Apesar da degradação
ambiental que ameaça o Complexo Lagunar da Baixada
de Jacarepaguá, o meio ambiente ainda é fonte
de inspiração para jovens de comunidades da
Zona Oeste do Rio. É o que prova a superlotação
das oficinas de música, educação e comunicação
ambiental oferecidas gratuitamente pelo Instituto Terrazul,
na Ilha da Gigóia, Barra da Tijuca. Eles criaram até
um canal de TV que aborda a questão sócio-ambiental.
A programação é toda feita pelos alunos.
Com câmeras na mão, muitas idéias na
cabeça, vontade de cantar e algumas sementes no bolso,
os 60 jovens aprendem a fazer hortas, produzir vídeos
e ainda participam de um coral com temática ecológica.
As oficinas reúnem moradores do local e de comunidades
como Rocinha e Vila Canoas (em São Conrado), Rio das
Pedras (em Jacarepaguá) e Morro do Banco (na Barra
da Tijuca).
O canal de televisão é fruto da oficina de
Comunicação Ambiental. Foi batizado de TV Socó,
em homenagem ao pássaro de mesmo nome que vive na região.
O lançamento aconteceu em junho e, desde então,
a programação já tratou de temas como
meio ambiente, saúde e cultura. O canal, de número
41, foi cedido por uma empresa de TV a cabo e sua abrangência
é a região da Ilha da Gigóia e ilhas
do entorno. A programação feita pelos jovens
é veiculada às sextas e sábados, das
10h às 11h, e de 14h às 15h.
Moradora de Vargem Grande e responsável pela pauta
do noticiário, Valdicéa da Silva Freitas, 20
anos, é das alunas mais engajadas. Ela conta que os
temas abordados atendem às demandas da comunidade.
"Já falamos do mau cheiro da Lagoa da Tijuca,
que pode ser sentido até na Avenida das Américas
em época de ressaca. Fizemos também um programa
para falar da habitação e ocupação
aqui na região, além de entrevistas sobre saneamento,
entre outras coisas importantes", conta.
Aprender fazendo
Nas oficinas de comunicação ambiental,
segunda-feira é o dia de discutir as pautas com os
jovens das outras oficinas, às terças e quartas,
é feita a pesquisa sobre os temas selecionados e às
sextas os alunos saem pela Ilha para fazer as filmagens. "Tivemos
noções de roteiro, áudio e filmagem em
uma oficina de Imagem e Vídeo. Ajudou bastante. Mas
o resto a gente aprende fazendo", completa a aluna Valdicéa
da Silva Freitas.
Ana Paula dos Santos Corsina, 18 anos, moradora do Morro
do Banco, é uma das alunas que participam do coral
e das aulas de educação e comunicação
ambiental. Ela conta que em todas as atividades pode aprofundar
seu conhecimento sobre o meio ambiente.
"No começo da aula de coral, o professor fala
para a gente fechar os olhos e sentir o que estamos cantando.
Quando eu canto "Planeta Água", do Guilherme
Arantes, por exemplo, imagino as águas correndo nos
rios, lembro de coisas boas. É muito emocionante, várias
dessas músicas eu nem conhecia", diz Ana, que
incluiu no seu repertório composições
como "Sobradinho" , de Sá e Guarabira –
aquela que fala que o sertão vai virar mar e o mar
virar sertão – "Sempre Verde", de Tom
Jobim e até outras menos conhecidas, como "O encontro",
de um grupo do interior da Bahia chamado Cantarolama. "Essa
fala sobre os manguezais, exatamente um dos temas que a gente
estuda na aula de educação ambiental",
observa.
De acordo com o responsável pelo Programa de Formação
de Jovens Músicos do Instituto Terrazul, Arthur Franco,
35 anos, o objetivo das aulas de Coral é trabalhar,
além da musicalidade, outras questões levantadas
pelas letras das composições. "Já
falamos sobre fé, crença e valor do trabalho,
sobre folclore, e o próximo tema a ser abordado é
o meio ambiente. Dedico os 30 minutos finais da aula para
conversarmos sobre esses e outros assuntos", conta. Se
for preciso são utilizados textos de apoio para fundamentar
a discussão.
O coral já se apresentou em ocasiões como a
celebração do Dia Mundial da Paz, no dia 6 de
agosto, no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social) e o VII Encontro de Educação Ambiental
do Estado do Rio de Janeiro, em setembro de 2003, na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O Programa de Formação de Jovens Músicos
é realizado em parceria com o Banco Rural, através
do Instituto Junia Rabello. Arthur destaca que o compromisso
ambiental está presente, inclusive, no material do
qual é feito a percussão "Os alunos recolheram
algumas latas de óleo encontradas nas margens da Lagoa
da Tijuca para fazer o instrumento. O interessante é
que os alunos pintam e personalizam as latas", diz.
O coordenador do Instituto Terrazul, Marcos Sant’Anna
Lacerda, 40 anos, explica que o trabalho é desenvolvido
em três linhas de ação: Capacitação
Ambiental; Formação Cultural e Iniciação
Profissional. Assim, os jovens podem escolher entre os Programas
de Educação Ambiental, de Formação
de Jovens Músicos e de Informática. "Nosso
objetivo é trabalhar a relação do jovem
com o meio ambiente, contribuindo para o resgate de suas raízes
e de sua auto-estima", ressalta.
Ajuda na escola
Nas oficinas do Programa de Educação
Ambiental - realizado em parceria com a Agência Alemã
de Cooperação Técnica GTZ – são
abordados temas relativos ao complexo Lagunar da Baixada de
Jacarepaguá – fauna, flora e recursos hídricos
- entre outras noções de meio ambiente. Nessa
oficina, os alunos recebem uma bolsa mensal de R$ 50.
O curso se ramifica em chamados "projetos-ação",
tais como o de hortas orgânicas a serem feitas em pequenos
espaços. "A horta orgânica do Instituto
é aberta à visita dos moradores da região,
que podem aprender a técnica com os alunos e reproduzi-la
na laje de casa", conta Marcos, coordenador do Instituto.
Como parte do Programa de Educação Ambiental,
os jovens são capacitados para atuarem como guias e
monitores em passeios ambientais feitos pelo Complexo Lagunar
da região. A moradora da Ilha da Gigóia, Tamiris
Silva Pereira, 11 anos, está torcendo para ficar mais
velha só para poder ser uma das guias.
"Quando eu tiver 13 anos, vou fazer a oficina de educação
ambiental e quero também ser guia. Arrastei o professor
de informática daqui da oficina comigo, porque os meus
pais não podiam ir e eu não podia fazer o passeio
sem um adulto responsável", conta ela, que adorou
o percurso. "Descobri quais os tipos de mangue que existem:
branco, vermelho e preto. Soube que por aqui temos onze ilhas,
e eu pensava que fossem apenas quatro ou cinco!", conta
ela, que faz as oficinas de música e percussão.
O conhecimento aprendido nas oficinas, é levado para
a sala de aula. "Adorei saber que as lagoas do complexo
lagunar são interligadas!", diz Valdicéa
da Silva Freitas. "O bom é que na aula de biologia
da escola a gente já sabe um monte de coisa",
completa a moradora da Joatinga, Sandra Maria Dias de Lima,
17 anos
Bronca nos vizinhos
Morador de Vila Canoas, o aluno das oficinas de coral
e percussão, Julio César, 15 anos, já
vê sua comunidade com outros olhos. "Minha comunidade
fica dentro da Floresta da Tijuca. Lá, as pessoas costumam
jogar todo tipo de lixo – lixo doméstico e até
sofá, geladeira - atrás de um muro. Eu fico
com muita pena, às vezes falo para não fazerem
isso", diz.
Como parte das oficinas de educação ambiental,
a aluna Ana Paula Corsina levou seus amigos do curso para
conhecer uma cachoeira da sua comunidade, que desemboca na
Lagoa da Tijuca. "Ela tá tão poluída...
Muita gente faz piquenique ali. Depois da visita, teve debate
sobre o assunto".
Além das oficinas, os jovens participantes também
se envolvem em outras ações na comunidade. "Já
chamamos, por exemplo, representantes da Comlurb para discutir
com a gente o regulamento de limpeza da Ilha da Gigóia.
Pegamos o regulamento de limpeza da cidade e adequamos para
a nossa realidade, já que aqui não era feito
um trabalho sistemático. Hoje esse problema foi resolvido",
diz o coordenador do Instituto, Marcos.
A mobilização para as oficinas foram feitas
a partir da divulgação nas escolas da região
e em Associações de Moradores. A mudança
nos alunos é sentida por todos. "Entre os meninos,
tinham uns que pintavam o cabelo de amarelo ovo e diziam que
era uma forma de mostrar a revolta deles. Hoje em dia, esses
jovens resgataram a auto-estima e fazem um trabalho muito
bonito", diz Arthur, professor do coral.
Quando questionados sobre as profissões que pretendem
escolher, os alunos costumam se mostrar inspirados pelas oficinas.
"Cheguei aqui querendo ser bancária, mas agora
estou confusa. Talvez eu vire repórter", diz a
aluna e responsável pela pauta da TV Socó, Valdicéa
da Silva Freitas, 20 anos. Moradora da Joatinga, Sandra Maria
Dias de Lima, 17 anos, que atua como câmera e repórter
da TV Socó e também faz aulas de educação
ambiental já decidiu: "Quero ser arquiteta de
construções ecológica".
JULIA DUQUE ESTRADA
do site EcoPop
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