Curso de inglês em favela
é coisa raríssima. No Rio, as escolas de idiomas
passam longe das comunidades. Mas pelo que mostra uma iniciativa
de um morador da Cidade de Deus, existe ainda um mercado promissor
e inexplorado nessa área. O fonoaudiólogo e
professor autodidata Venício dos Santos, de 35 anos,
que apostou nesse caminho, vê a cada dia suas aulas
ficarem mais e mais lotadas. Ele, porém, não
ganha um tostão com isso – é tudo inteiramente
de graça.
“Os cursos tradicionais não se preocupam em
abrir filiais aqui. A preocupação deles não
é a de fazer as pessoas aprenderem inglês, mas
de enrolar ao máximo para ganhar o dinheiro das mensalidades”,
critica Venício, fundador do Curso Competence.
Os 25 alunos da primeira turma do curso se formam agora em
dezembro. O que parecia um bicho-de-sete-cabeças se
tornou realidade para eles em um ano. Eles procuram, em sua
maioria, um método rápido e prático,
principalmente de olho nas exigências do mercado de
trabalho. Depois que começam o curso, logo fazem planos
de brigar por uma promoção ou conseguir um emprego
melhor.
Nas salas da Fundação Leão XIII, onde
as aulas acontecem, todos estão entusiasmados com o
que conseguiram aprender. E principalmente gostam de mostrar
que já dominam pelo menos o básico do idioma.
Sem intermediários
O Competence segue a mesma metodologia utilizada
pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, para o ensino
de estrangeiros.
“Digo sempre aos meus alunos que, falar inglês
em doze meses, só depende deles”, explica o professor
Venício. Ele garante que isso é possível:
“O único pré-requisito é a vontade
de aprender”.
Parece que tem dado certo. Alguns alunos, como o funcionário
da Pontifícia Universidade Católica (PUC) Luiz
Carlos Oliveira, até se surpreenderam com os resultados.
Aos 52 anos, Luiz Carlos é um dos mais entusiasmados:
“Não preciso mais de intermediários para
conversar com os estrangeiros que visitam a PUC. Outro dia
mesmo estava informando direitinho onde ficava um dos pavilhões
da universidade”, comemora.
Antes de começar as aulas, Luiz achava que para conseguir
aprender em tão pouco tempo seria preciso ter um mínimo
de conhecimento do idioma. “Fiquei surpreso com a qualidade
do curso e a inegável capacidade de ensinar do professor
Venício”, elogia. Outros alunos já conseguem
até traduzir pequenos textos com certa facilidade.
Venício orgulha-se de uma de suas alunas, que depois
de seis meses de Competence, conseguiu bolsa integral no tradicional
curso Ibeu. “Ela fez um teste de nivelamento e entrou
no terceiro módulo”, revela ele.
Durante o curso, há cinco provas de qualificação,
uma a cada dois meses. Os quatro últimos meses são
os mais puxados, num treinamento intensivo preparado por Venício.
“Costumo aproveitar também conhecimentos de neurolingüística
e fonoaudiologia para aperfeiçoar a pronúncia
dos alunos e também para prepará-los para entrevistas
de emprego”, explica o professor.
Alunos de baixa renda
O Competence conta com nove turmas, com cerca de
20 alunos cada. Os livros e apostilas usados em aula são
comprados nas livrarias, todos importados de Oxford. “Como
a maior parte dos alunos não tem condições
de adquirir o material didático, eles xerocam tudo,
o que sai muito mais barato”, explica Flávia
dos Santos, 27 anos, que divide com o professor Venício
o encargo das aulas.
Foi Flávia quem mais o incentivou a montar o Competence
na Cidade de Deus. Ela garante que aprendeu muito mais em
poucos meses com Venício do que nos cursos de inglês
que freqüentou durante anos. “A comunidade carece
de bons cursos, que tenham o compromisso de preparar pessoas
para o mercado de trabalho”, afirma.
De seu lado, Venício elogia a persistência da
aluna. “Flávia foi uma das estudantes do primeiro
curso que abri, na casa de minha mãe, aqui na Cidade
de Deus, em 1994. Cobrava R$ 40 mensais e tinha mais de 120
alunos”, conta.
A inciativa não foi para a frente porque, como Venício
constatou, mesmo mínimo, o valor da mensalidade era
alto para grande parte dos moradores. Mas o progresso do aprendizado
de Flávia levou Venício a constatar na prática
que era possível levar alguém a falar inglês
em poucos meses.
Por conta própria
O que o professor Venício também constatou
pela própria experiência. Nascido e criado na
Cidade de Deus, ele começou a se iniciar nos mistérios
do idioma aos 12, 13 anos. “Como meus pais não
podiam me pagar curso de inglês, eu ia até uma
filial, pedia para fazer um teste de nivelamento, e de acordo
com o resultado, comprava os livros e estudava em casa. Quando
sentia que já tinha aprendido, usava o mesmo esquema
numa outra filial”, conta.
De teste em teste, de livro em livro, Venício conseguiu
completar todas as fases do aprendizado. Aos 17 anos, passou
a trabalhar no curso de idiomas Wizard, entregando folhetos
na rua. “Eu dava o folheto e muita gente dizia que já
sabia inglês. Eu então começava a conversar
no idioma e via que a maioria não conseguia levar o
papo adiante”, lembra.
O estratagema fez com que Venício logo se tornasse
o que mais conseguia levar novos alunos para o curso. “Para
me aperfeiçoar, passei também a assistir aulas
do lado de fora das salas. Assim fiquei conhecendo o método
de ensino”, conta. Não demorou para que a direção
do Wizard o encarregasse dos contatos com empresas. “Passei
informalmente a dar aulas demonstrativas e a cobrir professores
que faltavam”, diz.
Numa dessas ocasiões, dando aula de português
para estrangeiros - com explicações em inglês
-, conheceu um italiano que o convidaria a tornar-se sócio
numa franquia do curso. “Isso foi em 90, 91, e abrimos
uma filial na Ilha do Governador”, conta. Três
anos mais tarde, Venício resolveu vender a sua parte.
Pensava em começar algo diferente, com metodologia
própria. Com o leque de contatos que tinha, principalmente
em empresas aéreas, buscou ampliar sua experiência
didática. “Para isso, pesquisei material de ensino
de várias universidades. E encontrei o que queria na
de Oxford. Gostei, fiz treinamento na sede do Rio e registrei
a marca”, fala. Surgia assim o Competence.
Até de fora da comunidade
A procura tem sido grande, particularmente entre
o pessoal que anda de olho na realização do
Pan Americano, de 2007. O aposentado Carlos Ferreira da Silva,
de 69 anos, é um deles. Há anos longe dos bancos
escolares, ele voltou à sala de aula na tentativa de
conseguir uma vaga nos jogos.
“Para isso, inglês é primordial. Acho
que assim as minhas chances aumentam”, diz. Seu Carlos
vem se empenhando. Suas notas nos testes a cada dois meses
não ficam abaixo de 95. “Ainda é pouco”,
fala.
Mesmo precisando andar de muletas, como conseqüência
de uma cirurgia, Seu Carlos não perde uma aula. Integra
as turmas da Fundação Leão XIII, no Apê,
e também na sede da fundação da Praça
do Lazer, em frente à associação de moradores.
“Seria melhor se pudessem aumentar o número
de aulas para duas vezes por semana, para que pudéssemos
rever o conteúdo das aulas”, sugere.
No boca-a-boca, até alunos de fora da Cidade de Deus
coemçaram a engrossar as turmas. É o caso de
Luciana da Silveira, de 26 anos, moradora do Anil, em Jacarepaguá,
que soube do Competence pela sobrinha. “A necessidade
e a importância de conhecer um idioma estrangeiro me
levaram ao Competence. No começo, não acreditava
que fosse tão bom, mas agora estou vendo o resultado”,
diz. Luciana é uma das alunas que se forma em dezembro.
O que Venício pretende agora é transformar
seu curso em ONG. Assim, poderá se conveniar para emitir
os diplomas da Universidade de Oxford. “Como o Competence
é um projeto, por enquanto, os certificados são
da Fundação Leão XIII. Mas no verso,
vão as notas do aluno no New Extreme Line, de Oxford.
Como ONG, Venício procurará aprofundar ainda
o preparo dos alunos. “Quero diminuir a dificuldade
de negros e pessoas de baixa renda em conseguir entrar no
mercado trabalho. Por isso, não quero me limitar apenas
ao ensino de inglês, mas fazer com que, cada vez mais
ele seja voltado para o exercício profissional, principalmente
nas áreas de turismo e atendimento ao cliente”,
resume.
VILMA HOMERO
do site Viva Favela
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