RUSSAS (CE) - Débora Santiago
nem pensava em ser professora, mas foi a oportunidade que
a vida lhe deu. E que oportunidade! “Eu descobri que
aquilo que eu estava procurando, que eu estava tentando encontrar,
estava ali, na sala de aula".
Ela descobriu também como é difícil aprender
quando se vive na miséria. "Porque quando a gente
vem para a aula, vem com fome", afirma Edineide Pereira,
9 anos.
Edineide não conseguia prestar atenção
às aulas de barriga vazia. E não é era
a única. Mas a professora ensinou que a solidariedade
é capaz de matar a fome. "Um dá um quilo
de arroz, outro dá outra coisa, até formar uma
cesta e a gente leva para aquela criança", diz.
A boa vontade alimentou o futuro de Edilene. "Se a gente
comer, dá vontade de brincar, estudar, escrever."
Dá até vontade de ficar mais bonita. "Eu
vinha com a roupa rasgada e tinha vergonha dos meus coleguinhas”,
conta Marilei dos Santos, 9 anos. Não tem mais, com
ajuda da professora.
Bem vestidos e bem alimentados, os alunos aprendiam a ler
com mais facilidade, mas ainda não se interessavam
pela leitura. Portanto, não era o bastante para Débora.
Por isso, ela separou algumas peças de roupa e, com
elas, fez uma fantasia para despertar a fantasia das crianças.
Nos últimos meses, Débora foi o caipira Pedro
Malazarte, depois a Menina dos Cachinhos de Ouro e, agora,
Chapeuzinho Vermelho.
Não dá para tirar os olhos de uma professora
vestida como os personagens dos livros que ela sempre deixa
à vista – e se ouvir uma história é
bom, ler é melhor ainda. "Os personagens, eu imagino
que sou eu, fico imaginando as coisas", conta Tamires
Oliveira, estudante.
Os alunos montaram o “Clubinho da Leitura”, aprendem
a declamar poesias e estão ensaiando “As Borboletas”,
de Vinícius de Moraes.
Talvez esses alunos nunca escrevam poemas. Mas, o amor pelos
livros, eles não vão esquecer. “Só
um que aprenda já é muito gratificante o trabalho,
isso que estou fazendo”, resume Débora.
Uma vida que faz todo o sentido. É isso mesmo que vale
à pena. Não importa o salário que se
recebe em troca, como ensinou a gigante dona Luizinha.
Importa saber ouvir. Porque é só assim que se
aprende e foi depois dessa lição que a professora
Eliane começou a dar aulas de solidariedade.
Nunca falta espaço, dinheiro ou a oportunidade, quando
existe alguém determinado a fazer.
Ângela, Raquel, Débora. Quantas outras mestras
a gente poderia homenagear. Pessoas anônimas, sim, mas
que não passam simplesmente pela vida. Elas fazem a
maior diferença.
CÉSAR MENEZES
da Rede Globo
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