Quando
um dos juízes da 2ªVara da Infância e da
Juventude disse a X., de 17 anos, que ele já sabia
o que era o inferninho (sala onde os menores aguardam a audiência),
mas faltava a ele conhecer o inferno (uma referência
ao Instituto Padre Severino, unidade para menores infratores),
o jovem estremeceu. X. estava prestes a perder a liberdade,
por causa de um cigarro de maconha encontrado por PMs em sua
jaqueta — que X. garantia ter sido esquecido por um
colega.
No entanto, como X., um jovem de classe média, já
estava em tratamento, numa clínica para dependentes
químicos, a Justiça decidiu aplicar a medida
sócio-educativa de liberdade assistida, incluindo também
o rapaz no Programa Especial para Usuário de Drogas
(Proud), também chamado de Justiça Terapêutica.
A droga ocupa o primeiro lugar no ranking dos números
pesquisados pelo GLOBO de atos infracionais da 2ª Vara
da Infância e da Adolescência. Seja pelo consumo
de entorpecentes ou pelo tráfico, juntos totalizam
quase 26% dos casos que levam os jovens a serem detidos. No
ano passado, 1.321 adolescentes foram apreendidos por tráfico
e 609 por uso de drogas.
Classe social
A promotoria pode propor a suspensão do processo
contra o menor, caso o ato de infração seja
de natureza leve e o adolescente assuma o compromisso estabelecido
em juízo. Se o jovem é usuário de drogas,
normalmente, é sugerido que ele passe por um tratamento.
E os adolescentes de classe média costumam aceitar
a proposta, com os pais, para evitar processos e até
internação.
Há três anos, o juizado criou o Proud. Uma pesquisa
solicitada pelo juiz titular da 2 Vara da Infância e
da Juventude, Guaraci Vianna, revelou que de 18 de julho de
2001 a 30 de agosto de 2003, dos 105 adolescentes que passaram
pelo programa, 14% eram de classe média. Segundo Guaraci,
o envolvimento dos menores com as drogas vem crescendo a cada
ano. Com isso, o número de processos na 2 Vara da Infância
e da Juventude dobra.
"O volume de processos é assustador. Somos apenas
dois juízes para dar conta de 26 mil processos, de
2000 para cá. A banalização do uso da
droga aumentou o nosso trabalho em relação a
todas as classes sociais. Porém, não podemos
deixar de observar que o uso de drogas é mais comum
na classe média. Sejam entorpecentes ou drogas vendidas
nas academias para facilitar a atividade muscular ou queimar
gordura. Com o uso contínuo desse tipo de droga, o
adolescente fica mais elétrico e agressivo. Com isso,
surgem as brigas em boates. Um ato infracional puxa o outro",
afirma o juiz.
Guaraci diz não levar em consideração
a classe social:
"Não quero saber se é morador de rua ou
se vive na Avenida Vieira Souto. O que importa é o
que o adolescente fez."
Para o coordenador do Programa de Justiça Terapêutica,
do Ministério Público, o promotor Márcio
Fernandes Mothé, os adolescentes de classe média,
especialmente os pitboys, têm a certeza da impunidade.
"Eles aprontam pela noite, pois acham que a liberdade
imediata é quase certa. Na maioria dos casos de classe
média nos quais atuei, tomei conhecimento por meio
da imprensa. Inicialmente, os adolescentes haviam sido liberados
na polícia, mas acabaram sendo apreendidos depois,
quando o Ministério Público requereu a internação
provisória. Foi o caso de um menor envolvido numa confusão
em boate, no início do ano. Depois que um dos envolvidos
no caso deu tchauzinho pela TV, na saída da delegacia,
o juiz de menores mandou acautelá-lo novamente, até
a data do julgamento", contou o promotor.
De acordo com Márcio, é preciso tratar os desiguais
de forma desigual:
"Se o adolescente comete um ato grave, quanto maior
for a sua escolaridade e o seu discernimento, mais grave deve
ser a sua punição."
Idade e crime
O promotor explica que a lei não manda separar
os internos por classe social, mas sim pela gravidade do ato
que cometeram e pela idade. Se um adolescente de 17 anos,
de classe média, por exemplo, assaltar ou traficar
será internado com infratores da mesma faixa etária,
não importando a classe social.
"O Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca)
está em vigor há quase 14 anos e os adolescentes
sabem que podem ser responsabilizados pelas infrações
que cometem. O que ocorre é que os adolescentes de
classe média confiam na suposta influência dos
pais e assumem o risco ao cometerem as infrações.
O perfil do jovem de classe média começa quando
ele pergunta “você sabe com quem está falando?”.
No caso dos pitboys, por exemplo, tenta-se punir por formação
de quadrilha, rixa, lesão grave. Ora o indivíduo
é solto, ora é preso", acrescentou Márcio.
O ex-promotor e criminalista Themístocles Faria Lima
concorda com Márcio apenas na questão de que
é preciso tratar os desiguais de forma desigual, por
acreditar que jovens de classe média não deveriam
ficar internados com menores que cometeram crimes mais graves,
como, por exemplo, homicídio.
Classe média
Themístocles atua no caso de um adolescente que se
envolveu numa briga na Boate Baronetti, no início do
ano, ferindo um policial civil que estava no local:
"Não consigo entender a filosofia adotada por
alguns especialistas, inclusive o Ministério Público,
de que o tratamento legal a ser dado aos menores infratores
tem que ser igual para todos. Na medida que o ECA direciona,
acima de tudo, a reinserção social do menor
infrator, não vejo como é possível nivelar
no tratamento legal, adolescentes de diversas camadas sociais.
Entendo que os menores de classe média alta não
podem ser tratados como menores de rua, excepcionalmente quando
eles cometerem condutas graves."
Embora 90% dos adolescentes de classe média sejam
defendidos por advogados particulares, a Defensoria Pública
também tem feito atendimentos destes casos.
As informações são
do jornal O Globo.
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