"Pai,
eles me pegaram." O empresário paulistano Eduardo
Homem de Mello, 49, demorou alguns segundos para entender
a gravidade da frase, dita ao telefone pelo filho. O jovem,
estudante de 19 anos, estava em poder de seqüestradores
em um matagal. Falava com uma arma apontada para a cabeça.
Mello negociou pessoalmente a libertação do
filho e mais dois amigos do jovem, também estudantes.
O garoto foi escolhido como alvo do seqüestro porque
era o dono do carro e os criminosos avaliaram que a família
dele teria mais dinheiro. "Quando o filho da gente entra
na linha de fogo, não adianta experiência. A
gente dá o que tem", afirma o empresário.
O drama vivido pela família de Mello não é
exceção entre casos de seqüestro em São
Paulo, crime que registrou aumento de 13,7% no Estado e 16,6%
na capital no segundo trimestre de 2004 em relação
ao mesmo período de 2003, segundo dados da Secretaria
da Segurança Pública.
De cada quatro vítimas, uma é estudante (25%).
É a ocupação que registra maior número
de vítimas. Mais do que comerciantes (16%) e empresários
(11,1%), sempre apontados como alvos preferenciais dos seqüestros
tradicionais -com pedido de resgate e, geralmente, com cativeiro.
É o que mostra um levantamento dos boletins de ocorrência
do crime "extorsão mediante seqüestro"
registrados de janeiro a junho deste ano ao qual a Folha teve
acesso. Essa base de dados informatizada abrange a capital
e outros 41 municípios do Estado -não inclui
os dados organizados pela Divisão Anti-Seqüestro.
No primeiro semestre de 2004, os distritos registraram 129
ocorrências desse tipo de crime. Desse total, 60 se
adequaram às características de seqüestro
tradicional -os outros eram seqüestros relâmpago,
ameaças ou suspeitas.
Segundo pesquisadores, 60 casos são suficientes para
se traçar um perfil das vítimas e da atuação
dos seqüestradores, principalmente porque a amostra inclui
as cidades com maior concentração desse tipo
de crime no Estado.
A Secretaria da Segurança Pública confirmou
55 seqüestros ocorridos no semestre -as ocorrências
teriam sido revisadas, quando é confirmada ou não
a tipificação do crime. Mas o órgão
não informa estatísticas sobre o perfil das
vítimas e a atuação desses criminosos.
A Divisão Anti-Seqüestro não faz pesquisa
sobre a ocupação das vítimas -só
sobre a idade e o sexo.
Segundo as estatísticas oficiais, o Estado inverteu
uma tendência de queda verificada desde o terceiro trimestre
de 2002. Foram 33 casos no Estado de abril a junho deste ano,
quatro a mais do que no mesmo período de 2003. Na capital,
foram 21 casos, três a mais do que no ano passado.
Pelo levantamento dos 60 casos do primeiro semestre, 16% das
vítimas têm até 17 anos. Se a faixa for
estendida para até 25 anos, o índice fica em
36%. Em meados de 2002, estatística feita pela DAS
mostrava que 11% das vítimas tinham até 17 anos.
O percentual de estudantes e de jovens entre as vítimas
sugere, segundo especialistas, que os filhos são os
alvos cada vez mais freqüentes dos seqüestradores.
Segundo o mesmo levantamento, os pais são, geralmente,
comerciantes e empresários.
"Os criminosos vêem que é mais fácil
seqüestrar o filho de família abastada, porque
geralmente ele é menos cuidadoso em relação
à segurança. Também é mais fácil
negociar com o chefe da família, que pode providenciar
mais rapidamente o dinheiro", disse o cientista político
Guaracy Mingardi, diretor científico do Ilanud (Instituto
Latino-americano das Nações Unidas para Prevenção
do Delito e Tratamento do Delinqüente).
"Cada vez mais vemos jovens de 14, 15, 16 anos libertados
de cativeiros", disse Athaíde da Silva, coordenador
do Instituto São Paulo Contra a Violência e responsável
pelo serviço de Disque-Denúncia -no qual uma
das principais ações é uma campanha de
combate ao seqüestro. "Os jovens não aceitam
seguranças, são menos cuidadosos, e acabam sendo
mais vulneráveis."
Segundo Silva, o serviço -que funciona pelo 0800-156315-
foi responsável direto pela libertação
de 37 reféns desde 2000.
Mello diz que sempre deu dicas de segurança para os
filhos. Mas a abordagem dos seqüestradores teria sido
inevitável. Dois homens armados cruzaram a frente do
carro do jovem quando ele teve de reduzir a velocidade em
uma esquina, em pleno meio de tarde -15h- de uma quarta-feira,
no Morumbi (zona oeste de SP).
"Por mais que a gente ensine aos filhos noções
de segurança, não há o que fazer em uma
situação caótica como essa. Isso precisa
acabar", diz.
GILMAR PENTEADO
da Folha de S.Paulo
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