Parece história de pescador,
mas não é: nos últimos cinco anos, Raimundo
Nunes, de 36 anos, viu dobrar o volume de peixes recolhidos
por sua rede na praia de Flecheiras, no município cearense
de Trairi, a 137 quilômetros de Fortaleza. Se antes
pescava de 15 a 20 quilos num dia bom, hoje ele consegue até
40 quilos de camarão, lagosta, sirigado, cioba, entre
outros. A multiplicação dos peixes é
resultado de um curioso e bem-sucedido projeto para ampliar
a produção de algas, que influenciam o volume
do pescado por estarem na base da cadeia alimentar.
De 1999 para cá, 22 famílias de Flecheiras
e Guajiru, também em Trairi, deixaram de arrancar as
algas gracilarias dos bancos naturais no mar e passaram a
cultivá-las em cordas submersas. Isso mesmo: com o
Cultivo Comunitário de Macroalgas, projeto cadastrado
no Banco de Tecnologias Sociais da Fundação
Banco do Brasil, foi afastada a ameaça de extinção
da planta, que contém um gel, o agar, usado como matéria-prima
nas indústrias alimentícia, farmacêutica
e de cosméticos. O extrativismo desenfreado por mais
de 30 anos já havia causado uma queda de 70% na produção,
levando famílias que tinham nas algas um complemento
para sua renda desistirem do negócio. Além disso,
o cultivo tornou mais rentável o comércio da
gracilaria, que na localidade é apelidada de macarrão
por causa de sua forma.
À frente do projeto está o engenheiro de pesca
Dárlio Inácio Alves Teixeira, professor do curso
de bioquímica da Universidade Federal do Ceará.
Há sete anos, ele foi a Trairi dar uma aula de biologia
aquática e, conversando com os pescadores, percebeu
que era preciso interromper a atividade predatória
com urgência. “A praia de Barrinhas, em Icapuí,
foi o maior pólo produtor de algas e nos últimos
meses não tivemos sinal delas”, lamenta Dárlio.
Então ele se inspirou numa experiência de cultivo
da gracilaria feita no Chile há mais de 20 anos.
Mas como se faz a plantação da alga? O primeiro
passo é, nas marés baixas, a extração
das mudas pelas algueiras (as mulheres coletoras de algas).
Feito isso, um mutirão de cerca de 40 pessoas enxerta
essas mudas e as amarra numa estrutura de cordas (uma corda
central de 50 metros à qual estão presas outras
50 de um metro). Fixadas as mudas, as cordas são levadas
ao mar pelos pescadores e ficam ancoradas durante os dois
meses necessários ao crescimento das plantas.
E o trabalho não pára aí. Enquanto as
cordas estão submersas, é preciso fazer sua
manutenção, removendo outras algas e pequenos
moluscos que, agarrados a elas, atrapalham o crescimento da
gracilaria e podem provocar cortes nas pessoas durante a colheita.
“É como tirar ervas daninhas”, diz Dárlio
Teixeira. Retiradas do mar, as cordas, que chegam a pesar
200 quilos por causa das plantas e da água salgada,
são transportadas por dois bois até o galpão
da associação de moradores. Ali, as algueiras
se sentam no chão e, com uma faquinha, dedicam-se pacientemente
a soltar a gracilaria. Por fim, as plantas são lavadas
e seguem para o secador, que as deixará prontas para
serem vendidas. Nesta etapa, conta-se com um secador abastecido
com energia solar criado pelo Instituto de Desenvolvimento
Sustentável e Energia Renováveis (Ider). O aparato
seca o material em cerca de três horas (1/3 do tempo
do convencional) e custa apenas R$ 3,5 mil (1/3 do preço).
Valor mais alto
Ao contrário das algas colhidas nos bancos naturais,
as cultivadas não têm areia e lodo e, por isso,
atingem um preço maior no mercado: segundo Teixeira,
o quilo custa R$ 2,50, bem mais que os R$ 0,30 obtidos antes.
Quando arrancava as algas, Raimundo Nunes conseguia R$ 60
por mês, mas com a técnica do cultivo pode ganhar
até R$ 300. “Com essa diferença, fiz uma
reforma lá em casa, comprei equipamentos de pesca e
agora estou fazendo um barco maior, para trabalhar em alto-mar”,
conta ele, pai de quatro filhos: “é bom contar
com uma renda certa, sem ficar a mercê da chuva e do
calor, que afetam a pesca”.
De acordo com Dárlio Teixeira, a maior produção
de algas – e o conseqüente aumento do pescado –
beneficiou, direta e indiretamente, cerca de cinco mil moradores
das duas comunidades. “Como a cidade vive dos frutos
do mar, a economia local se tornou mais dinâmica”,
ele avalia.
E pode se tornar ainda mais. Por enquanto, as estruturas
de cordas para o cultivo das algas são comunitárias,
mas a intenção é que cada família
tenha a sua. Os produtores de alga de Trairi também
vislumbram uma fábrica de cosméticos na região
para absorver a produção. “Nosso sonho
é ter uma fábrica que compre direto da gente
e gere mais empregos aqui”, diz Marta Helena Viana,
presidente da Associação de Produtores de Algas
de Flecheiras e Guajiru. Os produtores, que antes só
tinham como cliente a fábrica paraibana Agar Brasileiro,
hoje atendem a quatro indústrias nordestinas. A expectativa
é abastecer a mais de 30 empresas nos próximos
anos.
Além de preservar o meio ambiente e ser uma alternativa
de renda, o cultivo das algas proporcionou uma lição
de cidadania na região. Para os pescadores, não
era fácil ver as mulheres assumindo novas tarefas,
como assistir a reuniões sobre os rumos do projeto.
Daí surgiu a idéia do Instituto Terramar, ONG
que apóia o projeto, de oferecer oficinas de gênero,
com 40 horas-aula, para acabar com esse machismo.
“Foi uma atividade complementar, mas fundamental. Antes
da oficina, era comum ver maridos proibindo as mulheres de
assistirem às reuniões”, lembra Dárlio
Teixeira, que também é pesquisador do Terramar.
Também por iniciativa do instituto, um grupo de algueiras
já visitou cinco escolas para, dentro da chamada Caravana
Ambiental, dar palestras sobre a importância das algas.
“Foi ótimo para a auto-estima das algueiras porque
elas se sentiam isoladas, embora seu trabalho beneficiasse
a todos”, diz o pesquisador.
Com os resultados positivos do projeto em Trairi, em 2001
a técnica de cultivo de algas foi levada para o Rio
Grande do Norte e a Paraíba pela FAO, a Organização
das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura. A entidade investiu R$ 60 mil para pesquisar
e produzir as estruturas de cordas no Ceará. No ano
passado, chegou um financiamento de R$ 50 mil da agência
ambiental do governo alemão, a GTZ, que foi usado para
aperfeiçoar o equipamento. Foi mais uma demonstração
de confiança no potencial do projeto, que pode ganhar
relevância nacional. Isto porque o aumento da produção
de algas permitirá ao Brasil reduzir a dependência
da gracilaria importada, colhida principalmente no Chile.
“Atualmente, o país produz menos da metade das
algas que consome. Com a expansão do cultivo aqui e
a reprodução da técnica em outras comunidades,
essa situação está com os dias contados”,
afirma Teixeira.
As informações são
da Fundação Banco do Brasil.
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