No Grêmio Recreativo Unidos da Lata de Lixo, a palavra-chave
é reciclagem. Ali, descobriu-se a sonoridade das bombonas
de plástico, a batida dos palitos de churrasco nas
latinhas de refrigerante, o reco-reco das molas adaptadas
em latas de óleo. Tudo é reaproveitado. A cada
fim de semana, o bloco concentra quase 200 pessoas no bairro
de Colégio, na Zona Norte do Rio.
Bombonas (garrafões de água), latas de 20 litros
e baldes de plástico formam o naipe de surdos e repiques.
Latas de cerveja vazias se transformam em tamborins ou, cheias
de pedrinhas, viram uma espécie de ganzá. Nosso
desfile tem tampa de panela, balde, frigideira. Quem tem algum
instrumento em casa também traz e entra na folia,
conta Jacira Lourenço, presidente do bloco, criado
no final do ano passado.
A notícia de que o Lata de Lixo é o bloco da
reciclagem tem atraído garis e catadores de papelão
e garrafa Pet da região. Quando Jorge Luís Rocha,
41, o Ginho, viu que o preço dos 3kg de chapinhas de
cerveja e refrigerante que tinha juntado para vender não
compensava o trabalho, resolveu doar tudo ao bloco. Viraram
enfeites de fantasias e chocalhos.
Flocos de isopor, que vêm em embalagens de aparelhos
eletrônicos, costumam ter o mesmo destino. Além
de servir para a decoração da Adega da Kátia,
quartel-general do bloco plantado à rua Ibiracoá,
onde tudo começou.
Outro que cata latinhas entre um biscate e outro como pintor,
bombeiro hidráulico e pedreiro, é Osni Pereira
da Silva, 58 anos - que por motivos óbvios, é
conhecido como Osni Bigode. Ele é também um
dos mais ativos na produção dos instrumentos.
Vivo de reciclagem há três anos. Nas horas
vagas, fabrico pandeiros de lata de marmelada, reco-reco de
lata de óleo, chocalho de chapinhas de refrigerante
batidas e furadas no meio. Tudo para reforçar a bateria
do nosso bloco, explica. Em parceria com o amigo Gemora,
Osni é também um dos três concorrentes
ao samba-enredo de 2005. O tema são as quatro estações
do ano.
Com 300 foliões na rua
Até as argolas das latinhas são aproveitadas.
Servem para confeccionar e enfeitar fantasias. Para isso,
o bloco tratou de armar um esquema. Todo mundo, principalmente
as crianças, se encarrega de catar latas vazias pelas
vizinhanças e armazenar as argolas num balde à
entrada da Adega da Kátia.
Não que fantasia seja um quesito forte no Lata de
Lixo. Elas estão mais presentes no abre-alas, formado
pela criançada da rua. Para o resto do pessoal
com exceção da bateria que tem camiseta do bloco
- vale a regra do sai como pode. O que, na prática,
significa vestir uma camisa e sair por aí, junto com
os outros cerca de 300 foliões que o bloco arrastou
pelas ruas do bairro no desfile de estréia, no Carnaval
deste ano..
Todo mundo ajuda. Este ano, a cinco meses do Carnaval, a
comunidade inteira se movimentou para preparar um desfile.
Trabalhando com reforma de bancos de ônibus, o capoteiro
Bernadino Cesário dos Santos, 57 anos, mais conhecido
como Seu Bill, tem destino certo para suas sobras de napa.
Elas têm servido para dar um toque diferente em fantasias
e alegorias.
O próprio Bill fala de seu entusiasmo com o bloco:
Acho o Lata de Lixo de uma simplicidade e qualidade
incomparáveis. Além disso, é muito legal
esta preocupação com a cultura e com o lixo,
fala. Sempre que pode, ele ainda colabora com algum dinheiro.
Às vezes R$ 20, mas ele já chegou até
a dar R$ 40. E está sempre conosco, fala Dona
Jacira.
Reforço na bateria
Com tamanha adesão pela vizinhança, o Lata
de Lixo tem sido mantido à custa de vaquinha, livro
de ouro e contribuições de R$ 5 mensais. Grana
usada para comprar as camisetas da bateria e couro para consertar
os pandeiros e surdos cedidos por outro bloco local, o Embalos
do Colégio.
Este, aliás, tem sido um reforço e tanto.
Como o Lata de Lixo só tocava instrumentos feitos
por eles mesmos, a Dona Jacira, que já conhecia nosso
trabalho, nos convidou a dar um apoio nos ensaios. Ela comprou
peles para algumas peças e agora juntamos forças,
explica o ritmista Clair dos Santos Nunes, 38 anos, um dos
fundadores do Embalo, que existe desde 1997.
Com isso, a bateria passou a contar com 15 ritmistas. Uma
metade, toca instrumentos tradicionais, e a outra, os reciclados.
Acompanhando o equipamento de som quando há
dinheiro para alugar um vai um cavaquinho.
Muitas vezes, o pessoal leva o samba só na empolgação
e na bateria. E essa mistura de instrumentos dá um
som muito legal. Quem nunca ouviu estranha um pouco no começo,
mas depois acostuma. É muito maneiro, fala Sérgio
Roberto Matias, o Bambam. Aos 40 anos, ele é intérprete
do samba e o responsável pelos ritmistas.
Membro da diretoria, a dona-de-casa Damiana de Souza do Espírito
Santo, 53 anos, tem sido testemunha do crescimento do Lata.
Todo mundo aqui é parente e vizinho. Tudo começou
com uma simples brincadeira, batendo e cantando em um latão
de lixo, mas está crescendo. Na semana anterior ao
Carnaval, então, todo mundo aparece de última
hora querendo sair no bloco. O que mais gostei foi essa união
da comunidade, fala.
Bairros vizinhos
Damiana era uma das freqüentadoras da Adega da Kátia,
quando o Lata nasceu, em novembro passado. Pagode rolando,
não se sabe bem de quem foi a idéia de formar
um bloco na rua, mas o nome, Lata de Lixo, foi sugestão
de Nádia, filha da presidente Jacira, diante da inventividade
do grupo que batucava nas mesas e em tudo o que encontrava
pela frente.
Nádia mora na França há três anos
e quando sente saudades da folia, liga no fim de semana para
o orelhão do bar só para ouvir o som do ensaio
rolando na rua. No Carnaval, não há quem a segure
no inverno europeu. Nádia desembarca no Rio, pronta
para os festejos de Momo e o desfile no Lata de Lixo.
Folião de carteirinha, com passagem por várias
escolas e blocos - Beija-Flor, Mocidade Independente de Padre
Miguel, Imperatriz Leopoldinense e Cacique de Ramos -, o vice-presidente
e tesoureiro Marco Antônio B. do Espírito Santos,
56 anos, hoje só quer se dedicar ao Lata de Lixo.
Estamos tentando registrar o bloco na Liga Independente
dos Blocos de Embalo do Rio e também pedir à
prefeitura o fechamento da rua Ibiracoá nos finais
de semana como área de lazer, explica.É
ele quem deixa no ar o convite ao pessoal de bairros vizinhos,
como Rocha Miranda e Irajá: Se houver quem conheça
mais de reciclagem e possa nos doar ou ensinar a melhorar
os instrumentos e mesmo a criar outros, pode se chegar que
será bem-vindo. A nossa filosofia não é
aparecer, e sim brincar e conscientizar a comunidade sobre
o lixo.
VILMA HOMERO
do site EcoPop
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