Sobram
desperdícios, abusos, desmandos, desvios, transações
suspeitas, Tesouros dilapidados e contas rejeitadas em 22,98%
das prefeituras de São Paulo. O mapa do descaminho
nas administrações municipais, desenhado pelo
Tribunal de Contas do Estado, mostra que uma em cada quatro
prefeituras transgride a Lei de Responsabilidade Fiscal e
normas constitucionais, como a que obriga o Executivo a aplicar
no ensino 25% da receita corrente líquida (soma da
coleta tributária).
O rastreamento, concluído em dezembro, cobre os exercícios
de 2002 e 2003. Ele mostra que 148 dos 644 municípios
paulistas - a capital fica fora porque é fiscalizada
por outra corte, o Tribunal de Contas Municipal - tiveram
suas contas reprovadas em 2002, índice repetido no
ano seguinte.
O déficit orçamentário e o aumento do
nível de endividamento de curto e/ou longo prazos são
práticas comuns das administrações. O
mapa do TCE indica que 111 prefeituras foram flagradas nesta
situação. Outras 50 violaram o artigo 212 da
Constituição, que impõe um porcentual
mínimo para o ensino, 34 burlaram a Lei de Licitações
e apresentaram resultado financeiro, econômico e patrimonial
negativos, 32 aumentaram a dívida ativa, 29 entregaram
demonstrações contábeis irreais, 27 fizeram
despesas com pessoal acima do limite da regra fiscal.
Cobrança
Como o quadro é cumulativo, uma mesma prefeitura
pode ter sido enquadrada por várias ilegalidades. O
tribunal condenou 29 prefeituras por não fazerem empenhos
para pagamento de precatórios judiciais, 26 por investirem
recursos das multas de trânsito em outras finalidades,
23 por abrirem créditos adicionais sem recursos financeiros,
22 por inoperância ou ineficiência na cobrança
de créditos inscritos na dívida ativa e 20 por
falta de recolhimento de encargos sociais.
Só há três semanas o TCE conseguiu encerrar
o exame das contas relativas àquele período
porque é um trabalho árduo, minucioso e que
requer atenção redobrada para evitar que os
conselheiros incorram em erros no julgamento. Os auditores
enfrentam montanhas de documentos, levam meses debruçados
sobre papéis bancários, contábeis e fiscais,
conferem dados e números e, depois, revisam tudo. Ainda
assim, o maior tribunal de contas estadual do País
bateu seu próprio recorde - fechou o ano com 17.409
processos julgados.
O exercício de 2004 será objeto de apreciação
do TCE a partir de abril. Os prefeitos têm prazo legal
até 31 de março para enviar as suas informações.
Com base na Lei Fiscal, o tribunal apurou que 294 municípios
paulistas aumentaram as despesas entre 2002 e 2003. Nos dois
anos, 218 municípios aumentaram sua arrecadação.
Em 2003, a coleta das prefeituras registrou um crescimento
total de 6,07% e a despesa realizada, de 10,47%. Os 644 municípios
captaram R$ 44,99 bilhões, acréscimo equivalente
a 6,07%, de 2003 para 2002.
Dívida
A dívida ativa de 243 municípios cresceu
mais de 20%, em 2002. No ano seguinte, 229 municípios
suportaram avanço da dívida na mesma proporção.
O raio-X aponta que, em ano de eleição, parte
das prefeituras costuma aumentar suas despesas com a contratação
de pessoal. Em 1999, 31 prefeituras admitiram servidores.
Em 2000, ano de pleito, quase dobrou (foram 60) o número
de administrações que abriu as portas para novos
funcionários, a maioria sem concurso. Em 2003, apenas
dez prefeituras caíram no erro.
O mapa do TCE informa que, em 2003, 176 municípios
reduziram a arrecadação. As demais, 468, aumentaram.
Para o presidente do TCE, conselheiro Renato Martins Costa,
a lei fiscal obrigou os administradores a apertarem o cinto
para ajustar o caixa.
"Os resultados nas contas públicas nos últimos
quatro anos mostram que a maioria dos prefeitos escolheu o
caminho certo, estão empenhados em manter o equilíbrio
orçamentário", avalia o presidente do TCE.
"Essa lei não pode mudar, para o bem do país."
Em dezembro, Renato Costa reuniu todos os prefeitos para alertá-los
sobre os rigores da lei fiscal. "O encargo que vocês
estão assumindo exige responsabilidade, dedicação
e cuidados extraordinários", alertou. "Toda
ação político-administrativa se lastreia
em dinheiro público, derivado dos impostos, taxas e
contribuições, com tanto custo e sacrifício
pago pelos cidadãos."
Renato Costa entregou aos prefeitos um guia no qual enumera
"os motivos mais freqüentes" da rejeição
de contas pela Corte que dirige. "O tribunal tem a missão
de orientar, mas não vai deixar de punir aquele que
ignorar as imposições legais", avisou.
Ele observa que o aumento de receita implica na arrecadação.
"É uma das obrigações do administrador,
como manda a Lei Fiscal", enfatiza. "Como contribuinte
a gente pode reclamar, é antipático, mas o poder
público tem obrigação de arrecadar todos
os tributos, taxas e contribuições que a lei
prevê."
"O prefeito não pode invadir o bolso do contribuinte
de forma ilegal, mas tudo o que a lei permite cobrar ele é
obrigado a cobrar, sob pena de estar prevaricando", avisa
Renato Costa. "Ele tem que arrumar impostos dentro do
limite constitucional. Não pode beneficiar contribuintes,
livrando-os do imposto territorial, por exemplo. Pode até
fazer diferenciações, desonerando os de baixa
renda. Mas a lei o obriga a arrecadar. Não é
farra, é arrecadação compulsória,
o administrador não tem o direito de não arrecadar."
FAUSTO MACEDO
do jornal O Estado de S. Paulo
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