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Na Febem paulista, as peladas viraram
sinônimo de oportunidade de vida. Acompanhadas por olheiros
de clubes profissionais, as tradicionais partidas de futebol
entre internos da Fundação Estadual do Bem-Estar
do Menor de São Paulo já revelaram algumas promessas
de craques. Times da elite nacional, como Corinthians, São
Paulo e São Caetano, enviam regularmente seus descobridores
de talentos para acompanhar os jogos na instituição,
que reúne quase 7 mil crianças e adolescentes.
Nos pés dos meninos que um
dia se envolveram com o crime está a esperança
de que o esporte seja uma alternativa de reinserção
social. 'Tenho visto jovens com técnica, habilidade
e potencial', diz Jordan Viana, treinador dos times de base
do Comercial de Ribeirão Preto. O clube, na segunda
divisão do campeonato paulista, já aposta no
futebol de D.W.S., de 18 anos, descoberto nos campeonatos
internos da Febem.
Atacante, D.W.S. começou a
treinar no Comercial há um ano e agora compete nos
juniores. Aos 16 anos, ele foi preso depois de participar
de um roubo no qual um dos comparsas matou um professor universitário.
O latrocínio não é um caso comum dentro
da instituição. Ali, mais de 60% dos internos
cumprem sentença por roubo ou furto.
'O sonho dos garotos é a profissionalização
- quem sabe, jogar no exterior', conta Viana. Em nome do sonho,
muitos meninos se esforçam para mudar. E o esporte
é um bom impulso nesse sentido, segundo Jacques Cavalcanti,
um dos coordenadores do Fórum Nacional dos Executores
de Medidas Socioeducativas. 'Entre eles existe um respeito
solene às regras do futebol', diz. 'Isso acaba ajudando-os
a entender melhor a necessidade das leis, do trabalho em equipe
e da disciplina.'
O desempenho dos ex-infratores é
tão surpreendente que a Febem cogita a criação
de um banco de atletas, segundo o vice-presidente da entidade,
Fábio Saba, também professor de Educação
Física. O esporte número um no coração
dos brasileiros é o mesmo que ocupa o primeiro lugar
no ranking da preferência dos internos da Febem paulista.
Quase 20% deles, inclusive as meninas, escolhem o futebol,
entre as mais de 23 modalidades oferecidas pela instituição.
Para participar, não basta habilidade. É exigida
freqüência na escola e uma ficha de comportamento
limpa. O jovem também não pode ter passado anteriormente
pela Febem.
Quem não segue as regras
está fora - e elas incluem até a proibição
de falar palavrão durante as peladas. 'Nenhum deles
quer perder a oportunidade', diz Fábio Saba. Afinal,
chegar à seleção da Febem garante prestígio
e períodos de liberdade. No ano passado, o time principal
da instituição paulista venceu o 1o Torneio
Interestadual de Futebol, no Maracanã. Durante o evento,
que reuniu mais de 700 adolescentes de Febens de outros Estados,
não houve brigas nem fugas.
'Nada impede que vocês vistam
a camisa de grandes clubes', disse aos internos o supervisor
técnico dos times infantil e juvenil do São
Caetano, João Gilberto Salles, após um amistoso
contra a seleção da Febem-SP. 'Física
e tecnicamente, vocês não devem nada aos meninos
que treinamos', completou. A peneira para entrar num grande
clube, porém, é difícil. Dos 5 mil adolescentes
que disputaram uma vaga no Azulão neste ano, só
60 foram aprovados.
Para os ex-infratores, o caminho ainda
é mais longo. Eles não foram testados em várias
peneiras, como os outros garotos que já jogam nos juniores.
Em vez de percorrer os clubes, estavam no crime ou presos.
Além disso, precisam de escolta e autorização
judicial toda vez que ultrapassam as portas das unidades.
'Essa burocracia desestimula os clubes', conta Rodrigues,
ex-jogador do Santos. A Febem-SP ainda não conseguiu
fazer um acompanhamento sistemático sobre o que acontece
com os adolescentes-atletas depois que eles ganham a liberdade.
Nas rodinhas de conversa dos
internos, não faltam referências a craques que
saíram da miséria para a glória dos estádios.
Robinho, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Romário
e até Garrincha. Ao vivo, eles também são
apresentados a outros exemplos. 'Trazemos atletas que estão
na mídia e jogadores de outros tempos para que eles
vejam que é preciso batalhar muito para construir uma
história dentro do esporte', diz Rodrigues, que, junto
com Zé Maria, ex-craque corintiano, organiza os jogos
e as palestras. 'Já vieram grandes nomes que falaram
de pobreza, de problemas com drogas e que até já
estiveram presos', conta. Um dos exemplos mais citados é
o do lateral esquerdo César, ex-São Caetano,
hoje titular da Lazio, na primeira divisão do campeonato
italiano. Em 1997, César foi preso por assalto. Cumpriu
pena no Carandiru e ficou famoso não só pelo
talento, mas também pelas autorizações
judiciais de que precisou para entrar em campo.
As informações são
da Revista Época.
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