Eram seis e 45 da manhã
na última terça-feira, Dia das Crianças,
e lá estava Diego Nunes na frente da Casa Comunitária
Sagrada Família com seus dois irmãos e sua mãe.
Ansioso, não via a hora de encontrar seus colegas para
juntos conhecerem o Reino do Ludovico. "Espero que tenha
labirinto. Adoro me perder e descobrir o fim do caminho",
afirmava Diego, que está na 4º série do
Ensino Fundamental.
Aos poucos foram chegando mais crianças somando 107
alunos da Casa Comunitária, no bairro do Tatuapé,
zona leste de São Paulo. Às oito horas saiam
três ônibus em direção a Arujá,
a 35 km da capital paulista. Destino: Reino do Ludovico.
O Reino do Ludovico é uma organização
sem fins lucrativos e também um parque temático
criado pela Fundação Cultural e Artística
Reino do Ludovico instalado em uma área verde de 70
mil m2. A organização é resultado da
união de artistas plásticos e outros profissionais
que acreditam na inclusão social por meio da arte e
cultura. Com uma proposta de educar e brincar através
dos costumes e histórias dos cinco continentes, a entidade
é inspirado no livro Reino do Ludovico, de Vera Uberti.
Quando chegam no parque as crianças tomam um lanche
e logo depois assistem a uma peça de teatro com a história
do Reino do Ludovico. Demonstrando aprovar a encenação,
que conta a história da órfã Quitéria,
conhecida como Kiki. Amada por todos do reino, Kiki é
a dona do boneco Ludovico, seu melhor amigo. O reino onde
Kiki morava foi atacado por povos inimigos. Com alegria, ela
incentiva a todos a ajudarem na reconstrução
do reino. A história tem um final feliz e convida o
público a viajar pelos cinco continentes do planeta.
Após a encenação, as crianças
são divididas em grupos para conhecerem os principais
costumes de cada continente. A primeira parada foi no continente
asiático, onde tem uma casinha estilo japonesa em que
as crianças lavam as mãos para tirar todo espírito
ruim e os sapatos por uma questão de respeito ao dono
da casa, segundo a crença oriental. Uma senhora de
quimono serve chá verde, conhecido por acalmar o ânimo
dos guerreiros, e esclarece as dúvidas dos pequenos
em relação à cultura japonesa.
Ao lado, há uma tenda com várias peças
em origami, dobradura em papel de origem chinesa, que são
oferecidas aos deuses pelos moradores daquele país.
A monitora Edna Yukiko Matsuda Ivahara conta a história
da dobradura tsuru, uma garça da sorte muito utilizada
como uma espécie de "amuleto" em correntes
para se pedir a cura de doenças e manifestar a Paz.
"Sempre gostei de trabalhar com crianças. E este
projeto é bem diferenciado porque revela a cultura
de cada povo. Estou gostando da experiência de poder
falar sobre a minha cultura para os pequenos e contribuindo
tanto na educação quanto na arte de brincar",
afirma Edna.
A história do Brasil também é abordada
em uma das atrações do parque. Com a representação
de uma capela e um instrutor vestido de português, fala-se
da colonização portuguesa, da exploração
da fauna e flora brasileiras de forma leve e divertida. No
verde do parque, há pés de café e árvores
de várias espécies. No meio do caminho, tem
uma oca que representa o ambiente indígena e conta
com a atuação do jovem guarani, Karaí
Katande, 22 anos, que fala um pouco de seus costumes, seu
artesanato e esclarece dúvidas referentes ao casamento
guarani, o choque cultural com a civilização
branca e outras questões. A conversa termina com uma
dança indígena, liderada por Karaí.
O próximo continente descoberto foi o africano, com
uma representação da savana com elefantes, gorilas
e carrancas. O instrutor africano convida todos para tocarem
e dançarem ao som de instrumentos como latas de alumínio
e chocalho. A batucada contagia todos que seguem mais tarde
para discutirem sobre a geografia, clima, costumes, a ruptura
cultural do continente africano e a escravidão africana
no Brasil. Além disso, foram apresentadas aos pequenos
as carrancas, máscaras africanas carregadas de mistério.
Segundo o instrutor, os africanos acreditavam que as carrancas
encarnavam espíritos de deuses. A aventura termina
com uma oração e um saudação de
"Axé".
Após tantas descobertas, há uma pausa para
o almoço e logo depois assistem ao documentário
da National Geographic sobre a vida e costumes dos aborígines
da Oceania. A última atividade é arte no papel
ou em massinha com inspiração de artistas europeus,
como o pintor espanhol Juan Miró, a artista plástica
francesa Nikki de Saint Phalle e o italiano Alberto Giacometti.
O monitor de recreação, Jota Souza, trabalha
há oito anos nessa área de recreação
e há três no Reino. "É muito legal
pegar uma turma interessada em trabalhar e aprender diferentes
culturas. Geralmente, a gente repara esse interesse nas comunidades
mais carentes", conta o monitor Jota.
O diretor do parque, o italiano Giambi Uberti, há
13 anos no Brasil sentiu dificuldades em se adaptar num país
com tamanha desigualdade social. Sendo assim, passou a participar
de algumas atividades da Vila Prudente, zona Leste de São
Paulo, e de trabalhos em grupos religiosos e projetos sociais.
Uma tia dos pais de Giambi, solteira e sem filhos deixou uma
herança e expressou seu desejo de que o dinheiro fosse
aplicado no desenvolvimento de projetos com crianças.
Os pais de Giambi o aconselharam a procurar por uma instituição
brasileira que tivesse este perfil. "A gente fica com
medo de doar porque quer ver o dinheiro bem investido",
afirma Giambi que preferiu criar uma instituição
que buscasse a inclusão social por meio da arte.
O sonho de Giambi é atender apenas crianças
carentes, mas como as doações são periódicas
é preciso captar recursos por meio das excursões
de colégios particulares, doações de
empresas e convênios com secretarias de educação.
"Procuramos desenvolver nas escolas a questão
da arte e o ensino de culturas diferentes da ocidental. Acreditamos
que a arte dignifica e até pode despertar um talento
para a área cultural. A criança pode querer
ser músico, pintor, figurinista", diz Giambi.
Em 2003, a ONG obteve os benefícios da lei Rouanet,
que permite que empresas ou pessoas físicas descontem
do Imposto de Renda o valor do patrocínio. Com isso,
a organização conseguiu dois grandes patrocinadores
- a Tim Telecomunciações S/A e a Enesa Engenharia
Civil S/A. No entanto, para atingir seus objetivos de 2004,
é preciso arrecadar até dezembro mais de R$
170 mil. O parque já recebeu neste ano cerca de 1500
alunos e pretende chegar em 5000 até o final do ano.
De acordo com o diretor, o custo mensal do parque é
aproximadamente de R$ 20 mil que cobrem os gastos com a manutenção
do espaço, com os salários dos funcionários,
com alimentação das crianças e transporte.
A ONG pretende no próximo ano dar cursos de teatro
para a população carente com profissionais,
sem reconhecimento do Ministério da Educação
(MEC), com objetivo de despertar novos talentos.
As crianças da Casa Comunitária Sagrada Família
ganharam a excursão, que foi para muitas como um presente
de Dia das Crianças. "Achei muito legal todo parque,
porque conheci várias coisas que nem sabia sobre outras
culturas. Se não fosse o passeio de hoje, não
ganharia nada no dia das Crianças", conta a estudante
Paula Regina dos Santos.
Há 15 anos, a Casa Comunitária Sagrada Família
atua no bairro do Tatuapé, e hoje acolhe 147 crianças
de cinco a 14 anos de baixa renda por meio do reforço
escolar em português e matemática, aulas de artesanato,
bordado, macramé, patchwork, cabeleireira e outros
cursos. "Todos são educadores. Nesses anos é
uma conquista conseguir a freqüência das crianças
nas aulas, graças a ajuda dos educadores e dos 40 voluntários
que são pessoas muito firmes. Por causa de todos eles,
a casa caminha", diz Irmã Marli.
As crianças são divididas em núcleo,
grupo de prontidão (jardim e pré) e plantão
(público pré-adolescente), avaliados pela psicopedagoga
da instituição. "O critério é
o grau que a criança está na leitura e escrita.
Muitos chegam aqui e cursam a quarta série, mas não
sabem ler e escrever direito", afirma Marli Buena, psicopedagoga
da casa.
Serviço
Reino do Ludovico
Estrada Nova Era, 320
CEP 07400-000 - Arujá SP
Tel. (011) 4651-1892 (informações) e 6941-7255
(Agendamento de visitas para escolas e grupos)
www.reinodoludovico.org.br
Casa Comunitária Sagrada Família
Rua Carlos Silva, 60 - Tatuapé
Tel. (011) 6941-2099 - em caso de doação, falar
com irmã Marli
www.netebr.com/sagradafamilia
SUSANA SARMIENTO
do site Setor3
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