|
Cresce
o número de empregos formais no país, mas é
cada vez mais precária a qualidade das vagas criadas.
Sete em cada dez trabalhadores que entraram no mercado de
trabalho com carteira assinada ou voltaram para ele entre
janeiro e junho deste ano receberam entre meio (R$ 130) e
dois salários mínimos (R$ 520).
Esse é o perfil do 1,034 milhão de empregos
criados (saldo entre os 5,69 milhões de
admissões e os 4,66 milhões de demissões)
no Brasil no primeiro semestre deste ano, segundo estudo inédito
feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Sócio-Econômicos), com base no Caged
(Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério
do Trabalho.
A qualidade do emprego tem piorado ano a ano. No primeiro
semestre de 2002, último ano do governo FHC, 68% dos
trabalhadores ganhavam até dois mínimos. No
mesmo período de 2003, primeiro ano do governo Lula,
esse percentual subiu para 71,93%. Neste ano, chegou a 72,13%.
O trabalhador demitido foi substituído por outro que
ganha até 40% menos no primeiro semestre deste ano,
dependendo do setor em que trabalhava. O achatamento salarial
é um fenômeno que se verifica desde 1995, quando
o Caged passou a divulgar dados para o período de janeiro
a junho.
Na média de todos os setores, a redução
salarial foi de 14% no primeiro semestre deste ano, considerados
os valores nominais. Trata-se de um fenômeno exemplificado
pela troca de um salário de R$ 100 por outro de R$
85,96.
No ano passado e em 2002, o achatamento foi da mesma ordem
-variou entre 14% e 15%. Mas em 2001, ano em que a economia
sofreu com os efeitos do "apagão", o rebaixamento
de salários foi menor: de 10,3%.
Precariedade
"O país está gerando mais emprego
com carteira assinada, mas a qualidade desse emprego é
precária. Isso tem impacto tanto na recuperação
do poder aquisitivo do trabalhador como no crescimento da
economia", diz José Silvestre, supervisor do Dieese.
Pelo levantamento, a maior parte dos postos de trabalho (2,2
milhões) abertos no primeiro semestre oferece remuneração
na faixa de 1,01 a 1,5 salário mínimo -o que
representa 38,76% do total de vagas abertas (5,7 milhões).
Outro 1,3 milhão de trabalhadores foi contratado por
1,51 a 2 mínimos -ou 22,52%.
Mais 996,7 mil estão na faixa de 2,01 a 3 salários,
o que equivale a 17,49%.
As contratações são significativamente
menores nas faixas superiores a três salários
mínimos (R$ 780). Os salários pagos na faixa
de 7,01 a 10 mínimos (R$ 1.822,60 a R$ 2.600) representam
apenas 0,94% das admissões.
O emprego neste ano está mais precário do que
no ano passado. No primeiro semestre de 2003, dos 5,03 milhões
de vagas abertas, 36,97% estavam na faixa de 1,01 a 1,5 mínimo.
No mesmo período de 2002, essa faixa salarial equivalia
a 36,97% do total de contratados (5,04 milhões).
O achatamento de salários por meio da troca de salários
maiores por menores é constatado em todos os setores
da economia.
Indústria lidera
Na indústria, a rotatividade da mão-de-obra
resultou em uma redução salarial de 16%. De
janeiro a junho, a renda mensal média dos demitidos
era de R$ 601, e a dos contratados, de R$ 505.
A diminuição salarial no comércio foi,
em média, de 14,5%. No setor de serviços, de
13,5%. Na construção civil, de 9%. Já
na agricultura, o achatamento nos salários chegou a
8,3%.
"São sinais ruins. São indícios
de que a tendência é de deterioração
do padrão de remuneração do setor formal
da economia", afirma Claudio Dedecca, professor da Unicamp.
Para ele, apesar de haver recuperação do emprego,
é preocupante a troca de empregados com achatamento
de salários.
"O crescimento econômico depende de aumento de
gastos públicos, de investimentos do setor privado
e de recuperação da renda para o consumo. Isso
não está ocorrendo", afirma Dedecca.
O Caged mostra rebaixamento na renda do trabalhador, enquanto
o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
e a Fundação Seade/Dieese identificam ligeira
recuperação no rendimento dos ocupados. É
que o Caged considera apenas o mercado de trabalho formal
no setor privado.
IBGE e Seade/Dieese medem o emprego formal e informal em seis
regiões metropolitanas, nos setores público
e privado. A recuperação da renda, quando ocorre,
de acordo com as pesquisas dessas instituições,
é de forma pontual (não-contínua) e mais
concentrada no mercado informal, dizem os especialistas.
"A renda no mercado informal reage mais rapidamente do
que no formal porque esse setor lida com valores mais baixos",
diz Silvestre. Na pesquisa divulgada pelo Seade/Dieese na
semana passada, o rendimento de quem não tem carteira
assinada cresceu 3,6% em maio na comparação
com abril. O dos com carteira, 1,8% no mesmo período.
O Caged mostra um cenário diferente. "A massa
salarial [soma de todos os salários] dos admitidos
não cresce na mesma proporção do emprego",
diz Álvaro Comin, diretor-científico do Cebrap
(Centro Brasileiro de análise e Planejamento). Enquanto
a massa salarial cresceu 13,18% de janeiro a junho de 2004
em comparação a igual período de 2003,
o emprego (saldo de admitidos e desligados) subiu 84,4%.
De janeiro a junho de 2004, o trabalhador admitido colocou
no bolso R$ 490 por mês, em média. Enquanto a
renda média dos demitidos no mesmo período foi
de R$ 570 mensais.
O metalúrgico José Carlos de Alencar Dias, 26,
conta que viveu "na pele" o rebaixamento de salários.
"Há três anos recebia salário de
R$ 800. Fiquei desempregado e consegui emprego com carteira
assinada em uma autopeça da Mooca em março deste
ano por R$ 450", diz. "As empresas exigem cada vez
mais qualificação, escolaridade, mas não
estão pagando muito mais por isso."
Constituído com base em informações enviadas
mensalmente pelas empresas, o cadastro tem servido de vitrine
oficial dos avanços na expansão do emprego formal
anunciados pelo governo.
CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
da Folha de S.PAulo
|