Aos 74 anos, a paulistana Heloísa
de Freitas Valle tem um vício saudável e ao
mesmo tempo inusitado: a banana verde. Cozinheira de mão
cheia, ela amadureceu a idéia sobre o reaproveitamento
alimentar da fruta e, no ano passado, tirou do forno dois
projetos: lançou o livro Yes, nós temos bananas
(Editora Senac) e criou a ONG Associação Brasileira
de Fomento à Banana Verde. Se o Brasil é considerado
o segundo maior produtor de bananas do mundo (quem lidera
é a Índia), Heloísa é a primeira
brasileira a dar tantos destinos deliciosos para a fruta na
sua cozinha.
Prepare-se para salivar: pães, pizzas, pastéis,
bolos, brigadeiros... Um cardápio cujos quitutes têm
em comum um ingrediente: a biomassa da banana verde. Mas,
ao contrário do que o seu paladar pode supor, a biomassa
não altera o sabor nem o cheiro dos alimentos em que
é adicionada.
Quem conta o segredo das receitas é a própria
Heloísa, que foi casada com um agricultor e tem uma
penca de descendentes: cinco filhos, doze netos e dois bisnetos,
as cobaias dos seus experimentos. Preocupada com o desperdício
da fruta no país (cerca de 60% da produção
são jogados no lixo), a bananicultora defende o uso
da banana verde como alternativa à fome e quer expandir
o agronegócio. Em junho, ela mostrou seus projetos
na Feira Internacional de Alimentação (Fispal),
em São Paulo.
Se dependerda vontade de Heloísa, a banana nossa de
cada dia continuará sendo uma das frutas mais presentes
na mesa dos brasileiros.
Cidadania-e: A bananeira, cujo nome científico
é musa sapientium, já foi considerada a planta
dos sábios. A senhora concorda que é preciso
sabedoria para aproveitar o que a banana tem a. oferecer,
evitando o desperdício?
Heloísa de Freitas Valle: Concordo. É
preciso desenvolver ainda muitas pesquisas e estudos, porque
é um produto excepcionalmente rico em nutrientes e
uma planta com aproveitamento integral fantástico.
Podemos aproveitar tudo: a polpa, a casca, o coração,
as folhas, o tronco e o rizoma (a batata reprodutora da planta).
O Brasil é o segundo maior produtor de bananas do mundo,
ficando atrás apenas da Índia. Mas, por outro
lado, a oferta é maior do que a demanda e por isso
há um desperdício de cerca de 60% da produção,
o que corresponde a 370 milhões de cachos.
Cidadania-e: Como a senhora descobriu as mil e uma
maneiras de usar a banana verde?
Heloísa de Freitas Valle: Tudo começou
quando minha fazenda no interior de São Paulo foi assaltada,
em 1995. Toda a despensa foi levada e não sobrou nada
para comer. Então, lembrei do conselho de um conhecido
que falava sobre uma sopa feita de banana verde. Fui na horta,
peguei as bananas, passei numa peneira e cozinhei o purê
com algumas verduras. Deu certo, ficou gostoso e comecei a
fazer outras experiências. Hoje, uso qualquer tipo de
banana preparando desde a mamadeira até a alta gastronomia,
do café-da-manhã à sobremesa. Criei mais
de 200 receitas. A banana incrementa pizzas, pães,
massas, pastéis, molhos e até bobós de
camarão. Também podem ser feitos doces como
pudim, bolo, musse, gelatina, cuscuz...
Cidadania-e: E qual a vantagem em relação
aos outros ingredientes? Os pratos não ficam com o
gosto da banana?
Heloísa de Freitas Valle: O bom da biomassa
é que ela não tem cheiro nem gosto: é
neutra e serve como um complemento alimentar de consistência
espessa. Em geral, a banana verde é usada em pratos
que precisam de fibras. Eu faço o seguinte: tiro a
polpa do fruto ainda verde e deixo cozinhando em água
por 20 minutos. O resultado é a biomassa, capaz de
aumentar o volume dos pratos. Outra vantagem é o preço.
Um quilo de banana varia entre 50 e 80 centavos. Se colocarmos
numa musse 50 gramas da biomassa em vez do creme de leite,
por exemplo, baixamos o custo significativamente.
Cidadania-e: As pessoas devem ficar bastante intrigadas
com a idéia de provar esses pratos, não?
Heloísa de Freitas Valle: Inicialmente, as
pessoas ficavam perplexas com a quantidade de pratos que podem
ser feitos com a banana. Atualmente, não mais, os produtos
estão tendo uma aceitação fora de série.
Cidadania-e: Com tantas receitas inusitadas, a senhora
tem o costume de convidar amigos ou familiares para banquetes?
Heloísa de Freitas Valle: Cozinhar é
um prazer para mim, principalmente quando se trata de criar
novas tecnologias que combatam o desperdício de alimentos
e cujas receitas tragam mais benefícios para a saúde.
Entre os meus amigos, os pratos sempre fizeram sucesso. Durante
as primeiras experiências, eles eram minhas cobaias.
No início, desconfiavam e diziam que era brincadeira.
Mas provando ficaram deslumbrados. A pergunta era sempre a
mesma: como é que pode ser tão bom assim? Os
meus parentes também chegaram a duvidar do sabor. Hoje,
um dos meus filhos prova tudo e o meu neto adora quando eu
faço doce de amendoim com banana.
Cidadania-e: Quais os principais benefícios
nutricionais da banana para a saúde?
Heloísa de Freitas Valle: São muitos.
Além de possuir 29% de amido resistente, ela é
rica em vitaminas, sais minerais e proteínas, sendo
uma das frutas mais nutritivas do planeta. A banana atua no
equilíbrio de líquidos e sódio no organismo.
É oxidante, anticancerígena, ajuda a evitar
cãibras e ainda reduz a incidência de derrame
e doenças relacionadas à pressão sanguínea,
como a hipertensão. Várias expressões
pejorativas já foram criadas citando a fruta, como
“a preço de banana”, “vou te dar
uma banana”, “pisou na casca da banana”
no sentido de se dar mal. Mas a banana tem muitas qualidades
que devem ser levadas a sério.
Cidadania-e: Em 2003, a senhora lançou o livro
Yes, nós temos banana e fundou a ONG Associação
Brasileira de Fomento à Banana Verde. O intuito foi
amadurecer a idéia de promover um movimento maior a
favor dos estudos sobre reaproveitamento alimentar?
Heloísa de Freitas Valle: Sim, precisamos mostrar
para todo o Brasil a importância do aproveitamento deste
nosso ouro verde que é tão desperdiçado
e pouco exportado. Criei a ONG há pouco tempo, mas
já estamos tendo bons resultados. Eu já fiz
palestras em vários estados do Brasil. Dou treinamento,
levo alguns pratos para degustação e explico
os benefícios do aproveitamento da banana verde. O
objetivo é que a associação se ramifique
em todo o país. Uma banana pesa em média 40
gramas. No Rio Grande do Norte, onde a temperatura é
mais elevada, elas são gigantescas: chegam a pesar
250 gramas. Se a região é uma grande produtora
da fruta, os moradores deveriam saber tudo sobre o seu aproveitamento,
tanto na alimentação quanto no artesanato e
na indústria de papel. O lugar que tem mais bananas
no país é Ilhéus, na Bahia. Depois vêm
Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Queremos
que a ONG seja uma facilitadora da relação entre
agricultores e industriais para alavancar o agronegócio.
Sou favorável ao cooperativismo.
Cidadania-e: A biomassa já está sendo
utilizada em alguma indústria? Seu projeto conta com
algum patrocínio?
Heloísa de Freitas Valle: Micro e pequenas
empresas de São Paulo tiveram interesse em trabalhar
com a banana verde. Por exemplo, a empresa Cecília
Massas acaba de lançar o macarrão com biomassa,
chamado de macanana. A Confeitaria Artesanal Torta de Limão
também lançou uma linha de tortas feitas com
a banana verde e destinada a consumidores da alta gastronomia.
Infelizmente, ainda não contamos com patrocínio.
A próxima meta é, nas cozinhas das organizações
parceiras, oferecer treinamento aos interessados.
Cidadania-e: Para quem ficou com água na boca,
a senhora pode ensinar as receitas mais fáceis?
Heloísa de Freitas Valle: Uma das receitas
eu chamo de viradinho de ovo mexido: pique a casca da banana
dentro de uma vasilha de água com limão. Deixe
por 40 minutos e depois escorra a água. Junte na panela
com cebola e alho a gosto e faça um refogado. Quebre
dois ou três ovos, coloque sal e mexa bem. Outra receita
deliciosa é o brigadeiro. Os ingredientes são
os seguintes: 200 gramas de achocolatado ou chocolate amargo,
uma lata de leite condensado, uma xícara de leite e
outra de biomassa. Ponha tudo na panela e misture. Acrescente
uma colher de sopa de manteiga e continue mexendo. A seguir,
despeje numa tigela e deixe esfriar de um dia para o outro.
Depois, é só fazer as bolinhas, passar no chocolate
granulado e bom apetite. Incluindo a biomassa da banana verde,
economizamos os outros ingredientes e o brigadeiro fica menos
doce, diminuindo o risco de enjoar.
As informações são
da Fundação Banco do Brasil.
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