O governo
paulista quer triplicar o consumo de gás natural no
Estado até 2010, antecipando o aproveitamento da reserva
descoberta em 2003 na bacia de Santos pela Petrobras - estimada
em 419 bilhões de metros cúbicos.
Hoje, quase 70% do gás consumido em São Paulo
vem da Bolívia. O produto é 21,9% mais caro
que o preço médio do produto produzido no Brasil.
Segundo o governo paulista, antecipar o aproveitamento da
nova reserva traria competitividade para a indústria
brasileira, investimentos em gasodutos interestaduais e aspectos
ambientais relevantes, com a substituição do
óleo combustível e do diesel.
O governo estadual quer que o preço futuro do gás
seja praticado desde já, para estimular a expansão
da demanda e os investimentos na distribuição.
A estimativa é que ele poderá até ser
comercializado a US$ 2 por milhão de BTU (cada BTU
equivale a 26,8 metros cúbicos de gás). O preço
atual gira em torno de US$ 3,36 por milhão de BTU.
Segundo a proposta, o novo preço-base - para os volumes
habituais - seria um mix entre os preços internos e
o do gás boliviano entregue hoje pela Petrobras às
distribuidoras.
Já os volumes adicionais que vierem a ser demandados
pelas distribuidoras seriam fornecidos por US$ 2 por milhão
de BTU. Após quatro anos, a redução sobre
os preços atuais do gás boliviano chegaria a
35% - com a Petrobras bancando o diferencial de preços
da Bolívia.
Novos investimentos
Segundo estimativa da CSPE (Comissão de Serviços
Públicos de Energia), órgão regulador
estadual, tal proposta viabilizaria novos investimentos.
Zevi Kann, comissário-geral da CSPE, estima em R$
1 bilhão os investimentos totais, em cinco anos, na
expansão da rede de gasodutos do Estado de São
Paulo, acelerando a ampliação do mercado consumidor.
Hoje a rede de gasodutos paulista atinge principalmente a
capital, totalizando 407 mil consumidores, a maioria indústrias.
Para ter uma idéia do impacto da redução
dos preços na expansão da demanda, os consumidores
industriais de gás que hoje pagam entre US$ 4,5 e US$
6 por milhão de BTU passariam a pagar entre US$ 3 e
US$ 5.
"Isso estimularia a substituição do óleo
combustível por gás como insumo energético
na indústria", argumenta Kann.
Diferencial
A Petrobras teria um custo com a redução
antecipada de preços, já que venderia o gás
a um preço menor antes mesmo de começar a extrair
o gás de Santos.
Sairiam ganhando as distribuidoras privadas e os consumidores,
caso a redução seja repassada a empresas.
No entanto, segundo o governo paulista, o diferencial de
preços que a Petrobras teria de arcar não configura
um subsídio. "A proposta do governo paulista significaria
uma antecipação, em quatro anos, das receitas
da Petrobras com o gás da bacia de Santos", afirma
Kann.
Esse é o prazo que ele estima que seria necessário
para as distribuidoras ampliarem seus gasodutos, após
a chegada do gás de Santos às suas portas. "Aos
preços atuais, a demanda crescerá lentamente,
e as empresas terão de esperar que o gás de
Santos esteja disponível para iniciar investimentos
na expansão do mercado", diz Kann.
No limite
A Petrobras, no entanto, diz que já opera
no limite dos preços. Segundo Ildo Sauer, diretor de
gás e energia da empresa, desde o início do
ano passado a estatal reduziu o preço do gás
boliviano de US$ 3,60 para US$ 3,36 por milhão de BTU,
graças a acordo com os produtores.
Além disso, desde janeiro deste ano, todo volume que
exceder o consumo médio do ano passado de cada distribuidora
custará US$ 2,70 - abaixo, portanto, dos preços
contratuais. "Estamos no limite dos descontos possíveis.
Mais que isso significaria aumentar os prejuízos da
área de gás", diz Sauer.
No ano passado o setor de gás da estatal registrou
perda de US$ 500 milhões. Sauer diz que as projeções
para este ano são de novos prejuízos.
No balanço de 2003 a empresa já provisionou
perdas de R$ 1,5 bilhão com a área de gás
em 2004, segundo José Carlos Chedeak, diretor da consultoria
AQM Consult (Análise Qualitativa de Mercado).
Parte das perdas - 20% delas, segundo Sauer - é conseqüência
dos contratos firmados no passado no âmbito do acordo
Brasil-Bolívia para fornecimento de gás ao país.
A Petrobras compra 24 milhões de metros cúbicos
de gás, mas só distribui metade disso.
Segundo Sauer, 80% dos prejuízos vêm dos projetos
das termoelétricas às quais a empresa é
associada. "Cada vez que as térmicas do programa
emergencial têm de ser acionadas, aumentam os prejuízos
da Petrobras com o gás, pois elas consomem o gás
boliviano a um preço muito alto", afirma Chedeak.
Ele diz que considera "muito difícil, nesse contexto,
a Petrobras aceitar a proposta do governo paulista".
Doação
Sauer afirma que considera "louvável
o interesse do governador Geraldo Alckmin" na exploração
da bacia de Santos. Mas lembra que não pode fazer uma
gestão de preços no setor que não seja
por critérios empresariais. "Ainda não
temos um cálculo de quanto custará o gás
de Santos: o processo está no início",
afirma.
A Petrobras ainda está medindo os volumes de gás
existentes no bloco de exploração BS 400, no
mar de Santos, para confirmar o tamanho da reserva.
"Depois ainda teremos de desenvolver os projetos para
trazer o gás para a terra, e, só então,
será possível definir uma política de
preços realista."
O processo de exploração e desenvolvimento
da bacia de Santos, segundo ele, poderá demorar entre
quatro e dez anos. "Tudo dependerá dos investimentos
necessários e do dimensionamento do mercado consumidor."
Para Sauer, a proposta do governo paulista de fixar em US$
2 o preço do gás de Santos e antecipar sua vigência
em quatro anos não tem viabilidade econômica.
"Será que o Estado concordaria em reduzir hoje
as tarifas da Cesp [empresa estadual de energia], considerando
que daqui a sete anos entrará em operação
a usina de Belomonte, que vai gerar energia mais barata?",
questiona. Sauer lembra que a Petrobras é uma empresa
de capital aberto: "Eu seria processado pelos acionistas
se fizesse doações", diz.
SANDRA BALBI
da Folha de S.Paulo
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