|
Ecstasy,
maconha, cocaína e quetamina. O que parece o resultado
de uma apreensão de entorpecentes feita pela polícia
é, na verdade, uma das várias combinações
de drogas que vêm sendo ingeridas por usuários
em uma só noite.
Esses experimentos kamikazes alavancam os já altos
riscos de consumo de drogas ilícitas e têm desafiado
especialistas em dependência e prevenção,
que ainda não conseguem prever os perigos imediatos
e os efeitos a longo prazo desses coquetéis.
Três psiquiatras consultados pela Folha confirmam: usuários
de coquetéis de drogas já bateram à porta
de seus consultórios, e a demanda por tratamento só
aumentou no último ano.
A idéia de transcender a consciência, própria
dos anos 60 e 70, foi enterrada pela busca individual e imediata
do prazer físico, potencializada agora por essas misturas.
Muitas delas ainda levam um ingrediente extra: o Viagra, o
mais popular medicamento para disfunção erétil.
E, aí, vale tudo: ecstasy com cocaína e Viagra,
anfetaminas com ecstasy e Viagra, ecstasy com cocaína,
Viagra e quetamina (tipo de anestésico), e por aí
vai.
Nos Estados Unidos, essas experiências com combinações
de drogas ganharam até um site, no qual usuários
relatam o que usaram e quais os efeitos obtidos (www.erowid.org/experiences).
Até pouco tempo atrás, especialmente na Europa,
o máximo da perversão psicotrópica era
usar o chamado "speedball", uma associação
de heroína e cocaína. Hoje, no Brasil, uma mistura
de fabricação caseira é experimentada
em festas de classe média alta: o "trimix",
uma combinação explosiva de ecstasy, Viagra
e ácido lisérgico usada por turmas de São
Paulo e do Rio.
"Tomei em umas festas que costumávamos chamar
de hospício, de tão loucas que as pessoas ficavam.
O pessoal encomendava a mistura a algum traficante, que fabrica
as cápsulas de forma caseira. E o pessoal envolvido
não abre a história para ninguém, porque
morre de medo da polícia", relata Mauro (nome
fictício), 30, que afirma ter se afastado da "galera
trimix" após perceber que estava entrando numa
pior.
"Com trimix, em geral sentia um calor intenso e muita
sensibilidade para qualquer toque ou som." Segundo Mauro,
o trimix dá uma "falsa percepção
de que a maioria das pessoas é interessante e atraente",
altera a percepção visual, aumenta muito a libido
e promove "ereção prolongadíssima
e performance sexual extremamente potencializada, além
de liberar seus desejos mais ocultos".
Parece bom? "A longo prazo, já vi casos de problemas
cardíacos, depressão e impotência por
uso do trimix", diz o ex-usuário.
"Existe realmente uma tendência de misturar drogas
ilícitas. E é óbvio que ficar brincando
de alquimista com a própria cabeça aumenta o
risco de que algo muito errado aconteça", afirma
Rolando Laranjeira, coordenador da Uniad (Unidade de Álcool
e Drogas) da Universidade Federal de São Paulo. "O
Viagra ainda potencializa essas combinações."
Márcia Kayath, gerente de saúde masculina da
Pfizer, fabricante do Viagra, diz que a empresa só
incentiva o uso do medicamento para casos de disfunção
erétil. Segundo ela, "o Viagra só é
vendido sob prescrição médica".
Na prática, porém, usuários dizem que
é fácil comprá-lo sem receita.
Sexo artificial
Segundo quem mistura Viagra com drogas ilícitas,
o remédio potencializa os efeitos das drogas tomadas
e ainda funciona como garantia de uma superperformance sexual
no final da balada.
"O corpo pode estar supercansado, mas, ao menor estímulo,
você fica excitado e consegue transar por horas e horas",
diz o publicitário Paulo (nome fictício), 22,
que costuma fazer misturas com Viagra e já provou o
trimix.
"É uma fórmula do diabo", avalia o
psiquiatra Elisaldo Araújo Carlini, diretor do Cebrid
(Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas), da Unifesp. "Algumas drogas aumentam
a libido mas nem sempre permitem uma ereção.
Se o corpo não reage ao estímulo e o sujeito
vai lá e toma um Viagra, ele acabará fazendo
um esforço que vai além de sua capacidade física
naquele momento. Isso sobrecarrega o coração,
o que pode gerar taquicardia ou mesmo infarto."
A diretora do programa de saúde urbana da Universidade
Harvard (EUA), Patricia Case, em entrevista à Associated
Press, alertou que "já houve casos de morte pelo
uso de Viagra com drogas ilícitas" naquele país.
"Eles só não foram divulgados", disse.
"As pessoas ficaram enlouquecidas com as promessas do
Viagra e, ao associá-lo a drogas, sabem que estão
correndo riscos. Não se pode usar drogas de qualquer
maneira", afirma Mônica Gorgulho, presidente da
Rede Brasileira de Redução de Danos.
"É hedonismo puro", diz o psiquiatra Alexandre
Saabeh, do Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas,
que afirma ter relatos de coquetéis de drogas envolvendo
Viagra feitos por adolescentes. "O usuário reforça
o contato físico e a potência sexual, mas obtém
isso de forma artificial", diz. "Pior: o custo disso
só vamos saber daqui a algum tempo."
FERNANDA MENA
da Folha de S.Paulo
|