Utilizar
o potencial do jovem que atua no tráfico de drogas
para mudar a si mesmo e a sua comunidade, tornando-se líder
comunitário e modelo para os demais é a melhor
forma de tira-lo da violência armada. Mas isso não
é feito de forma eficaz no Brasil. Essa é a
conclusão do estudo Serviço Jovem - Uma política
de prevenção e alternativas ao envolvimento
de jovens na violência urbana no Brasil, lançado
no último dia 31 de janeiro pelo projeto COAV –
Children in Organized Armed Violence (Crianças e Jovens
em Violência Armada Organizada). A iniciativa é
da ONG Viva Rio e do Instituto de Estudos da Religião
(ISER).
A pesquisa da Coav, coordenada pela pesquisadora Marianna
Olinger, propõe a criação de uma Política
de Serviço Jovem como alternativa para reverter o atual
quadro de envolvimento com a criminalidade. Seria uma abordagem
de ensino e aprendizagem que integra serviço comunitário
com estudo para enriquecer o aprendizado, ensinar responsabilidades
cívicas e fortalecer comunidades. “Sabemos que
os jovens são os principais protagonistas e vítimas
da violência. Só isso já justificaria
o investimento nessa faixa etária. As respostas para
o problema estão nas próprias favelas e subúrbios”,
afirma a pesquisadora.
Em sua proposta de ajudar na formulação de
políticas públicas e ações sociais
mais eficientes, o estudo analisa alguns dos principais programas
executados nesse sentido no Brasil. Destaca o Serviço
Civil Voluntário, desenvolvido em 1997, e o mais recente
Agente Jovem, que atendeu 55 mil adolescentes de 15 a 17 anos
em 2003 visando o desenvolvimento pessoal, social e comunitário.
Aborda ainda a medida socioeducativa de Prestação
de Serviço à Comunidade, aplicada a pessoas
de 12 a 18 anos que cometeram alguma infração.
Registra também a grande quantidade de programas de
prevenção da violência criados nos últimos
anos por ONGs, governos e prefeituras.
A principal crítica da pesquisa aos programas em prática
se dirige à limitações relacionadas aos
conteúdos metodológicos, implementação,
monitoramento, avaliação e alcance do público
em situação de risco. “Temos que investir
mais em monitoramento e avaliação. Poucas organizações
sabem o que acontece com os adolescentes após a conclusão
dos projetos. Isso pode representar um desperdício
enorme de tempo e dinheiro”, diz Marianna Olinger.
Programas não atingem seu público de
forma adequada
O grande foco de atenção do estudo Serviço
Jovem é o tráfico de drogas, apresentado como
um dos maiores impulsores para a entrada desse segmento na
violência. O trabalho aponta a necessidade de diferenciação
no tratamento a crianças e adolescentes atuantes em
posições armadas para os traficantes. Neste
ponto, dirige uma crítica ao fato dos programas no
Brasil se dirigirem ao que se convencionou chamar de “grupo
de risco”, ou seja, os jovens que vivem em regiões
de tensão social. O problema é a diversidade
de tipos existentes nesse grupo, cada um necessitando de estratégias
específicas.
De acordo com a pesquisa, as ações deveriam
atingir os jovens já envolvidos na criminalidade e
atuar para prevenir a entrada de outros, focando em três
grupos: adolescentes em conflito com a lei (cumprindo medida
socioeducativa); envolvidos no trafico de drogas e/ ou em
gangues (não necessariamente em conflito com a lei);
em “situação de risco” pela proximidade
do crime. Neste último grupo, é necessário
diferenciar ainda: aqueles com idade entre 12 e 25 anos que
vivem em famílias com renda per capita de até
½ salário mínimo; com até 18 anos
com o ensino fundamental incompleto; e aqueles que vivem em
áreas com índices de criminalidade muito elevados.
“Existem dezenas de projetos para jovens com IDH baixo
ou cumprindo medidas socioeducativas. Mas faltam principalmente
políticas específicas para adolescentes envolvidos
em violência armada. Os programas que existem hoje dificilmente
atingem quem já está envolvido ou prestes a
entrar no tráfico”, afirma Marianna Olinger.
Jovens do tráfico devem se tornar líderes
comunitários
A pesquisadora da Coav, em seu trabalho, afirma que os programas
para “jovens em situação de risco”
são elaborados para lidar com suas dificuldades, ao
invés de enfatizar suas qualidades e aproveitar suas
capacidades. Ouvindo adolescentes do Complexo da Maré,
no Rio de Janeiro, uma das reclamações mais
evidentes era a falta de participação deles
e da comunidade no delineamento dos programas. Afirmaram também
que estes raramente atendiam às suas reais necessidades.
Com base em suas constatações, Mariana e sua
equipe apresentam uma série de recomendações
para o que seria um programa mais adequado. Dentre elas se
destacam:
- Desenvolver estratégias para cada subgrupo existente
entre os “jovens em situação de risco”.
· Utilizar líderes da própria comunidade
para dialogar com adolescentes já envolvidos com o
crime.
- Colocar jovens que abandonaram o tráfico como modelo
para os demais e deixar que participem do desenho e implementação
do programa.
- Promover a interação entre pessoas que já
estiveram ligadas ao delito com as demais, para diminuir os
estigmas e preconceitos.
- Oferecer aconselhamento e suporte psicológico às
famílias.
- Ter provisão para casos especiais e suporte aqueles
que precisem sair da comunidade em virtude de ameaça
à vida.
- Incluir incentivo financeiro como forma de garantir a permanência
na escola.
- Não realizar o programa com o objetivo único
de inserção no mercado de trabalho. Além
de capacitar os participantes para obterem emprego, a ação
deve desenvolver habilidades para transformação
da comunidade.
“A melhor alternativa entre as opções
limitadas”
Assim é definido o tráfico de drogas na pesquisa
da Coav. De fato, entre 1980 e 2000 o número de crianças
e adolescentes presos no Rio de Janeiro por delitos ligados
somente a esta prática criminosa passou de 100 para
1.584, um aumento de 1.340%. Os dados são da 2ª
Vara da Infância e Juventude do estado, registrados
no livro Crianças do Tráfico, da Viva Rio e
Iser. As razões são a ausência de possibilidades
alternativas de emprego, de ascensão social, de valores
familiares, o status, o dinheiro e o poder que os traficantes
exercem nas favelas.
Jovens matam e morrem mais
Eles compõem 20% de toda a população
brasileira, ou 34 milhões de pessoas, segundo o último
Censo de 2000. São o segmento mais afetado pela violência,
tanto como vítimas quanto como agentes. De acordo com
o Mapa da Violência IV, da Unesco, enquanto a taxa de
mortalidade no Brasil caiu de 633 para 561 por 100 mil habitantes
entre 1980 e 2002, o índice referente aos jovens (15
a 24 anos) passou de 128 para 137 por 100 mil. No mesmo grupo,
a taxa de homicídios nessa faixa etária aumentou
58,2%, passando de 34,5 para 54,7 em uma década (1993
a 2002).
Por outro lado, de acordo com levantamento do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, pessoas de 18 a 24 anos
estão entre a maioria dos condenados por crimes. Representam
53% dos 14.429 processos que entraram na Vara de Execuções
Penais do estado entre 1° de janeiro de 2003 e 31 de julho
de 2004.
Participação dos adolescentes foi fundamental
para o estudo
A elaboração da pesquisa Serviço Jovem,
com duração de sete meses, envolveu estudo de
casos, entrevistas com profissionais com experiência
junto ao público-alvo, especialistas em políticas
públicas e pesquisadores. Mas a parte mais importante
foi a interação com jovens moradores do Complexo
da Maré, zona sul do Rio, participantes do Projeto
Luta pela Paz, da Coav. Os adolescentes entrevistaram outros
jovens da favela, promoveram debates e elaboraram documento
com sugestões de políticas públicas.
O estudo Serviço Jovem urbana no Brasil é resultado
de parceria entre as ONGs Viva Rio e Innovations in Civic
Participation. O documento tem 34 páginas e duas versões,
uma direcionada para governos locais e outra para o governo
federal. Pode ser obtido no site da Coav
.
Informações:
COAV – Children in Organized Armed Violence (Crianças
e Jovens em Violência Armada Organizada)
Mônica Cavalcanti e Adriana Lacerda –assessoras
de imprensa
(21) 2555-3750 ramal 3218 ou 3248
monicacavalcanti@vivario.org.br
As informações são
do site da Andi(Agência de Notícias dos direitos
da infância).
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