Se o ideal talvez fosse que o mundo
estivesse pautado pela mundialização e não
pela globalização, pouco importa. O fato é
que o mundo que se apresenta hoje a todos os seres humanos
é o da globalização. E se as organizações
da sociedade civil quiserem amplificar sua atuação,
sobretudo política, terão, cada vez mais, que
dialogar com organizações de outros países,
estabelecendo parcerias internacionais para exigir a concretização
de um desenvolvimento mais igualitário.
"Do ponto de vista econômico, as parcerias são
internacionais. As empresas são transnacionais. A ação
é transnacional. Se a sociedade civil não for
capaz de se equipar para ser transnacional, ela não
conseguirá evoluir", alerta Oscar Vilhena Vieira,
diretor executivo da Conectas - organização
que visa fortalecer os direitos humanos, a partir do diálogo
com ONGs do hemisfério sul, que trabalham com essa
questão.
Muitas organizações já perceberam o
potencial desse caminho e estão criando redes internacionais
de cooperação. Segundo Gilberto de Palma, diretor
institucional do Instituto Ágora em Defesa do Eleitor
e da Democracia e fellow da Ashoka, o estabelecimento de parcerias
internacionais entre ONGs (tanto do norte como do sul) é
uma estratégia fundamental para o desenvolvimento.
"Possivelmente, é uma das poucas estratégias
que nos resta porque o que está sendo feito nos processos
internos dos países são as formas convencionais
de organização da sociedade civil. Há
muito pouca inovação. E esse é um desafio
que continua em pauta para as organizações.
Quando se coloca o desenvolvimento de redes no plano internacional,
damos outra potencialidade para a concretização
do desenvolvimento sustentável", afirma.
Mas ele alerta que o estabelecimento de redes não
pode ser feito por si mesmo. "Hoje existe quase que um
fetiche dos projetos sociais - até para obter êxito
na obtenção de fundos - pela criação
de redes. Está na moda falar em rede. Mas de pouco
adianta estar ligado a quatro, cinco, dez redes internacionais.
A grande aventura dos projetos sociais é tirar do isolamento
as comunidades que estão tradicionalmente apartadas
das relações de poder nos diversos países.
Estabelecer uma rede entre elas é o objetivo dos projetos
sociais mais conseqüentes. E para conseguir fazer isso
- que são as chamadas 'redes-fins' -, a gente se utiliza
das 'redes-meios', isto é, quando uma determinada ONG
se liga a uma rede de outras ONGs. Isso permite uma sinergia
de trabalho, para que se chegue às 'redes-finais'",
explica o fellow da Ashoka.
Cooperação sul-sul
O estabelecimento de redes internacionais de cooperação
entre ONGs também pode ser interessante para a fiscalização
da atuação dos governos em suas negociações
internacionais. Foi com esse objetivo que, recentemente, o
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
(Ibase), em parceria com a organização africana
Alternative Information and Development Centre (AIDC), criou
o projeto Diálogo entre os Povos. Atualmente, organizações
latino-americanas, africanas estão participando do
intercâmbio, mas algumas organizações
indianas já manifestaram interesse em ingressar no
projeto.
A idéia é estabelecer uma parceria de cooperação
Sul-Sul, promovendo uma integração entre esses
países que vá além dos acordos comerciais
como o Mercosul e a Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral (SADC, na sigla em inglês). Isso porque, na
avaliação de Maurício Santoro, pesquisador
do Ibase, esses acordos promovem o crescimento do comércio,
mas deixam de lado a perspectiva social. Além disso,
não contam com a colaboração da sociedade
civil durante os processos de negociação.
"A cooperação no âmbito dos governos
acontece do alto para baixo. Era preciso, portanto, criar
uma cooperação de baixo para cima, estimulando
a solidariedade entre esses povos, movimentos e organizações
sociais. O Diálogo entre os Povos também pretende
influenciar os governos, pressionando para a criação
de políticas públicas adequadas ao desenvolvimento
social", afirma Maurício. Ele completa que até
agora, "normalmente, as parcerias internacionais entre
as ONGs acontecem entre organizações do Norte
e do Sul, sendo que o primeiro oferece uma assessoria técnica
ou recursos para os segundos. A parceria entre países
em desenvolvimento aparece em uma perspectiva diferente".
Embora o projeto ainda esteja amadurecendo, as ONGs que
participam do Diálogo entre os Povos já perceberam
que as preocupações que elas têm nos diversos
países são muito parecidas. Pobreza, exclusão
social, violência, falta de emprego, racismo, AIDS são
questões que interessam, por exemplo, tanto ao Brasil
quanto aos países africanos, apesar de o impacto dos
problemas ser diferente em cada um dos lugares.
Em setembro, realizou-se um encontro em Joanesburgo, na
África do Sul e as organizações parceiras
começaram a identificar estratégias de ação
conjunta em questões trabalhistas, de gênero,
meio ambiente, combate ao HIV/Aids. No próximo ano,
um seminário semelhante deve acontecer no Brasil.
Mas enquanto isso, de acordo com Maurício Santoro
serão promovidos encontros regionais para intensificar
o diálogo, como o que já está agendado
para o Fórum Social Mundial, em janeiro de 2005, em
Porto Alegre. Ele conta também que um site para troca
de informações e experiências será
lançado provavelmente até o final deste ano.
Fiscalização
Entre os dias 10 e 16 de outubro, a Conectas organizou,
em São Paulo, o IV Colóquio Internacional de
Direitos Humanos. De acordo com Oscar Vilhena Vieira, diretor
executivo da ONG, um dos objetivos específicos do evento
era discutir em que medida a Rede Diálogo DH (uma rede
internacional em favor dos Direitos Humanos) poderia criar
um controle maior sobre a implementação dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
Uma das sugestões apresentadas no Colóquio
foi elaborar um relatório paralelo ao relatório
que os governos vão realizar em 2005, escrito pelas
organizações não-governamentais. Embora
admita que a realização desse contra-relato
seja extremamente difícil e que talvez não seja
possível realizá-lo em todos os países
signatários da Declaração do Milênio,
Oscar acredita que diversos países que participaram
do Colóquio poderiam fazê-lo, contando com a
colaboração de outras organizações.
Outra alternativa seria estabelecer parcerias não apenas
entre as ONGs, mas entre as organizações sociais
e a Organização das Nações Unidas
para atuar nesse controle.
Para ele independente de qual caminho se tome, é
importante que, em primeiro lugar, as ONGs entendam realmente
o que são as metas de desenvolvimento. E que criem
mecanismos efetivos de fiscalização dos ODM.
A partir disso, seria interessante criar redes internacionais
de ONGs para partilhar a tecnologia adquirida sobre as metas
e agir como ator político na cobrança internacional.
"Porque às vezes o país não é
responsável ou não é capaz de atingir
aquelas metas. Às vezes, ele depende de uma cooperação
internacional. E essa cobrança internacional aos governos,
portanto, tem que ser feita pela coalizão, pelas redes,
pelos grupos de organizações. Além disso,
é muito difícil uma organização
do sul ter, por exemplo, impacto na Organização
Mundial do Comércio (OMC) na questão das patentes,
que tem papel importantíssimo no combate ao HIV. Se
não tivermos um grupo muito forte de organizações,
não conseguimos caminhar", afirma.
LURA GIANNECCHINI
do site Setor3
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