Principal
conferencista do 3º Fórum Mundial da Educação
-que terminou ontem, em Porto Alegre (RS)-, o húngaro
István Mézáros, professor emérito
da Universidade de Sussex (Reino Unido), é um dos principais
pensadores marxistas da atualidade.
Em seu discurso, durante a conferência "Educação
para além do capital", que abriu o fórum,
Mézáros criticou a tendência de comercialização
do ensino e a relação entre pobreza e falta
de acesso à educação pública de
qualidade.
Além de participar do encontro de educadores, Mézáros
também está no Brasil para o lançamento
da segunda edição, com nova tradução,
de seu livro "O Poder da Ideologia" (ed. Boitempo),
em que analisa as funções transformadoras da
ideologia em seu contexto histórico. Para a edição
brasileira, o autor de "Para Além do Capital"
e "A Teoria da Alienação" escreveu
prefácio exclusivo, tratando, entre outros temas, do
Fórum Social Mundial.
Nesta quarta-feira, às 19h, no Tuca Arena (r. Monte
Alegre, 1.024, Perdizes, São Paulo), Mézáros
lança a nova edição e participa de um
debate, que conta ainda com a presença de Emir Sader,
coordenador do Laboratório de Políticas Públicas
da UERJ, e de Ricardo Antunes, professor de sociologia da
Unicamp.
Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida por Mézáros
à Folha, em Porto Alegre.
Folha - Qual é a relação
entre educação e pobreza?
István Mézáros - É
a relação de um círculo vicioso. A pobreza
impede as pessoas de se educarem e se desenvolverem. E, por
outro lado, se as pessoas não participam e remodelam
a sociedade, a pobreza e a exclusão continuam a crescer.
Por muito tempo, ouvimos que a pobreza desapareceria gradualmente
com o desenvolvimento do homem e da sociedade. Hoje, sabemos
que isso é uma fantasia.
Por conta desse círculo vicioso, o contrário
está ocorrendo. Nos anos 60, havia 30 pobres na base
da pirâmide socioeconômica para cada rico no topo
dessa estrutura. Hoje, contamos 74 pobres para cada rico.
No ano 2015, a previsão é que essa relação
alcance cem pobres para cada rico no mundo. Essa é
uma previsão oficial das Nações Unidas.
Através da educação você pode tornar
as pessoas capazes de contribuir para a solução
de problemas da nossa sociedade, que tem muitos. Então
dá para imaginar a tragédia que significa ter
a maioria absoluta da população mundial hoje
sem acesso ao menos à educação primária.
Isso é muito irresponsável. Educação
é algo absolutamente vital para o futuro.
Folha - A educação enquanto
direito universal não tem sido respeitada por muitos
Estados e, por outro lado, há uma tendência de
comercialização do ensino. Como reverter esse
processo?
Mézáros - Há essa tendência
de tirar proveito material da educação, assim
como de outras áreas, como a saúde. É
preciso haver uma reivindicação social desse
direito. Primeiro porque o Estado sozinho não financia
estudo algum. O Estado é financiado com os recursos
que a sociedade transfere a ele, e é desse dinheiro
que tem de aumentar o investimento em educação.
A educação privada, comercializada como serviço,
só serve para comprar privilégios. E, no caso
das universidades brasileiras [que cresceram mais de 116%
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso], tenho certeza
de que elas não sobrevivem sem algum tipo de benefício
do Estado, como isenções.
Folha - No que essa onda mercantilizadora
da educação influi no conteúdo do ensino?
Mézáros - A nova escola está
orientada para o mercado, para aquilo que se pode aprender
para vencer. Essa orientação da educação
é um canal para os propósitos expansionistas
da produção de commodities. Expandir valores
humanos, nesse sentido, se torna algo irrelevante, porque
não gera lucro direto. O interesse hoje é de
criar meios de expansão do capital. O que as pessoas
aprendem para sua realização pessoal, os chamados
valores úteis, tem cada vez mais sido compreendido
como valores comerciais ou valores de troca. A grande reforma
será redirecionar o conceito de valor útil para
eliminar as condições miseráveis da humanidade
hoje.
Folha - Depois da queda do muro de Berlim,
Marx ainda tem valia quando se pensa a educação?
Mézáros - Claro que sim. Um
de seus princípios, que permanece absolutamente válido
ainda hoje diz que os educadores não estão acima
das outras pessoas. Para Marx, os educadores também
devem ser educados por serem parte de uma sociedade que sofre
mudanças constantemente. Se não se educam os
educadores de maneira contínua, eles se tornam inúteis.
Essa contribuição de Marx é tão
válida hoje como foi no passado, como também
será no futuro. É uma regra, um princípio
geral.
FERNANDA MENA
da Folha de S.Paulo
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