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ensino
22/07/2004
Especialistas debatem caminhos da Educação de Jovens e Adultos

Fundada há 10 anos, a Ação Educativa é uma ONG com atuação reconhecida nas áreas de educação e juventude. Sua linha de trabalho está voltada à formação de educadores e jovens, animação cultural, pesquisa, informação, assessoria a políticas públicas, participação em redes e outras articulações interinstitucionais.

Coordenadora dos programas de Educação de Jovens e Adultos, Cláudia Vóvio explica que a ONG não presta atendimento direto aos educandos. "Temos duas salas [na sede], mas não temos isso na nossa missão. As salas aqui têm finalidade de servir como laboratório para formação de Educadores", esclarece.

A Ação Educativa trabalha ainda na elaboração de material didático e na área de pesquisa que resulta na proposição de projetos, além de discussões das políticas públicas voltadas à educação. Mas o programa de maior expressão, segundo Cláudia Vóvio, é a Educação de Jovens e Adultos.

No mês de julho, a Ação Educativa realizou a 7ª edição do Seminário de Educação de Jovens e Adultos. Ao contrário dos outros anos, em que o tema do encontro foi mais voltado ao debate de políticas públicas, a discussão deste ano foi sobre a relação entre "Múltiplas Linguagens e Educação". Cláudia esclarece que a motivação para a escolha deste tema foi perceber que nos últimos anos de trabalhos com formação de educadores, além das questões inerentes à Educação de Jovens e Adultos, outros conteúdos ficavam de fora. Atividades que utilizam os recursos da música, do teatro e das artes já aconteciam normalmente nas salas, mas não estavam sistematizadas. "Nós começamos a fazer essa discussão para pensar em como colocar essa questão em pauta. Às vezes o ensino fica muito funcional. Mas foi experimentando essas linguagens que os educadores vivenciaram um maior desenvolvimento pessoal e começaram a se abrir outras possibilidades de trabalho", afirmou.

Mas nem sempre levar essas linguagens para a sala de aula é tarefa simples. Muitas vezes, os alunos, mesmo quando tiveram pouco ou nenhum contato com o ensino formal, ficam ansiosos e cobram aulas mais "tradicionais", ou seja, com o uso de material didático como as antigas cartilhas e recursos como cópias que nem sempre ensinam como deveriam.

Para Cláudia Vóvio, essa é uma questão que causa ansiedade também nos educadores. Sendo assim, em seus programas de formação, a Ação Educativa põe os educadores em contato com essas linguagens alternativas para que eles possam repensar sua prática profissional. "Queremos fazer com os educadores o que achamos importante que se faça com os educandos".

Durante os três dias de seminário, os 160 participantes de diversas cidades das Regiões Sudeste e Sul do país (embora o evento fosse aberto para educadores de todo o Brasil) tiveram acesso às técnicas para utilização do teatro, da música, de textos literários não didáticos e outros recursos que podem ser explorados na sala de aula.

"Não importa o que a escrita faz com as pessoas, mas sim o que as pessoas fazem com a escrita" David Olson

Abrindo as discussões do encontro, Vera Masagão, coordenadora executiva da Ação Educativa, falou sobre o conceito de letramento e suas implicações pedagógicas. Vera explicou que essa idéia, discutida por especialistas já nos anos 60, é algo fundamentalmente interdisciplinar, que engloba a História, a Antropologia e Lingüística, por exemplo.

Para introduzir sua apresentação, Vera explicou o processo que se deu desde a implementação da linguagem escrita ao surgimento dos meios de comunicação de massa. Segundo ela, a disseminação do áudio-visual "mudou tudo". "Antes a linguagem escrita era basicamente o único meio pelo qual se registrava e se comunicava".

Ela disse ainda que a idéia de que o surgimento da escrita tenha sido um divisor de águas para a humanidade começou logo a ser questionada. A relação entre crescimento econômico e alfabetização também foi colocada em dúvida pela educadora. Segundo Vera Masagão, na Europa, a mudança foi muito anterior à alfabetização. É justamente nessa dimensão social, "com implicações culturais e políticas" que, segundo Vera, está baseado o conceito de letramento.

Mas nem sempre é dessa relação entre o aprender a ler e a escrever que as dimensões sociais são postas em prática. De acordo com Vera, as escolas em geral, ainda têm uma "visão passadista ao perceber a escrita como o principal acesso ao legado cultural". Já na Educação de Jovens e Adultos (EJA), isso acontece com mais freqüência. "Não é à toa que Paulo Freire surge na EJA. Precisamos de uma transformação radical na cultura escolar. Mudar totalmente a forma como a gente vê a educação escolar", analisou.

Educação e Política
Assim que começou sua apresentação, Luis Persival, presidente da Associação de Leitura do Brasil (ALB), propôs mudar o nome da conferência de "Literatura e Educação" para "Educação e Literatura. "Parece nada, mas é tudo", disse o educador.

Justificando-se por deixar o tema de sua fala para o fim, Persival optou por abordar primeiramente a "Educação em Si e no Brasil". Para ele, um dos principais problemas enfrentados aqui é que os que "falam o que os educadores têm de fazer, não são educadores". Para ele, esse distanciamento e falta de familiaridade dificulta a transmissão de conhecimentos.

Por outro lado, ele lembrou que não é somente no letramento que se encontram as respostas para todos esse problemas. "Eu não vejo nenhuma novidade nesse debate [sobre o letramento]", afirmou.

Para ele, "a Educação é Política e não técnica". Sendo assim, ele vê o educador como um líder político e a educação como algo totalmente atrelado às questões sociais de um país. "Se compararmos a educação brasileira com a uruguaia ou argentina, veremos que antes eles estavam melhores, mas, com a crise instalada naqueles países, eles estão destruindo a capacidade das pessoas. A escola não é independente da condição econômica e social", ressaltou.

Persival acredita que o baixo rendimento escolar está diretamente associado à condição social do país. "Nenhuma criança das melhores escolas vai chegar analfabeta à 5ª série. Não é porque os professores são melhores, mas porque as condições são melhores", comentou.

Finalmente, introduzindo o tema literatura ao debate, Persival disse acreditar que nos últimos tempos, "os livros didáticos mudaram porque a família mudou como célula de produção". Segundo ele, hoje na sociedade capitalista estabelecida, a produção é tarefa do indivíduo e não mais de seu grupo familiar.

Mas em relação aos textos não didáticos, o educador acredita que sua utilização representa uma dificuldade, porque "não há na arte necessariamente um princípio fundamental que faça dela algo que vá além de ser um objeto de consumo". Ele entende que a concepção de arte parece incompatível com uma sociedade solidária.

Persival concorda, entretanto, que literatura "não é fácil nem para fazer, nem para sentir". O educador acredita que para a literatura ser incorporada à escola é necessário que se faça antes um projeto pedagógico que a comporte. Mas, para ele, "não se muda a escola sem mudar a sociedade".

Nessa mudança estaria inserido também um desafio que seria o de descobrir "como dialogar com a realidade do aluno no coletivo e na singularidade de maneira a permitir que convivam com outras experiências". Persival acredita que para conseguir isso, o educador necessita primeiro mudar sua mentalidade. "Precisamos parar de achar que somos deuses. O sujeito não é feito na escola", alertou.

Música na Sala de Aula
Acompanhando a oficina ministrada pelo músico e arte-educador Irajá Pinto de Menezes, senti por alguns instantes o que é não ser alfabetizado.

Logo no início do encontro, Irajá propôs que escrevêssemos uma música baseada num fundo musical que colocou para ouvirmos. Nosso objetivo não era escrever uma letra para a música, mas sim escrever suas notas ou o que imaginássemos ser correto.

Como resultado, apareceram as mais diversas representações do que seria aquela música para cada um de nós. Desde as mais simples às mais próximas de uma partitura. Eu, como não tenho nenhuma habilidade musical escrevi como achava que seria e fiquei bem distante do que seria mais "correto". O arte educador explicou que seu objetivo com o exercício era fazer uma "analogia entre o trabalho de alfabetização de jovens e adultos e a alfabetizar-se musicalmente".

Independente dos resultados, Irajá queria demonstrar que todos se "viraram com o que sabiam e usando seus conhecimentos prévios". É assim também que a maioria dos jovens e adultos chega à sala de aula. "Mas, em relação à música, nós vivemos muito bem sem aprender a ler ou escrevê-la", ressalta.

Para Irajá é fundamental que o educador constantemente saiba se colocar no ponto de vista do aluno e perceber as dificuldades que as pessoas que não têm acesso ao código podem ter.

Outra questão importante trazida pelo músico é o respeito que o educador deve ter ao repertório musical do aluno. É importante levar músicas de qualidade e que permitam um trabalho produtivo, entretanto, o gosto dos estudantes deve ser considerado. "A partir da adolescência todo mundo começa a fazer parte de grupos. Parece que esse comportamento "tribal" é dominante. Por isso, o educador tem que tomar muito cuidado ao questionar o repertório do aluno", explica.

 

DANEILA MARQUES
do site setor 3

   
 
 
 

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