Enfermidades
como malária, mal de Chagas, leishmaniose e doença
do sono afetam milhões de pessoas em todo mundo. A
malária, por exemplo, atinge anualmente cerca de 250
milhões de pessoas, sendo responsável por mais
de um milhão de óbitos, principalmente de crianças
em países tropicais.
No Brasil, são mais de 200 mil casos por ano, concentrados
principalmente na Região Amazônica, onde a doença
é considerada endêmica. Dados da organização
sem fins lucrativos Drugs for Neglected Diseases Initiative
(DNDi – ou Iniciativa de Medicamentos para Doenças
Negligenciadas), revelam que a malária mata mais gente
hoje do que matava há 40 anos. Embora existam alguns
medicamentos para combater a doença, em algumas regiões
do planeta o parasita já criou resistência ao
tratamento. Muitas crianças africanas pegam malária
várias vezes por ano, o que prejudica seu desenvolvimento.
A leishmaniose, por sua vez, é considerada doença
endêmica em 88 países. Estima-se que 12 milhões
de pessoas sejam afetadas pela enfermidade e que surjam entre
1,5 e 2 milhões novos casos anualmente. Já a
doença do Sono, que atinge 36 países da África
sub-Sahariana (principalmente a República Democrática
do Congo, Angola e Uganda), coloca 60 milhões de pessoas
em risco. A doença estava relativamente controlada
nos anos 60, mas devido a guerras e à decadência
econômica voltou a ameaçar esses países.
A Organização Mundial de Saúde (OMS)
estima que existam 300 mil casos da doença, embora
admita a possibilidade de subnotificação.
E a doença de Chagas, considerada a enfermidade mais
negligenciada no Brasil, atinge 21 países das Américas
do Sul e Central. Estima-se que 100 milhões de pessoas
– ou um quarto da população da região
- corram risco de contrair a doença, que provoca 50
mil mortes por ano. Embora 18 milhões de pessoas devam
estar vivendo com o parasita em seus corpos, existem apenas
dois medicamentos disponíveis para o tratamento da
doença.
Se os números são alarmantes, mais assustador
é saber que o tratamento dessas doenças não
é prioritário. Pouquíssimas são
as pesquisas para desenvolver novos medicamentos. As indústrias
farmacêuticas – que atualmente são as principais
produtoras de estudos área da saúde –
investem pouco nessas doenças. E o motivo é
simples: falta de interesse econômico.
Todas essas enfermidades "negligenciadas" são
características de regiões pobres. E Christina
Zackiewicz, assessora da América Latina para a DNDi,
explica que as indústrias farmacêuticas estão
pautadas pela lógica capitalista, investindo apenas
em pesquisas cujo retorno financeiro é certo. Os governos
que deveriam incentivar a pesquisa nessa área em seus
laboratórios, criando políticas públicas
adequadas ainda não assumiram o compromisso de forma
adequada.
Para tentar reverter esse quadro, em julho do ano passado,
foi criado o DNDi. A iniciativa surgiu a partir de um grupo
de trabalho sobre medicamentos para doenças negligenciadas
da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF). E hoje agrupa
institutos de pesquisa de diversos países - Instituto
Pasteur, da França; Fundação Osvaldo
Cruz, no Brasil; o Instituto de Pesquisa Médica do
Quênia; o Conselho Indiano de Pesquisa Médica,
o Ministério da Saúde da Malásia e o
departamento de pesquisa sobre doenças tropicais da
Organização Mundial de Saúde –
em torno do esforço de desenvolver pesquisas sobre
medicamentos para essas doenças negligenciadas.
Christina conta que existem pesquisas sendo desenvolvidas
nas bancadas dos laboratórios das universidades e outros
institutos de pesquisa, mas que entre descobrir uma molécula
potencial e produzir um medicamento que possa ser distribuído
à população há um longo processo
que requer dinheiro e tempo (entre 5 e 12 anos). O processo,
então, fica travado por falta de recursos, impedindo
a formulação de novos remédios.
A DNDi se propõe justamente a alavancar esse processo,
identificando projetos já existentes e levando-os adiante,
quando viáveis. Para isso, a entidade mantém
parcerias com algumas indústrias públicas e
pretende ampliá-las com a iniciativa privada. Os recursos
da DNDi são provenientes principalmente de doações
da União Européia, da MSF e de outros doadores.
Primeiros resultados
Em seu primeiro ano de atuação, a DNDi
comemora um trabalho desenvolvido no Brasil, pela Fundação
Osvaldo Cruz (Fiocruz). O laboratório combinou dois
antimaláricos em um só medicamento, conseguindo
quebrar a fácil resistência que o parasita desenvolvia
frente a antimaláricos isolados. As organizações
vinculadas à DNDi também estão desenvolvendo
outros sete projetos de medicamentos contra a doença
do sono e a leishmaniose, mas os estudos ainda não
estão concluídos.
Os medicamentos produzidos na Iniciativa de Medicamentos
para Doenças Negligenciadas (DNDi) não devem
ser patenteados e sim considerados de "domínio
público". Christina explica que a patente dos
medicamentos pode gerar remédios com um custo tão
alto que a distribuição às populações
de baixa renda fica inviável. Isso porque apenas a
indústria que detém a patente produz o medicamento,
colocando-o no mercado ao preço que quiser. Mesmo sem
a competitividade, o preço do remédio patenteado
permanece alto. A representante do DNDi diz que os remédios
produzidos pela organização só serão
patenteados quando suas fórmulas correrem o risco de
serem "roubadas".
LAURA GIANNECCHINI
do site Setor3
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