No município cearense de
Barro, localizado 463 quilômetros ao sul de Fortaleza,
um grande galpão guarda mais de três toneladas
de algodão recém-colhido e mais de três
toneladas de plumas. Nunca esse espaço esteve tão
cheio. Explica-se: os 38 agricultores da comunidade de Engenho
Velho que colheram esse algodão entre maio e junho
estão à espera da recuperação
dos preços, que caíram por causa da atual supersafra.
Neste ano, a área plantada no país cresceu 40%
em relação à última safra e a
estimativa é colher 1,2 milhão de toneladas.
Mas esses agricultores não têm pressa para ver
os preços subirem. Para eles, só o fato de estar
colhendo esse volume já é motivo de comemoração.
Isso porque, até dois anos atrás, a imagem de
plumas de algodão manchando de branco suas lavouras
fazia parte apenas de um passado distante – 1985, para
ser mais preciso. Naquele ano, uma praga que atende pelo nome
de bicudo se alastrou por boa parte dos algodoeiros do Brasil
e aniquilou as plantações da região.
Desde então, os agricultores locais vinham dedicando
seus terrenos ao milho e ao feijão, com boa parte da
colheita destinada ao consumo próprio.
Esta história começou a mudar em 2002, quando
foi implantado em Barro o projeto Algodão: Tecnologia
e Cidadania, do Coep (Rede Nacional de Mobilização
Social) em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa). O programa, que fora aplicado em 2001 com sucesso
em Juarez Távora, na Bahia, tem dois pilares: a capacitação
dos agricultores e a instalação de máquinas
que lhes permitam vender um produto com maior valor agregado.
A iniciativa, que tem o apoio da Financiadora de Estudos e
Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e
Tecnologia, também foi levada para São José
de Piranhas (PB), Nova Cruz (RN), Água Branca (AL)
e Surubim (PE).
Com a orientação de técnicos da Embrapa,
os agricultores atendidos pelo projeto aprendem novas técnicas
de cultivo, manejo de solos, controle de pragas, uso de defensivos
agrícolas e armazenamento. “Eles ficam sabendo,
por exemplo, a hora certa de plantar e recebem indicações
para não colherem as plumas com impurezas ou com umidade,
o que pode provocar a sua fermentação, ou até
quando se pode guardar o algodão colhido”, diz
o gerente do projeto, Marcos Carmona, do Coep. Dicas simples
como estas têm garantido aos agricultores um algodão
de maior qualidade e alta produtividade.
Mas é depois da colheita que o programa gera maior
transformação. Com a instalação
de uma mini-usina para beneficiamento do algodão colhido
e de uma prensa que transforma as fibras beneficiadas em fardos
de cerca de 120 kg, a comunidade se torna capaz de vender
o algodão pronto para ser usado nas indústrias
têxteis da região. Como ele é vendido
já beneficiado e é possível aproveitar
suas sementes, os ganhos dos agricultores são, em média,
60% mais altos do que sem as máquinas. “Vou receber
mais de três mil reais com a venda das plumas. Se eu
ainda vendesse o algodão bruto, tiraria por volta de
dois mil reais”, comemora o agricultor Francisco Bezerra,
de 42 anos, que colheu 1.960 kg de algodão em seu terreno
de 1,5 hectare em Engenho Velho. Bezerra lembra que, há
dois anos, apenas sete famílias aderiram ao projeto.
“Com os primeiros resultados, os interessados cresceram
e hoje somos quase 40“, diz ele. “É uma
questão de conscientização. À
medida que o tempo passa, mais agricultores se unem a nós.”
Associativismo e informática
Mas não é só no bolso que o projeto
Algodão: Ciência e Tecnologia tem feito diferença.
Como ele foi incluído no programa Gesac (Governo Eletrônico
– Serviço de Atendimento ao Cidadão),
do Ministério das Comunicações, as comunidades
atendidas estão recebendo equipamentos para a instalação
de tele-salas de informática para acesso à internet.
Os moradores estão participando da construção
das salas, com mão-de-obra, com parte do material ou
articulando-se com os poderes locais para ter apoio. “Estamos
promovendo uma maior solidariedade entre os agricultores,
que não eram tão integrados. Há um fortalecimento
da comunidade”, diz a secretária executiva do
Coep, Gleyse Peiter. Um exemplo foi a decisão de agricultores
de Barro e São José de Piranhas: vender em conjunto
a safra do ano passado. “É interessante criar
uma cultura associativista. Em breve, vamos criar um fundo
para ser usado pelos participantes do projeto”, afirma
Gleyse.
Uma vez que as usinas estão funcionando a pleno vapor,
a idéia agora, segundo a dirigente do Coep, é
atuar no segundo elo da cadeia produtiva do setor têxtil:
“Estamos instalando teares para as comunidades produzirem
redes e outros artigos, de modo a terem uma alternativa de
renda mais estável.” Mas isso ainda não
basta. Os planos do Coep incluem também a instalação
de cisternas de placa nas casas para aproveitar a água
da chuva na irrigação das plantações,
o investimento na criação de cabras e em viveiros
de mudas para produzir lenha. “A intenção
do projeto, desde sua origem, é ter uma proposta para
fixação do homem no campo”, afirma Gleyse.
O que a deixa entusiasmada é o crescimento do interesse
dos agricultores. Se em 2001 eram sete agricultores para sete
hectares cultivados, no começo deste ano já
eram 131 produtores rurais colhendo algodão em 169
hectares. “Agricultores de comunidades vizinhas às
do projeto estão nos procurando e calculo que até
o fim deste ano teremos atingido 40 comunidades”, prevê
Gleyse.
Segundo ela, esse aumento é o melhor indicador do
sucesso do projeto do Coep, que se interessou em revitalizar
o cultivo do algodão no Nordeste por causa da queda
na produção nas duas últimas décadas.
A praga do bicudo e a abertura do mercado à importação
provocaram essa queda. No fim dos anos 1990, eram 250 mil
agricultores do semi-árido da região cultivando
apenas 135 mil hectares, sendo que no início dos anos
1980 o número chegou a dois milhões de pessoas
distribuídas por 3,5 milhões de hectares. “O
algodão já foi conhecido no Nordeste como ouro
branco”, diz Gleyse. “Nossa expectativa é
que ele volte a ser um elemento decisivo para o desenvolvimento
da região.”
As informações são
do site da Fundação Banco do Brasil.
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