No
último dia 5 de agosto, a Ação Educativa
- ONG que há dez anos atua nas áreas da educação
e cultura - abriu o auditório de sua sede a educadores,
formuladores de políticas públicas, jovens e
militantes para apresentar e discutir os 14 indicadores de
"boas práticas" voltadas para a juventude
de baixas renda e escolaridade. Os critérios foram
elaborados a partir de uma pesquisa de avaliação
de políticas públicas na Rede Mercocidades,
que vem sendo elaborada, pela Ação Educativa,
em parceria com a ONG chilena CIDPA (Centro de Investigación
y Difusión Poblacional de Achupallas), desde o final
de 2003.
Foram observadas práticas desenvolvidas ou exclusivamente
pelo poder público municipal ou em colaboração
com empresas privadas e organizações sociais,
já que a proposta da Rede - que existe desde 1996 e
atualmente é composta por 91 municípios - é
promover a inserção dessas cidades no processo
de integração regional do Mercosul.
O estudo acaba de entrar em sua quarta etapa e vai acompanhar
quatro experiências consideradas como "boas práticas",
com potencial de articulação de políticas
públicas locais. Até o final do ano, um relatório
mais conclusivo será apresentado. Mas a discussão
é conseqüência de um trabalho realizado
entre 2001 e 2003, quando o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef) convidou diversas organizações
para refletir sobre políticas públicas voltados
para esse público. Até o final de 2003, foram
realizadas diversas conferências. Então, montou-se
um grupo de trabalho para analisar como poderia se avançar
nas discussões e implementar as propostas com melhores
resultados.
Do específico ao geral
A idéia da pesquisa, de acordo com Marilia
Sposito, que coordena o estudo pela Ação Educativa,
era identificar "boas práticas" voltadas
para a juventude com renda e escolaridade baixas, além
de verificar como elas poderiam assinalar caminhos para a
elaboração de uma política pública
adequada para esse público nas mercocidades. Para isso,
foram analisadas 182 práticas com pelo menos dois anos
de existência, localizadas em 35 cidades de seis países
(Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai).
Do total, 101 experiências eram brasileiras.
Marilia ressalta que o levantamento não foi exaustivo
pelo pouco tempo que tinha e porque dependia das informações
passadas por representantes das prefeituras, que nem sempre
conheciam os projetos de forma aprofundada. Mas Oscar Dávila,
coordenador da pesquisa pela CIDPA, afirma que foi encontrada
uma grande diversidade de boas práticas
A partir da análise dessas experiências, foram
construídos 14 indicadores, que vão servir para
ajudar a compreender as práticas destinadas aos jovens
já existentes e vão servir de parâmetro
para a elaboração de novos projetos. São
eles: adequação ao contexto social, inovação,
estratégia, impacto, integralidade, efetividade e sustentabilidade,
participação de todos os atores, associacionismo,
fundamento, replicabilidade, pluralismo, transversalidade,
gênero e etnia. As boas práticas também
devem considerar os jovens como ponto-chave de seu desenvolvimento,
implantação e avaliação.
Durante o evento, Oscar Dávila, lembrou que a participação
da sociedade civil na discussão dos indicadores é
importante porque significa "avançar no reconhecimento
não só territorial do Mercosul, mas de um Mercosul
Social, que vai além das relações políticas
e comerciais previstas". Ele afirmou que é preciso
estabelecer um diálogo permanente sobre políticas
de juventude, tema "que ainda não tem uma conclusão
definitiva, mas conta com uma longa história".
E que a pesquisa traz uma grande contribuição
na área de estudos comparados, tão raros na
América Latina.
Um dos pontos mais importantes constatados pela pesquisa
foi que as práticas voltadas para a juventude de baixa
renda apresentam uma dicotomia muito grande entre a integração
material e a promoção da cidadania. As duas
vertentes de práticas não se articulam, ou seja,
quando o projeto trabalha a auto-estima do jovem, não
propiciar a melhoria dos índices de escolaridade, emprego,
renda e das condições de vida em geral. Ou então,
quando trabalha com a capacitação profissional,
não se preocupa com o desenvolvimento da cidadania.
Assim, segundo Marilia Sposito, o jovem sai do projeto falando
bem, valorizado, mas continua sendo de baixa renda. Aí,
vai procurar um emprego e não encontra, o que volta
a baixar sua auto-estima. "A questão é
como combinar as duas esferas e como chegar a um ponto intermediário
nas duas dimensões juvenis. E qual seria o papel de
um política de juventude nesse sentido", afirma
Oscar Dávila.
Marilia destaca que a maioria das experiências analisadas
trabalhava apenas com a cidadania e a participação
social e não com a dimensão material. Ela disse
que hoje, as próprias entidades financiadoras querem
investir mais na dimensão simbólica porque vêem
um resultado maior nisso, que pode ser quantificado. Mas ela
acredita que a dimensão material não pode ser
deixada de lado. "De que adianta conseguir um bom resultado
e sair do programa com uma elevada auto-estima, se o jovem
continua miserável", questiona.
Outro problema encontrado é a ausência de sistematização
das experiências. "Não existe a cultura
do relatório. No máximo, o relato é feito
oralmente", diz. Isso, na sua avaliação,
dificulta a replicabilidade da prática. Além
disso, a maioria das experiências apresenta uma grande
distância entre o que se diz na teoria e o que é
feito na prática. Dez experiências foram visitadas
pessoalmente pelos pesquisadores e revelaram um panorama muito
distante daquele apresentado no questionário que havia
sido aplicado anteriormente.
A pesquisa também constatou que os agentes que trabalham
com jovens carecem de formação. Apenas um programa
municipal analisado oferecia formação continuada
aos agentes. Em geral, as políticas da juventude também
não estão articuladas com os demais serviços
públicos (o jovem sabe, por exemplo, que deve ir ao
posto de saúde para pedir preservativos mas, quando
vai, o posto não autoriza a retirada do material).
Os pesquisadores afirmaram também que ações
intersetoriais, desenvolvidas por diversas secretarias ao
mesmo tempo, têm mais chances de serem exitosas. Eles
acreditam que uma boa prática isolada não leva
ao desenho de uma política municipal. E consideram
que a capacidade que uma prática tem de articular pessoas,
exigir que o poder público municipal crie novas políticas
municipais é importante. O sucesso da prática
depende ainda da "vontade política", ou seja,
é preciso definir se o programa é encarado como
prioritário ou não pela administração
pública.
LAURA GIANNECCNHINI
do site setor3
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