Tudo ainda é meio novidade.
Mas quando o assunto é acessar a internet ali na Cidade
de Deus, zona oeste carioca, ninguém precisa mais ir
até o shopping mais próximo. Duas lojas, abertas
recentemente, permitem que os moradores da comunidade naveguem,
chequem seus e-mails e usem os serviços disponíveis
na rede de computadores, a R$ 2 por hora. Vivem cheias.
Próxima à Associação de Moradores
de Cidade de Deus, a Lan House do comerciante Sérgio
dos Santos, 37 anos, e do pastor Sebastião Alves, de
41, funciona há apenas quatro meses. É uma espécie
de cyber papelaria, onde o espaço é dividido
entre dois computadores de um lado, e livros e CDs evangélicos,
do outro. Dependendo da hora, tem até fila de espera,
para felicidade dos donos que vêem o sucesso do negócio.
“Tem gente que liga e pede para reservar um horário
para ter certeza de chegar e encontrar computador”,
conta a atendente Marta Amorim. É o caso do ex-percussionista
do grupo de pagode Ki Prazer - cujo maior sucesso foi o hit
Olha o Cabeção da Tartaruga -, Sidney Junior
Barbosa. Mais conhecido com JR, ele mora há dois anos
no México, mas está de férias no Rio.
Ele adorou ter descoberto a loja. “Eu estava gastando
uma grana alta com telefonemas para o México. A última
conta que paguei foi R$ 340”, diz.
Problema que resolveu reservando horário todos os
dias na loja. “Combinei com meus amigos do México
e a gente bate papo pela internet às 18h. Assim, a
gente se comunica sem ser via telefone”, conta. JR se
anima mais ainda com a vantagem de nem precisar sair da comunidade
para isso. “Quando acessava de loja do BarraShopping,
pagava o triplo do que pago aqui na Cidade de Deus. Sem contar
que por aqui não gasto passagem nem lanche”,
comemora.
Foi assim que resolveu ainda a contratação
de outro músico para a banda que tem no exterior: “Conseguimos
manter contato com os empresários e fechar o contrato
do rapaz que vai tocar cavaquinho com a gente. Tudo pela internet”.
Judiciário, chats, contas e músicas
A idéia de abrir a Lan House nasceu de uma
constatação. “Como tenho internet em casa,
os amigos viviam me pedindo para verificar e enviar e-mails,
acessar sites. O que me fez perceber que a comunidade carecia
desse serviço. Foi quando eu e um amigo decidimos abrir
a loja”, conta Sérgio.
A loja funciona até aos sábados, das 9h às
21h. Por ali costumam passar diariamente entre sete a dez
usuários. A maior parte deles chega à tarde
e no início da noite e o perfil é o mais variado
possível. Há desde advogados que vão
para acompanhar processos nos sites do Judiciário a
estudantes vidrados em videogames ou empenhados em fazer pesquisa
para a escola.
Segundo Marta, tem adolescente que gasta todo o dinheiro
da mesada baixando músicas da Internet. “Mas
o forte entre a garotada são os games (jogos) e os
chats (salas de bate-papo)”, diz. Outro serviço
bastante solicitado é tirar segunda via de contas nos
sites de concessionárias de luz, gás, água
e telefone.
“Até já servi de cupido para um dos integrantes
do Bonde do Tigrão, que de vez em quando vem aqui”,
conta Marta. E explica: “Ele entrou numa sala de namoro,
mas precisou da minha ajuda para teclar”, lembra. Essa
pouca intimidade com o computador é comum a vários
usuários. “A gente percebe que boa parte dos
clientes fica um tanto inibida diante de um micro. Eles querem
manusear, mas não têm segurança”,
afirma a atendente. Para dar uma mãozinha, ela está
sempre por perto para assessorar os iniciantes.
A loja ainda oferece outros serviços para facilitar
a vida dos usuários. Um deles é a elaboração
de currículos (com e sem foto) e outro, a digitação
de trabalhos. Ficam a cargo de Marta. Quem tem micro em casa,
também pode recorrer à loja, que oferece manutenção
e reparos, além de um disque-cartucho, para recarregar
de tinta cartuchos de impressora.
Instrutor e aulas individuais
Mais próxima da área dos Apês,
o Cyber Vivi tem um mês de funcionamento e está
investindo na turma que ainda não entrou na era digital,
mas morre de vontade. “Ao mesmo tempo em que desperta
a curiosidade, o computador inibe muito o usuário.
A vergonha e a falta de conhecimento ainda impedem que algumas
pessoas freqüentem a loja”, diz um dos proprietários,
Lauro Batista.
O que foi um dos motivos para que Lauro e a sócia
Viviane Freitas, a Vivi, estendessem seus serviços.
Além do uso dos três computadores da loja, ali
se oferece instrutor para ajudar os clientes e até
cursos de Windows, Word e o básico da internet aos
interessados em aprofundar seus conhecimentos. As aulas são
individuais, duram duas horas, uma vez por semana, durante
três meses. Custa R$ 30 por mês e quem dá
as aulas é a própria Vivi.
O horário de funcionamento vai de 9h às 20h,
de segunda a sexta, e nos sábados, até as 15h.
Para estudante Gisele Passos, de 17 anos, a inauguração
do Cyber Café Vivi veio a calhar. “Aqui posso
colocar em prática a experiência que adquiri
em cursos. Descobri a loja por acaso, quando passava pela
rua. Ela é importante porque muita gente não
tem computador aqui na comunidade. Agora, venho sempre checar
meus e-mails e acessar alguns sites”, explica.
A operadora de telemarketing Viviane Alves, de 24 anos, também
virou cliente. “Conheci a loja através de um
amigo, e passei a vir quase todos os dias”, conta. Viviane
sai do outro lado da Cidade de Deus só para acessar
seus e-mails. “Uma hora para mim é o suficiente
para ver o que quero. Gosto de ver o site da Folha Dirigida
para saber dos concursos. Acho bem legal o fato de eles terem
suporte para quem não sabe usar um micro”, diz.
Nem Lauro nem Vivi têm dúvidas de que a iniciativa
logo começará a dar lucro. E também estão
certos das facilidades que seu Cyber Café traz para
a comunidade. “Tem gente que gasta horas numa fila para
entregar um currículo. Aqui enviamos esse currículo
em apenas alguns minutos, fazemos inscrição
para empregos por email. Com certeza, deste modo, o usuário
tem resposta. Quem usa internet para emprego é vista
de outra maneira. As chances de ser selecionado são
bem maiores”, garante Lauro.
Por conta desse e de outros serviços, passam pela
loja uma média de 15 pessoas cada dia. “Para
nós, o pulo do gato será investir na criação
de e-mails, a R$ 1,50. A idéia é fazer com que
o usuário passe a ter o hábito de usar o serviço
de mensagens. Isso, de certa forma, garante que estejam sempre
voltando”, acreditam. Eles também oferecem digitação
de trabalhos escolares a R$ 3, por página.
Até final do ano, Lauro e Vivi pretendem ampliar a
loja, abrir um nova sala, colocar mais computadores, aumentar
a oferta de jogos. No que depender deles, não se poderá
falar em exclusão digital na Cidade de Deus.
DAYSE LARA
VILMA HOMERO
do site Viva Favela
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