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A forte
queda do dólar tem beneficiado as famílias de
renda menor, ao reduzir o preço de importantes alimentos
da cesta básica. É o que mostra levantamento
realizado pela Folha com base em dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística).
O peso de produtos essenciais influenciados pela cotação
da moeda norte-americana é maior no orçamento
das famílias que ganham menos. Muitos desses itens
registraram queda em outubro: farinha de trigo (3,09%), óleo
de soja (2,68%), margarina (2,03%), biscoito (1,42%), pão
francês (1,14%), café moído (0,25%) e
açúcar cristal (0,45%).
A taxa de câmbio começou a cair com intensidade
em meados deste ano -a moeda dos EUA iniciou o semestre a
R$ 3,15 e ao final de outubro já estava a R$ 2,85,
segundo o Banco Central.
O dólar influencia os preços dos alimentos em
duas frentes: nos produtos feitos a partir de matérias-primas
diretamente importadas e nos insumos cotados no mercado internacional
em moeda forte, como a soja e o trigo.
"Sem dúvida, a queda do dólar dá
a sensação de melhora da renda real para as
famílias que ganham menos. Sempre existem certos suspiros
de consumo em razão do dólar mais baixo. Foi
assim no começo do plano real", afirma Carlos
Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central e economista
da CNC (Confederação Nacional do Comércio).
Ao analisar os dados do INPC (Índice Nacional de Preços
ao Consumidor), que mede a inflação para as
famílias com rendimento menor -até oito salários
mínimos-, fica claro o efeito favorável para
quem tem rendimento menor. Para esse grupo, os preços
dos alimentos caíram 0,57% em outubro. Já para
a parcela que recebe até 40 mínimos (agrupada
em outro índice, o IPCA), a deflação
foi de 0,23%.
O motivo é que a alimentação tem peso
maior no consumo de quem ganha menos. Sua contribuição
é de 30,41% no INPC. Já no IPCA o peso é
menor -22,93%.
Alex Agostini, economista da GRC Visão, concorda que
a recente trajetória da inflação beneficia
os mais pobres: "A queda da inflação tem
realmente favorecido as famílias de baixa renda".
A diferença entre o resultado fechado de outubro do
IPCA e do INPC também revela esse impacto. Enquanto
o IPCA foi de 0,44%, o INPC atingiu apenas 0,17%.
Sob o impulso do dólar, diz Freitas, o comércio
venderá mais neste Natal, já que os alimentos
importados típicos da época e mesmo bens mais
essenciais, cujos preços são influenciados pela
moeda norte-americana, vão ficar mais baratos. Os economistas
lembram ainda que a retração dos preços
dos alimentos, especialmente dos in natura (leite, ovos, hortaliças
e outros) e dos que sofrem impacto do dólar, está
ajudando a conter a inflação.
Neste ano, para quem tem renda mais baixa, o grupo alimentos
e bebidas subiu bem menos do que a inflação
média. A alta foi de 2,32%. A maioria dos produtos
listados subiu menos do que a variação média
dos índices de preços -a inflação
até setembro pelo INPC ficou em 4,77%. São exceções
o açúcar e o café, que, por problemas
climáticos, subiram com força no início
do ano.
Um dos itens que mais contribuíram para a redução
da inflação foi o óleo de soja, com queda
de 4,38% neste ano. Dessa lista, óleo de soja e pão
francês estão entre os produtos que mais pesam
no grupo alimentação.
Consumidores atestam a recente queda dos preços. "Fui
ao supermercado e vi que óleo de soja estava em promoção.
Aproveitei e comprei duas garrafas plásticas. Realmente,
está bem mais barato. Acho que paguei R$ 1,75. Antes,
estava quase R$ 3", disse a dona-de-casa Maria Mavilde
Moreira Teixeira, moradora de Botafogo, que vai quase todos
os dias ao supermercado. Segundo ela, também baixaram,
mas com menos intensidade, os preços do açúcar,
dos biscoitos e do pão. "Só a farinha está
a mesma coisa."
Fábio Romão, economista da LCA, pondera que
a retração dos preços dos alimentos já
é um fenômeno estrutural da economia brasileira,
iniciado com o Plano Real e mais claramente identificado de
1995 a 1998. "É o período da chamada âncora
verde."
Além das flutuações do dólar,
tanto para cima como para baixo, afirma, os alimentos foram
influenciados por várias mudanças econômicas.
Uma delas é o ganho de produtividade no campo e na
indústria, que ampliou a oferta de alimentos. "Também
favoreceu o recuo dos preços o maior poder de barganha
do varejo, que se tornou um gigante a ponto de cobrar da indústria
descontos", diz.
Além do efeito dólar, o fato de os combustíveis
terem peso maior na inflação de quem ganha mais
ajudou a elevar a distância entre o INPC e o IPCA. O
peso da gasolina no IPCA é de 4,02%, um dos produtos
que mais influenciam a inflação. Já no
INPC a participação é menor: 2,09%. A
gasolina subiu 6,40% neste ano no IPCA. No INPC, a alta foi
de 6,61%.
PEDRO SOARES
da Folha de S.Paulo |