O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva abusou de seu poder, cometeu
um erro político e outro jurídico ao decidir
expulsar o jornalista americano Larry Rohter do Brasil. A
avaliação é do jurista Fábio Konder
Comparato, para quem a medida é insustentável
pela lei brasileira e pode ser barrada por uma liminar:
”A suspensão da validade do visto só
pode ser feita em casos extremos e, mesmo assim, precedida
de inquérito administrativo. Isto corresponde aos princípios
legais. O jornalista pode recorrer. Pelo menos uma liminar
lhe seria concedida. A meu ver, o governo Lula abusou do poder.
Antes de ser um medida insustentável juridicamente,
foi um erro político”, disse Comparato.
Os ex-ministros da Justiça Miguel Reale Júnior
e José Carlos Dias concordam com Comparato. Segundo
Reale Júnior, o fato de o jornalista ser casado com
uma brasileira agrava ainda mais o erro jurídico do
governo brasileiro:
”Se, por um lado, a notícia foi maldosa, a reação
foi burra. E muitas vezes a burrice é pior que a maldade”.
De acordo com Reale Júnior, a medida foi uma sanção
administrativa unilateral, expedida sem inquérito.
Pela Constituição, o contraditório é
obrigatório também na imposição
de sanções administrativas.
Instrumento de ação política
Para Comparato, não é possível
analisar o caso sem atentar para a possibilidade de o correspondente
ter sido um instrumento de ação política
do governo americano:
”O “New York Times” é um órgão
que sustenta o governo americano. E a reportagem difamando
o presidente Lula ocorre em uma conjuntura política
muito específica.”
Ele argumenta que o fato de o Brasil ter vencido os EUA na
Organização Mundial do Comércio (OMC)
na questão do subsídio ao algodão acirrou
o interesse do jornal. Segundo ele, Lula é considerado
um obstáculo à ação do presidente
George W. Bush contra os presidentes Fidel Castro (Cuba) e
Hugo Chávez (Venezuela).
Reale Júnior disse que Lula errou ao transformar um
ataque pessoal em uma crise sobre a nação:
”Lula deu munição ao governo Bush, criticado
no mundo todo por seu unilateralismo, para criticar a democracia
brasileira.”
Na avaliação dele, a ordem de expulsão
só foi efetivada porque o ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, está na Suíça.
A decisão foi tomada por Lula, que também não
consultou seus assessores na área de mídia.
”Não me surpreende o fato de o ministro não
ter tomado parte nisto. Ele jamais permitiria uma medida dessas,
uma sanção administrativa unilateral, sem inquérito”,
disse.
Já José Carlos Dias considerou inacreditável
que fatos assim aconteçam em um país democrático:
”Essa atitude dá mais visibilidade ao texto
jornalístico que gerou o ato.”
Para Dias, a reportagem é desprezível e não
merecia a reação de Lula.
”Mesmo indignado com a reportagem, jamais poderia aceitar
que atentem contra a liberdade de expressão.”
Para Dias, o governo poderia voltar atrás:
”Sempre existe uma forma de voltar atrás. Confio
muito no ministro da Justiça como conselheiro de Lula.
Quem sabe desse aconselhamento haja uma forma de voltar atrás.”
SORAYA AGGEGE
do jornal O Globo
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