BRASÍLIA
- As instituições de ensino particular do país
declararam ontem guerra à proposta de reforma universitária
do governo e atacaram o Ministério da Educação.
As 140 entidades que representam universidades, faculdades,
centros universitários, reitores e institutos da educação
privadas acusam a proposta do MEC de ser intervencionista,
inoportuna, desnecessária e irrelevante. Eles querem
o imediato engavetamento do anteprojeto do governo, que ainda
está recebendo propostas e sugestões e até
junho será encaminhado ao Congresso. Se não
conseguirem, a tática é intensificar o lobby
junto aos parlamentares para derrubá-lo.
O projeto do MEC mexe em toda estrutura da educação
superior e cria conselhos comunitários que participarão
da orientação acadêmica e administrativa
das instituições e serão formados, entre
outros, por sindicalistas, entidades de classe e da sociedade
civil. Metade dos professores dessas universidades e faculdades
terá que ter mestrado e doutorado.
As entidades acusam o governo de traição, já
que acataram o chamado do MEC e aderiram ao Programa Universidade
Para Todos, o ProUni. O presidente do Sindicato das Entidades
Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior de São
Paulo, Hermes Figueiredo, atacou o ministério:
"O projeto cerceia a liberdade acadêmica. É
inoportuna, inconstitucional, irrelevante e uma intervenção
estatal na iniciativa privada. O governo está incitando
o tempo todo e jogando a sociedade contra a iniciativa privada.
O governo tem sido ingrato conosco. Nos sentimos traídos".
Sem alternativa
Reunidas no Fórum Nacional de Livre Iniciativa
na Educação, em Brasília, as entidades
apresentaram um documento criticando o governo, mas não
apresentaram proposta alternativa. Para o presidente da Associação
Nacional de Educação Técnica, Fernando
Leme do Prado, o anteprojeto do governo é “ruim
como um todo”.
"Não há como alterar uma vírgula
aqui ou um ponto ali. Não tem como aproveitá-lo.
Nosso objetivo é desqualificá-lo na totalidade".
Os dirigentes das entidades negaram que, por conta da insatisfação
com o anteprojeto de reforma, possam vir a boicotar o ProUni,
programa para o qual cederam 112 mil vagas para alunos carentes
em troca de isenções fiscais. Eles criticaram
o fato de que a abertura de novos cursos tenha que passar
também pelo crivo de entidades como o Conselho Nacional
de Saúde (CNS), no caso de cursos da área médica,
e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), quando se tratar
de cursos de direito.
Hermes Figueiredo disse ainda que são os formandos
do ensino privado que estão garantindo o desenvolvimento
do país. Ele chegou a apresentar o resultado de uma
pesquisa, encomendada pelo sindicato que preside, chamada
“Desvendando a formação acadêmica”.
A conclusão é que o ensino privado está
formando os principais executivos das maiores empresas brasileiras.
"Uma vez mais a sociedade brasileira obteve a confirmação
de que um profissional não precisa ser formado em uma
instituição pública de ensino superior
para ocupar os cargos mais importantes nas grandes empresas.
O ensino privado é o principal responsável pela
formação dos profissionais mais bem-sucedidos
do país", afirmou Hermes no documento.
Debate
O ministro interino da Educação, Fernando
Haddad, afirmou que recebeu com naturalidade as críticas
do setor privado e que não há nenhum ponto do
projeto que não possa ser negociado. Ele criticou,
porém, as faculdades privadas que visam unicamente
o lucro e não se preocupam com a qualidade do ensino.
"O sentido era provocar o debate sobre a universidade
e o ensino superior. Se for possível chegar a um entendimento,
nós podemos encaminhar um projeto melhor amparado,
consensual, tanto com a universidade pública, que sairá
fortalecida, e das privadas, que também terão
uma lei regulando o setor. Hoje estamos um pouco ao bel-prazer
do gestor, que às vezes altera a regra sem atenção
a uma certa rigidez que deve ser construída com a iniciativa
privada", disse Haddad.
Para o ministro interino, é possível o entendimento
com as entidades privadas. Ele citou como exemplo o que ocorreu
no ProUni, quando as instituições privadas aderiram
ao programa oferecendo vagas no ensino superior.
"Ainda acho possível buscar esse clima de cordialidade
e atingir a maturidade que atingimos no ProUni. Podemos aparar
algumas arestas e chegar a um denominador comum. No ProUni
chegamos a um entendimento quando muita gente duvidava".
O secretário-executivo do MEC, Jairo Jorge, também
comentou a resistência das instituições
privadas à reforma universitária.
"É natural que haja críticas, mas há
visões que não querem regulação
no ensino superior. Se queremos qualidade, é preciso
que haja regulação", disse Jairo Jorge.
EVANDRO ÉBOLI
do jornal O Globo
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