O jovem:
desenvolvimento local, cultural e humano através da
arte na comunidade. O slogan do Instituto Pombas Urbanas resume
o trabalho voltado para o público jovem na comunidade
Cidade Tiradentes, zona sul da capital paulista. "O Lino
percebeu a energia da periferia na arte, pois é um
povo com uma história de vida muito tensa e um talento
artístico escondido. Ele acreditava que o talento não
vem do meio acadêmico e sim da vida", afirma Adriano
Mauriz, integrante da organização.
Idealizado por Lino Rojas, diretor de teatro peruano, Pombas
Urbanas foi criado em 1989 com um projeto de formação
para adolescentes de São Miguel Paulista, zona leste
de São Paulo. Diferente do ensino tradicional, o instituto
elaborava um sistema auto-sustentável que valoriza
o jovem como protagonista social. Ou seja, o grupo fazia apresentações
em ruas, centros culturais e teatros para arrecadar dinheiro
e investir em cursos e apresentações artísticas
nas comunidades.
Há 15 anos, Lino capacitou jovens da comunidade de
São Miguel Paulista com muita dificuldade financeira
e falta de espaço para dar as aulas de teatro, já
que eram poucos os que entendiam o método diferenciado
do diretor peruano. No entanto, sua luta pela linguagem cênica
que traz a poética do jovem contemporâneo acabou
em março de 2005, pois foi assassinado após
um assalto por um rapaz que, coincidentemente, era morador
de São Miguel Paulista e conhecia o trabalho do grupo
Pombas Urbanas. A partir deste fato, o grupo tem nove pessoas
como coordenadores, sendo algumas delas oriundas das aulas
de São Miguel e outras de vários locais da grande
São Paulo.
Apesar da morte de Lino, os coordenadores continuam com
o mesmo objetivo: continuar com o trabalho do Pombas Urbanas;
consolidar o projeto "Arte em Construção",
que pretende ser um centro cultural no bairro Cidade Tiradentes;
e ampliar projetos culturais em cinema, fotografia e outras
áreas. O que era um terreno incendiado e com riscos
de demolição tornou-se um galpão asfaltado
com as paredes pintadas pela arte do grafite e crianças
brincando na estrutura de ferro em formato de baleia de uma
peça do Pombas e o monociclo utilizado nas aulas de
circo. Mas ainda sobra espaço e falta dinheiro para
realizar todos os projetos idealizados pelo grupo.
O terreno foi cedido pela Companhia Metropolitana de Habitação
São Paulo (Cohab São Paulo) por meio do programa
"Viver Melhor", que promove a qualidade de vida
dos moradores de seus conjuntos habitacionais. Desde de janeiro
de 2004, o grupo impulsiona o processo artístico com
crianças e jovens da comunidade por meio dos cursos
de teatro (sábado e domingo) e de circo (terça
e quintas-feiras) gratuitos. O público atendido também
participará da gestão artística do centro
cultural. Devido ao pouco recurso, as reformas no galpão
ocorrem em etapas para construção de salas de
aulas, área para apresentações de espetáculos,
biblioteca, área de capacitação em mídia
digital, espaço externo para lazer e teatro ao ar livre.
De acordo com Adriano, atualmente todos os coordenadores
estão dedicados nas aulas de teatro e circo graças
à ajuda do recurso do Programa Municipal de Fomento
ao Teatro para a Cidade de São Paulo concedido em 2003
pelo projeto "Da Comunidade ao Teatro, do Teatro à
Comunidade". "Nós temos a preocupação
mais na formação orgânica e não
formar atores simplesmente. Procuramos reconhecer o corpo
e a voz, escrevemos texto de boa qualidade e aprendemos a
fazer arte com a escola da vida. Além disso, procuramos
formar multiplicadores da arte na comunidade Tiradentes, ainda
mais por ser uma região que cresce a cada dia. Estamos
num bairro com o maior conjunto habitacional da América
Latina e presenciamos a construção de casas
e mais histórias de vida", revela Adriano.
Adriano era de São Miguel Paulista e fez as aulas
de Lino aos 13 anos de idade e hoje está com 29 e é
um dos coordenadores do Instituto. "Isso é minha
vida. Adquiri um conhecimento humano e resolvi passar o conhecimento
que obtive nesses anos para outras pessoas", confessa.
Nicole de Abreu, 20 anos, faz teatro anos nos finais de
semana e há um mês também participa das
aulas do circo. Decidiu fazer os cursos logo quando conheceu
o trabalho do grupo. Hoje está como assistente em algumas
aulas e pega instrumentos (monociclo, colchões e outros).
"Adoro as aulas e elas me ajudam muito na consciência
corporal, já que sei mais do meu corpo e como as pessoas
estão por meio da expressão corporal. A percepção
de espaço e tempo me ajuda muito nas minhas aulas,
como eu faço faculdade de Educação Física,
a gente trabalha muito com o corpo", disse a jovem.
A jovem Jéssica Nunes, 14 anos, há um ano
participa das aulas de teatro e entrou primeiro da turma das
crianças e hoje está junto com os outros jovens.
No começo, freqüentava as aulas para acompanhar
suas amigas, mas hoje todas desistiram do curso e só
ficou Jéssica. "Como faço balé,
as professoras sempre incentivaram fazer teatro para desenvolver
a expressão corporal. Sou também assistente
dos professores nas aulas dos menores. Geralmente, cuido do
som e faço a lista de presença", afirma
Jéssica.
O galpão abre todos os dias e promove sessões
de filmes nacionais e espetáculos teatrais de outros
grupos. Já crianças e jovens aproveitam o espaço
para brincarem e muitos acabam indo para as aulas de circo
e teatro. Rafael Costa, 10, anos é um deles que tenta
se equilibrar no monociclo e participa das aulas de teatro
e circo. "Eu gosto de representar desde pequeno. Em casa,
pegava as coisas e costumava ficar imitando algumas pessoas
escondido porque tinha vergonha de minha mãe ver",
revela.
A paixão pelo teatro foi tanta que Natali Conceição
dos Santos, 18 anos, abandonou a casa de sua família
para seguir o caminho do Pombas Urbanas. Ela conheceu o grupo
teatral com 17 anos e participou do curso até ficar
de vez. Há um ano e 3 meses faz cursos e hoje vive
com outras pessoas do grupo num apartamento cedido pela Cohab.
Ricardo Muniz, 28 anos, divide o apartamento com Natali e
desde que conheceu o trabalho do grupo queria uma oportunidade
para trabalhar com eles. De Embu das Artes foi para Cidade
Tiradentes para ser uma espécie de "faz tudo"
do grupo. "Conheci o trabalho deles quando fiz a maquiagem
na peça Largo da Matriz e falava para Lino que quando
tivesse uma oportunidade era só chamar. No começo,
foi difícil sair de casa, mas minha mãe se acostumou
com a idéia e já estou aqui há seis meses",
conta Ricardo.
No final do ano passado até março de 2005,
o instituto foi convidado para participar da pesquisa do mapeamento
e diagnóstico cultural de quatro comunidades (Itaim
Paulista, Curuçá, Sapopemba e Cidade Tiradentes)
para ajudar no programa Fábricas de Cultura, uma iniciativa
do governo do Estado de São Paulo executado pela Secretaria
da Cultura em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento,
que pretendem promover atividades culturais e artísticas
para jovens e crianças entre sete a 19 anos nas regiões
com altos índices de vulnerabilidade.
"Nós treinamos os jovens para fazerem a pesquisa
e visitarem muitos locais. Dividimos em duas equipes de 20
pessoas, um cuidava da pesquisa enquanto o outro dedicava-se
ao estudo no plano cultural. Isso impulsionou um maior conhecimento
da história da comunidade, da vizinhança e os
trabalhos de várias instituições. Estes
jovens compreenderam melhor o papel da cultura dentro da comunidade
e descobriram que existem cerca de 200 entidades ou pequenas
associações que desenvolvem atividades culturais
em cada bairro visitado", conta Adriano.
A partir das aulas de teatro e circo e o conhecimento de
trabalhos culturais nas comunidades, alguns jovens, que costumavam
conversar após as aulas de teatro, discutiam vários
pontos da Cidade Tiradentes e levantaram algumas curiosidades
da região. Foi assim que surgiu a idéia de escrever
um fanzine. Os próprios jovens foram atrás das
matérias e entrevistas. A primeira edição
saiu no domingo (08/05) com matérias sobre alcoólicos
anônimos, a história da Cidade de Tiradentes
e as famílias que vivem nos prédios de gesso,
conhecidos por não terem paredes da região.
"Cheguei lá e conversei com jovens de 12 anos.
Eles me contaram várias histórias de acidente
por não ter o mínimo de estrutura aquele prédio.
Muitas pessoas morreram e acabavam caindo dos andares, porque
esqueciam de que não tinham parede. Um jovem me falou
que sua avó morreu, pois um rato mordeu o dedo de seu
pé. Isso me surpreendeu, porque nem imaginava que morava
muita gente nestas condições. Um menino do curso
mora neste prédio e a própria habilidade com
seu corpo já comprova a necessidade de percepção
de espaço", conta Natalie.
SUSANA SARMIENTO
do site setor3
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