalhou três anos no projeto
rural Bem-Estar do Menor, na cidade de Sabinópolis,
no nordeste de Minas Gerais. Mas, acabou voltando para Carapicuíba.
"Acho que uma questão de vocação,
de olhar a necessidade do outro, com ideologia de construir
um mundo melhor. Vem de dentro mesmo", ressalta. Quando
chegou na cidade, a equipe tinha se reduzido a apenas seis
pessoas. Do grupo antigo, somente Sirlei e o marido permaneceram.
Neste dia, Sirlei assumiu um grande desafio. "A gente
pensou: e agora? Chamamos a comunidade e dizemos: essa casa
é de vocês. Ou vocês entram ou a gente
fecha".
A comunidade aceitou a proposta e o trabalho não parou
mais. No início, Sirlei trabalhava também na
área de psiquiatria no Hospital das Clinicas e só
atuava aos finais de semana no projeto para ajudar nas despesas
da casa. No entanto, ela percebeu que o projeto precisava
de alguém que tivesse um olhar histórico e resolveu
se dedicar integralmente ao trabalho. Um grupo de amigos de
Sirlei se reuniu e formou a Sociedade dos Amigos Informais
de Vila Capriotti, para dar um apoio financeiro para que Sirlei
pudesse ao menos colocar gasolina no carro para ir até
o projeto. "Aos poucos esse apoio foi diminuindo. Foi
um trabalho praticamente voluntário", conta.
Sirlei teve que se aprimorar, fazer cursos até na
área de pedagogia para desenvolver as ações.
Há três meses, a organização lançou
o Projeto Cuca, com 18 crianças, de 7 a 10 anos, que
trabalha conhecimento, união, cultura e ação.
São atividades de artes, música, reforço
escolar, dando ênfase na leitura e escrita e na linguagem
oral. A ONG conta ainda com uma creche, com o atendimento
a 50 crianças de 3 a 6 anos, grupo de alfabetização
de adultos e grupo de mulheres. "A idéia é
trabalhar as famílias como um todo, num processo global
e respeitando a questão da cidadania".
Hoje, a diretoria do projeto e os educadores são pessoas
da comunidade. Para Sirlei, "a ação comunitária
é algo muito maior do que prestar um atendimento socioeducativo
em um determinado bairro. A nossa luta é também
no campo das políticas públicas de assistência
social". Com essa visão, Sirlei se envolveu em
outros trabalhos na cidade. Ela é conselheira municipal,
este ano suplente, do Conselho de Assistência Social
e tem apoiado a elaboração de cursos para a
Secretaria de Promoção Social. "Carapicuíba
é um município de mais de 500 mil habitantes,
com um perfil de município dormitório. Cada
quatro ruas é um bairro. A dotação orçamentária
para assistência social no ano base de 2002, é
de menos de 0,05%. Tem cerca de oito creches públicas
para 500 mil habitantes. Tem creche que tem 3 mil crianças
esperando", relembra.
A proposta da assistente social é promover um trabalho
em rede entre as organizações, já que
a cidade conta com 40 entidades sociais cadastradas, mas Sirlei
aponta que há mais de duzentas só como sociedades
amigos de bairro. Em 2003, juntamente com outras lideranças,
Sirlei promoveu uma reunião com seis entidades, que
organizaram um documento mostrando a situação
da cidade e apresentaram para os vereadores e o prefeito.
Agora, o grupo espera resposta e ação por parte
do governo. "Acredito que algumas pessoas fundamentais
dentro da área social precisam ampliar o que significa
uma ação social mais transformadora. Mas a gente
acredita que isso é a rede, a troca e a capacitação
e a representatividade é que faz a gente crescer mesmo".
Sirlei participa ainda como coordenadora de relações
sociais da Associação Cirandar. A rede, fundada
em 1998, tem a participação de 50 entidades.
A proposta é: entidade gestando entidade. O trabalho
é de forma horizontal, com a participação
de todos. Um dos trabalhos desenvolvidos pela Cirandar é
o Projeto Capacitando Liderança, que pretende incentivar
a participação mais ativa das diretorias formais
das organizações.
Durante todos estes anos de atuação, Sirlei
garante "que a satisfação de atuar na área
social é enorme e os ganhos são fantásticos".
"Você deita e dorme feliz. Com a consciência
que fez o que devia ser feito". No entanto, a líder
comunitária conta que todo este trabalho é repleto
de dificuldades. Além da falta de recursos para manter
os projetos, a vida pessoal também fica de lado em
diversos momentos para dar lugar às necessidades da
comunidade. Em sua opinião, o trabalho comunitário
exige muito sacrifício. "Você renuncia alguns
valores do ter para buscar os valores do ser. Mas é
desgastante. Eu geralmente estou cansada. O líder comunitário
não sabe falar não. E isso, às vezes,
é sofrido. Mas tem que aprender. O líder sacrifica
a ele mesmo. O cuidado pessoal fica a desejar. Eu tenho dois
filhos, de 16 e 12 anos e eles ainda precisam muito de mim
também. Tenho que aprender a equilibrar esse meu ideal
com a família".
"O líder precisa ter valores e ter consciência
de cidadania, de solidariedade, de co-responsabilidade e de
co-participação. A principal característica
é saber ouvir. É preciso ter afeto. Não
ainda ser um líder e impôr os seus valores. Estou
cansada de ver autoritarismo", comenta.
Sirlei conta que, infelizmente, para ela manter o seu ideal,
tem que ter dois ou três trabalhos, pois, como lembra
Júnia Puglia, o trabalho social não é
reconhecido ainda. Atualmente, Sirlei presta também
assessoria a entidades sociais, como o Instituto do Terceiro
Setor Evangélico, e outros serviços pontuais.
Ela afirma que o serviço social, por exemplo, é
ainda uma profissão muito desvalorizada.
A assistente social garante que a palavra certa para toda
a sua dedicação e trabalho é paixão.
Apesar de estar preparando outras lideranças para assumir
o seu lugar na entidade, Sirlei não pretende se afastar
da área social. Seja numa entidade ou promovendo redes
de contato entre as entidades, a líder diz pretender
"morrer assim". Na opinião de Sirlei, apesar
das mulheres serem maioria no Terceiro Setor, é necessário
um trabalho maior das entidades para que as mulheres possam
realmente se tornar líderes e ter consciência
do seu potencial.
"Precisamos priorizar este espaço de participação
das mulheres. Elas têm muito para dar. Existem líderes
comunitárias natas. Falta proposta das organizações
para isso. Os projetos atuais não tratam da própria
questão da mulher e o papel dela na sociedade".
Ações de fato
Algumas ações nesta área vêm
despertando no país. Desde 1997, o Centro de Liderança
da Mulher (Celim), com sede no Rio de Janeiro, atua na formação
de mulheres com potencial de liderança para que participem
dos processos de decisão e influenciem a sociedade.
Dalva Maia, integrante da entidade, conta que a proposta
surgiu a partir da constatação de que havia
uma necessidade de capacitar mais as mulheres, pois estas
já realizavam bons trabalhos, mas sem apoio para ampliá-los
e qualificá-los.
Com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Celim
já formou 350 mulheres de todos os Estados brasileiros.
Atualmente, o centro estabelece parcerias com outras entidades
para o desenvolvimento de cursos e palestras, a fim de que
as mulheres se conheçam e desenvolvam suas capacidades
de liderança. O Celim já criou núcleos
de replicação no Ceará, em Santa Catarina
e no Rio Grande do Sul.
A Rede Mulher de Educação também promove
ações com este enfoque. A organização
está à frente do Curso para Mulheres Jovens
Líderes sobre Governabilidade Democrática, que
irá ocorrer de 8 a 13 de novembro, na cidade do Rio.
O curso irá reunir cerca de 30 mulheres líderes
jovens dos países do Cone Sul, de 18 a 35 anos. O curso
irá abordar temas fundamentais, tais como, desafios
da democracia; a participação política
da mulher; estratégias e comunicação
política; e técnicas de negociação
e liderança democrática. Segundo Vera Vieira,
a idéia é preparar jovens mulheres para o exercício
da liderança, "aumentando com isso as chances
de um mundo mais igualitário, entretanto sem ocupar
cargos de poder, onde são tomadas as decisões,
fica difícil avançar".
A coordenadora aposta numa capacitação para
o exercício da liderança sob a ótica
das relações de gênero, abordando temas
como poder, resolução de conflitos, negociação,
redes, parcerias e alianças. "O impacto dessas
ações é primordial, pois vai alicerçar
esse caminho. Como, milenarmente, o poder e as oportunidades
foram negados à mulher, ela necessita de capacitação
para lidar com todos esses desafios e conflitos", comenta.
DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3
Rede Mulher de Educação
Endereço: rua Coriolano, nº 28, Vila Romana, São
Paulo, SP, CEP: 05047-000
Telefone: (11) 3873-2803
E-mail: rdmulher@redemulher.org.br
Site:
www.redemulher.org.br
Centro de Liderança da Mulher
Endereço: rua Lopes Quintas, nº 211, Rio de Janeiro,
RJ, CEP: 22460-010
Telefone: (21) 2511-0142
Site: www.celim.org.br
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