Fundada há 10 anos, a Ação Educativa
é uma ONG com atuação reconhecida nas
áreas de educação e juventude. Sua linha
de trabalho está voltada à formação
de educadores e jovens, animação cultural, pesquisa,
informação, assessoria a políticas públicas,
participação em redes e outras articulações
interinstitucionais.
Coordenadora dos programas de Educação de
Jovens e Adultos, Cláudia Vóvio explica que
a ONG não presta atendimento direto aos educandos.
"Temos duas salas [na sede], mas não temos isso
na nossa missão. As salas aqui têm finalidade
de servir como laboratório para formação
de Educadores", esclarece.
A Ação Educativa trabalha ainda na elaboração
de material didático e na área de pesquisa que
resulta na proposição de projetos, além
de discussões das políticas públicas
voltadas à educação. Mas o programa de
maior expressão, segundo Cláudia Vóvio,
é a Educação de Jovens e Adultos.
No mês de julho, a Ação Educativa realizou
a 7ª edição do Seminário de Educação
de Jovens e Adultos. Ao contrário dos outros anos,
em que o tema do encontro foi mais voltado ao debate de políticas
públicas, a discussão deste ano foi sobre a
relação entre "Múltiplas Linguagens
e Educação". Cláudia esclarece que
a motivação para a escolha deste tema foi perceber
que nos últimos anos de trabalhos com formação
de educadores, além das questões inerentes à
Educação de Jovens e Adultos, outros conteúdos
ficavam de fora. Atividades que utilizam os recursos da música,
do teatro e das artes já aconteciam normalmente nas
salas, mas não estavam sistematizadas. "Nós
começamos a fazer essa discussão para pensar
em como colocar essa questão em pauta. Às vezes
o ensino fica muito funcional. Mas foi experimentando essas
linguagens que os educadores vivenciaram um maior desenvolvimento
pessoal e começaram a se abrir outras possibilidades
de trabalho", afirmou.
Mas nem sempre levar essas linguagens para a sala de aula
é tarefa simples. Muitas vezes, os alunos, mesmo quando
tiveram pouco ou nenhum contato com o ensino formal, ficam
ansiosos e cobram aulas mais "tradicionais", ou
seja, com o uso de material didático como as antigas
cartilhas e recursos como cópias que nem sempre ensinam
como deveriam.
Para Cláudia Vóvio, essa é uma questão
que causa ansiedade também nos educadores. Sendo assim,
em seus programas de formação, a Ação
Educativa põe os educadores em contato com essas linguagens
alternativas para que eles possam repensar sua prática
profissional. "Queremos fazer com os educadores o que
achamos importante que se faça com os educandos".
Durante os três dias de seminário, os 160 participantes
de diversas cidades das Regiões Sudeste e Sul do país
(embora o evento fosse aberto para educadores de todo o Brasil)
tiveram acesso às técnicas para utilização
do teatro, da música, de textos literários não
didáticos e outros recursos que podem ser explorados
na sala de aula.
"Não importa o que a escrita faz com as pessoas,
mas sim o que as pessoas fazem com a escrita" David Olson
Abrindo as discussões do encontro, Vera Masagão,
coordenadora executiva da Ação Educativa, falou
sobre o conceito de letramento e suas implicações
pedagógicas. Vera explicou que essa idéia, discutida
por especialistas já nos anos 60, é algo fundamentalmente
interdisciplinar, que engloba a História, a Antropologia
e Lingüística, por exemplo.
Para introduzir sua apresentação, Vera explicou
o processo que se deu desde a implementação
da linguagem escrita ao surgimento dos meios de comunicação
de massa. Segundo ela, a disseminação do áudio-visual
"mudou tudo". "Antes a linguagem escrita era
basicamente o único meio pelo qual se registrava e
se comunicava".
Ela disse ainda que a idéia de que o surgimento da
escrita tenha sido um divisor de águas para a humanidade
começou logo a ser questionada. A relação
entre crescimento econômico e alfabetização
também foi colocada em dúvida pela educadora.
Segundo Vera Masagão, na Europa, a mudança foi
muito anterior à alfabetização. É
justamente nessa dimensão social, "com implicações
culturais e políticas" que, segundo Vera, está
baseado o conceito de letramento.
Mas nem sempre é dessa relação entre
o aprender a ler e a escrever que as dimensões sociais
são postas em prática. De acordo com Vera, as
escolas em geral, ainda têm uma "visão passadista
ao perceber a escrita como o principal acesso ao legado cultural".
Já na Educação de Jovens e Adultos (EJA),
isso acontece com mais freqüência. "Não
é à toa que Paulo Freire surge na EJA. Precisamos
de uma transformação radical na cultura escolar.
Mudar totalmente a forma como a gente vê a educação
escolar", analisou.
Educação e Política
Assim que começou sua apresentação,
Luis Persival, presidente da Associação de Leitura
do Brasil (ALB), propôs mudar o nome da conferência
de "Literatura e Educação" para "Educação
e Literatura. "Parece nada, mas é tudo",
disse o educador.
Justificando-se por deixar o tema de sua fala para o fim,
Persival optou por abordar primeiramente a "Educação
em Si e no Brasil". Para ele, um dos principais problemas
enfrentados aqui é que os que "falam o que os
educadores têm de fazer, não são educadores".
Para ele, esse distanciamento e falta de familiaridade dificulta
a transmissão de conhecimentos.
Por outro lado, ele lembrou que não é somente
no letramento que se encontram as respostas para todos esse
problemas. "Eu não vejo nenhuma novidade nesse
debate [sobre o letramento]", afirmou.
Para ele, "a Educação é Política
e não técnica". Sendo assim, ele vê
o educador como um líder político e a educação
como algo totalmente atrelado às questões sociais
de um país. "Se compararmos a educação
brasileira com a uruguaia ou argentina, veremos que antes
eles estavam melhores, mas, com a crise instalada naqueles
países, eles estão destruindo a capacidade das
pessoas. A escola não é independente da condição
econômica e social", ressaltou.
Persival acredita que o baixo rendimento escolar está
diretamente associado à condição social
do país. "Nenhuma criança das melhores
escolas vai chegar analfabeta à 5ª série.
Não é porque os professores são melhores,
mas porque as condições são melhores",
comentou.
Finalmente, introduzindo o tema literatura ao debate, Persival
disse acreditar que nos últimos tempos, "os livros
didáticos mudaram porque a família mudou como
célula de produção". Segundo ele,
hoje na sociedade capitalista estabelecida, a produção
é tarefa do indivíduo e não mais de seu
grupo familiar.
Mas em relação aos textos não didáticos,
o educador acredita que sua utilização representa
uma dificuldade, porque "não há na arte
necessariamente um princípio fundamental que faça
dela algo que vá além de ser um objeto de consumo".
Ele entende que a concepção de arte parece incompatível
com uma sociedade solidária.
Persival concorda, entretanto, que literatura "não
é fácil nem para fazer, nem para sentir".
O educador acredita que para a literatura ser incorporada
à escola é necessário que se faça
antes um projeto pedagógico que a comporte. Mas, para
ele, "não se muda a escola sem mudar a sociedade".
Nessa mudança estaria inserido também um desafio
que seria o de descobrir "como dialogar com a realidade
do aluno no coletivo e na singularidade de maneira a permitir
que convivam com outras experiências". Persival
acredita que para conseguir isso, o educador necessita primeiro
mudar sua mentalidade. "Precisamos parar de achar que
somos deuses. O sujeito não é feito na escola",
alertou.
Música na Sala de Aula
Acompanhando a oficina ministrada pelo músico
e arte-educador Irajá Pinto de Menezes, senti por alguns
instantes o que é não ser alfabetizado.
Logo no início do encontro, Irajá propôs
que escrevêssemos uma música baseada num fundo
musical que colocou para ouvirmos. Nosso objetivo não
era escrever uma letra para a música, mas sim escrever
suas notas ou o que imaginássemos ser correto.
Como resultado, apareceram as mais diversas representações
do que seria aquela música para cada um de nós.
Desde as mais simples às mais próximas de uma
partitura. Eu, como não tenho nenhuma habilidade musical
escrevi como achava que seria e fiquei bem distante do que
seria mais "correto". O arte educador explicou que
seu objetivo com o exercício era fazer uma "analogia
entre o trabalho de alfabetização de jovens
e adultos e a alfabetizar-se musicalmente".
Independente dos resultados, Irajá queria demonstrar
que todos se "viraram com o que sabiam e usando seus
conhecimentos prévios". É assim também
que a maioria dos jovens e adultos chega à sala de
aula. "Mas, em relação à música,
nós vivemos muito bem sem aprender a ler ou escrevê-la",
ressalta.
Para Irajá é fundamental que o educador constantemente
saiba se colocar no ponto de vista do aluno e perceber as
dificuldades que as pessoas que não têm acesso
ao código podem ter.
Outra questão importante trazida pelo músico
é o respeito que o educador deve ter ao repertório
musical do aluno. É importante levar músicas
de qualidade e que permitam um trabalho produtivo, entretanto,
o gosto dos estudantes deve ser considerado. "A partir
da adolescência todo mundo começa a fazer parte
de grupos. Parece que esse comportamento "tribal"
é dominante. Por isso, o educador tem que tomar muito
cuidado ao questionar o repertório do aluno",
explica.
DANEILA MARQUES
do site setor 3
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