Após podar as árvores
e limpar o jardim, Glaycon Cordeiro se viu com galhos, madeira
e restos de planta na porta de casa, em Belo Horizonte, capital
de Minas Gerais. Para dar um destino a este material que o
caminhão de coleta de lixo não recolhe, ele
ligou para o Disque Carroça, um serviço criado
pela prefeitura municipal.
“Foram 13 carroças para retirar o material. Liguei
de tarde e na manhã seguinte já tinham retirado
tudo. Deixaram o passeio varrido”, lembra Glaycon, que
considera o serviço muito bom por ser uma oportunidade
trabalho para os carroceiros, além de não ficar
caro para quem o utiliza.
O Disque Carroça faz parte do Programa de Correção
Ambiental e Reciclagem com Carroceiros, conhecido como Programa
Carroceiros, criado em 1997 pela prefeitura de Belo Horizonte.
O objetivo é melhorar a qualidade de vida e trabalho
dos carroceiros e evitar danos ambientais causados por resíduos
deixados em terrenos baldios e córregos. Os 2.800 profissionais
credenciados são orientados a deixar os materiais recolhidos
apenas nas 21 Unidades de Recebimento de Pequenos Volumes
(URPVs) distribuídas pela cidade.
As carroças de tração animal são
emplacadas, registradas e licenciadas gratuitamente, e o carroceiro
ainda recebe a carteira de condutor para este tipo de veículo.
Os animais também merecem atenção do
programa: por um convênio com a Escola de Veterinária
da Universidade Federal de Minas Gerais, eles têm controle
de vacinação e monitoramento de possíveis
doenças.
O Disque Carroça foi criado três anos depois
do Programa Carroceiros, em 2000, e por mês recebe uma
média de cem ligações, que são
transferidas para a URPV mais próxima do endereço
de onde será retirado o entulho. Em contato com a URPV,
o cidadão informa o tipo de material a ser recolhido
e a quantidade.
A negociação do preço é feita
entre morador e carroceiro. Após deixar a carga na
URPV, o condutor recebe um comprovante, que entrega para quem
o contratou. “O preço é definido de acordo
com o material, o peso e a distância. Em geral, custa
menos que o aluguel da caçamba e a população
sabe que o material terá um destino adequado”,
destaca Sinara Meireles Chenna, a assessora técnica
da Superintendência de Limpeza Urbana.
Os carroceiros só têm a ganhar. Com a centralização
das chamadas, o cliente é quem o procura. “Pelos
depoimentos que temos, eles sentem alívio por saírem
da atuação clandestina e vêem a deposição
adequada como um diferencial para oferecer à comunidade”,
conta Chenna. Nos primeiros cinco meses de 2004, eles levaram
quase 33 mil toneladas de material para as unidades de recebimento.
O programa foi premiado pela Fundação Getúlio
Vargas (prêmio Programa Gestão Pública
e Cidadania) em 2000, pela Fundação Oswaldo
Cruz (prêmio Milton Santos de Saúde e Ambiente)
em 2002, pela Conferência das Nações Unidas
sobre Assentamentos Humanos – Habitat II (prêmio
Global de Dubai – Emirados Árabes) também
em 2002, e pela revista Super Interessante (prêmio Super
Ecologia 2003).
A prefeitura ainda incentiva os carroceiros a se organizarem
em associações. Segundo Chenna, o interesse
da Superintendência de Limpeza Urbana “é
auxiliar a coibir a prática de deposição
de entulho em locais inadequados e oferecer alternativas para
que o trabalhador obtenha melhor renda”.
Catadores de materiais reaproveitáveis
Uma das organizações que já
serve de incentivo à criação de outras
é a Associação dos Catadores de Papel,
Papelão e Material Reaproveitável (ASMARE),
que está cadastrada no Banco de Tecnologias Sociais
da Fundação Banco do Brasil. A ASMARE tem 380
associados e há 14 anos trabalha com coleta, triagem
e comercialização de materiais reciclados em
Belo Horizonte.
José Aparecido Gonçalves, coordenador técnico
da associação, explica que “a ASMARE é
o resultado de um trabalho da Pastoral de Rua da Arquidiocese
de Belo Horizonte, que rompeu com uma visão e uma prática
assistencialista com relação aos moradores de
rua e aos catadores”.
O coordenador técnico lembra que os catadores de papel
eram objeto apenas de ações de caridade, sendo
desconsiderada a importância do trabalho que prestam.
Ele acredita que a valorização se deu pela organização
dos trabalhadores. Há cinco anos, em uma parceria com
a prefeitura, a associação passou a trabalhar
também a inserção de moradores de rua
neste universo de geração de renda.
Na associação, cada catador tem um espaço
para triagem onde recolhe e classifica o material. “A
ASMARE faz pesquisa de mercado e o material é vendido
no sistema de concorrência”, esclarece Aparecido,
que estima que o aumento de renda dos catadores associados
chega a 300% e acrescenta que “o catador isolado está
submetido a uma rede de atravessadores que o superexploram.
É quase um trabalho escravo. Organizados, eles agregam
valor e vendem por meio de concorrência, conquistando
respeito do mercado comprador”.
Cada material tem um valor no mercado, por isso o primeiro
processo de agregação de valor é a triagem
por tipo. Juntos, o papel e o papelão perdem valor
na venda. Depois da separação, há o processo
de prensagem: o material prensado vale mais porque proporciona
ao comprador menos despesa com o transporte.
Tudo isso os catadores aprendem em cursos de capacitação
oferecidos pela ASMARE. As orientações transmitidas
são focadas no valor do trabalho deles como elemento
de preservação ambiental, nos cuidados com a
saúde e na importância de cuidar das ruas por
onde é feito cada trajeto.
Aparecido conta que a associação quer ir mais
longe: “Temos uma parceria com a Fundação
Banco do Brasil para implantar uma unidade industrial com
o objetivo de levar os catadores ao domínio da cadeia
produtiva do lixo.” Além de preparar a matéria-prima
para o mercado reciclador, a proposta desta parceria é
fazer com que as associações se organizem em
rede e tenham condições de industrializar o
setor plástico.
A ASMARE tem parcerias também com mais de 400 empresas
de grande porte para a entrega do material reciclável
e com grupos empresariais que recorrem aos catadores para
a limpeza interna dos seus espaços e a retirada dos
materiais recicláveis.
“Antes da ASMARE, os catadores eram confundidos com
mendigos, marginais. Hoje, eles têm credibilidade, são
sujeitos na cidade, que os respeita”, orgulha-se Aparecido,
que já está levando o modelo para outros 33
municípios de Minas Gerais e se preparando para atender
à demanda de implantação da experiência
em outros estados.
Para ele, isso é resultado do valor social do trabalho,
que “está no resgate de uma população
que era submetida à própria condição
do lixo urbano”; do valor ambiental, porque, “se
não houvesse o trabalho dos catadores, os materiais
iriam para os aterros sanitários, que teriam seu tempo
de vida útil diminuído”; e do valor econômico,
porque “esta população sobrevive do próprio
trabalho, fazendo circular moeda no mercado”.
O site da ASMARE é o www.asmare.org.br
e o telefone do Disque Carroça, que pode ser usado
por moradores de Belo Horizonte, é o 3277-8270.
SANDRA FLOSI
do site da Fundação Banco do Brasil
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