A
proposta do Ministério da Educação (MEC)
para a reforma universitária prevê que o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem), teste realizado anualmente
pelo governo, substitua o vestibular ou, pelo menos, conte
pontos na seleção dos estudantes que ingressam
nas universidades públicas e privadas. A proposta é
tornar o Enem obrigatório para os alunos do último
ano do ensino médio no país. As medidas para
a reforma universitária fazem parte de um pacote apresentado
ontem a cerca de 15 entidades da área de educação.
O MEC propôs também a concessão de um
diploma após dois anos de ciclo básico nos cursos
superiores.
"O vestibular tradicional na base do X não é
um bom processo de avaliação", disse o
secretário-executivo do Conselho Nacional de Educação,
Ronaldo Mota, um dos responsáveis pelo texto.
Os resultados do Enem já contam pontos ou mesmo substituem
o vestibular em 436 das 2.093 instituições de
ensino superior, segundo o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep). Na PUC do Rio de Janeiro, por
exemplo, 50% das vagas são preenchidas sem vestibular,
levando em conta apenas a nota do exame. A prova deste ano
está marcada para o dia 29 e tem 1,9 milhão
de inscritos, o que abrange a quase totalidade de alunos que
estão terminando o ensino médio.
"Tornar o Enem obrigatório é uma tendência
natural. Mas, para efeito de seleção do ingresso,
a idéia é respeitar a autonomia universitária.
Experiências de avaliação seriada (em
que contam as notas de testes nos três anos do ensino
médio) como a da UnB (Universidade de Brasília)
ou da Universidade Federal de Santa Maria devem ser mantidas",
disse Mota.
Criação de 500 mil
O MEC propõe também a criação
de um ciclo básico de pelo menos dois anos, com disciplinas
gerais comuns a todos os cursos. Ao fim desse período,
o aluno receberia um certificado de Estudos Universitários
Gerais — mas sem valor de habilitação
específica para exercício profissional. As universidades
teriam autonomia para incluir disciplinas específicas
a cada curso ou área do conhecimento no ciclo básico.
A proposta de reforma universitária do governo prevê
a criação de cerca de 500 mil vagas nas universidades
federais nos próximos quatro anos, em especial nos
cursos noturnos. Para financiar, o MEC propõe a criação
de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Superior, ao qual seriam subvinculados pelo menos
75% dos 18% da arrecadação da União que
devem obrigatoriamente ser investidos em educação.
A subvinculação garantiria o repasse do dinheiro
sem riscos de retenção pela área econômica,
como ocorre hoje. O MEC quer assegurar repasses mensais.
A briga em torno da subvinculação foi um dos
entraves à reforma universitária no governo
Fernando Henrique. Segundo Ronaldo Mota, o montante investido
nesse segmento em 2002, último ano do governo passado,
correspondeu a 65% da parcela de recursos que a União
investe no ensino. As 55 instituições federais
de ensino superior deverão receber este ano R$ 7,8
bilhões.
É nas universidades federais que o governo quer criar
um abrangente programa de cotas raciais e para estudantes
que tenham cursado o ensino médio na rede pública.
Projeto de lei já enviado ao Congresso reserva 50%
das vagas das instituições para esses dois grupos,
sem especificar, no entanto, que a medida deve valer separadamente
para cada curso. Na proposta de reforma universitária,
o MEC propõe que isso seja assegurado gradualmente.
O objetivo é evitar que os beneficiados pelas cotas
ingressem apenas nos cursos menos concorridos, sem ter acesso
a cursos como medicina, odontologia e direito.
Para atender ao público beneficiado pelas cotas, o
ministério prepara um programa de assistência
estudantil que deverá pagar bolsas mensais a estudantes
carentes. O programa deverá ser financiado com recursos
da nova loteria da educação, em estudos pela
Caixa Econômica Federal.
O MEC pediu às entidades que apresentem críticas
e sugestões à proposta até o próximo
dia 13. Ainda em agosto, o ministro Tarso Genro deverá
apresentar um esboço final de texto para embasar a
redação do projeto de Lei Orgânica do
Ensino Superior, que deverá ser enviado ao Congresso
em novembro. Não está claro se a reforma exigirá
uma proposta de emenda constitucional, que requer maioria
de três quintos na Câmara e no Senado, ou se poderá
ser feita com base em projetos de lei, que pedem maioria simples.
"Estamos abertos ao debate e dispostos, inclusive, a
voltar atrás quando for o caso", disse Mota.
A discussão da reforma universitária tem rendido
dissabores a Tarso Genro. Em julho, ele foi vaiado por estudantes
num evento em Brasília. Na última sexta-feira,
alunos de educação física invadiram a
sede do Conselho Nacional de Educação. Um dos
itens criticados foi a reforma universitária.
Compromisso com a gratuidade
O documento lista, entre os princípios gerais,
o compromisso com a gratuidade do ensino nas instituições
federais. E reafirma a disposição do ministério
de fechar cursos superiores reprovados no novo sistema de
avaliação, que inclui três eixos: a auto-avaliação
das instituições, a inspeção por
especialistas e o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(Enade), teste substituto do Provão que será
aplicado em novembro a alunos do primeiro e do último
ano de 13 áreas.
O fechamento de cursos ainda é um tabu. Apesar de
criar o Provão e lançar as bases do atual sistema
de avaliação, o governo anterior não
conseguiu fechar cursos reprovados sistematicamente.
DEMÉTRIO WEBER
do jornal O Globo
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