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Há
alguns meses o Governo Federal vem anunciando um pacote de
medidas que promete fazer de 2005 "o ano da inclusão
digital no país". O Orçamento Geral da
União prevê para este ano R$ 204 milhões
destinados à criação de mil "Casas
Brasil", telecentros que pretendem reunir computadores
com acesso à Internet, pontos de cultura e rádios
comunitárias. O objetivo é aproximar as novas
tecnologias da população das classes D e E,
segundo informou o Secretário de Logística e
Tecnologia da Informação do Ministério
do Planejamento, Rogério Santanna, em entrevista à
Agência Brasil em fevereiro. Segundo o site IDBrasil,
hoje o país conta com cerca de 3200 pontos de acesso
gratuito à Internet.
O Plano Brasileiro da Inclusão Digital pretende ainda
tirar do papel o programa "PC Conectado", no qual
famílias que ganham acima de cinco salários
mínimos poderão comprar computadores em parcelas
de R$ 50. O Governo prevê também implementar
pelo menos três medidas para aumentar o número
de escolas públicas ligadas à Internet, que
hoje são apenas 20 mil, frente às 173 mil escolas
particulares de Ensino Fundamental que possuem computadores.
Outra medida prevê a massificação do acesso
à Internet em todo o país, com ações
que permitam melhorar a infra-estrutura das telecomunicações.
O presidente da empresa de softwares Sun Microsystems, Jonathan
Schwartz, elogiou em seu blog os esforços do governo
Lula para expandir a inclusão digital no país.
Em carta enviada ao presidente do Instituto Nacional de Tecnologia
da Informação (ITI), Sérgio Amadeu, especialistas
do Massachusetts Institute of Technology - MIT Media Lab,
dos EUA, afirma que o melhor sistema operacional para o uso
nos computadores do programa do governo do governo "PC
Conectado" é o de código aberto ou Software
Livre. Provavelmente o Governo, que já vem utilizando
softwares livres em seus departamentos, implementará
a idéia. Os softwares livres já são utilizados
nos telecentros da cidade de São Paulo. Outro programa
parecido é o Infocentro, iniciativa do Governo do Estado
de São Paulo.
O Governo Federal, implementou ainda o Gesac (Governo Eletrônico
- Serviço de Atendimentoao Cliente), e está
promovendo uma espécie de concurso de projetos comunitários
usando as Tecnologias de Informação de Comunicação
(TICs) disponíveis através deste programa, numa
construção coletiva de forma solidária
e comunitária. Os projetos podem ir desde Construção
de uma Página da Comunidade na Internet ou Redação
de um Jornal Eletrônico, passando por Montagem de uma
Loja Virtual de Produtos Locais ou Produção
de Áudios Comunitários Locais (rádios
e ilhas multimídias), até Participação
em uma Gincana Digital ou Montagem de Cursos Educacionais
à Distância. Como prêmios, micro-computadores.
Cidade-Internet, prefeitura-provedor
O município de Sud Mennucci, no interior do Estado
de São Paulo, e que não contava com provedor
de Internet local, ganhou conexão Wi-Fi (sem fio) gratuita
da prefeitura, que hoje funciona como o provedor da cidade:
"inicialmente a implementação de uma boa
Internet foi demanda exclusivamente da prefeitura, logo percebemos
que a necessidade se estendia à toda a comunidade da
cidade", explicou o chefe de serviços de informática
da cidade e idealizador do projeto, Sérgio Soares.
Ainda segundo Soares, hoje o município de quase 8
mil habitantes conta com 168 pontos de acesso entre residenciais,
comerciais e até rurais, mas "é provável
que esse número ultrapasse os 200 suportados pela conexão
que temos hoje, assim já estamos planejando aumentar
nosso link", explica. Ele lembra que quando a torre de
conexão com transmissão via rádio foi
instalada na cidade, em maio de 2003, e disponibilizada para
a população da cidade no mês seguinte,
as pessoas não estavam preparadas para a novidade:
"muitos tinham dúvidas sobre o funcionamento,
mas aos poucos fomos aprendendo junto com a população
e prestando uma certa assistência até que entendessem
que a prefeitura disponibiliza a conexão e que eles
devem procurar os equipamentos (como antena) e assistência
técnica".
Hoje, a cidade ainda não conta com uma empresa que
venda equipamentos ou preste assistência técnica,
mas Soares garante que muitas pessoas têm entrado em
contato interessadas em oferecer esses serviços. O
interesse também tem surgido de outras prefeituras
que pretendem implementar o modelo de inclusão digital
em suas cidades: "Cerca de 50 municípios me procuraram,
e hoje já estou assessorando três de Minas Gerias
e uma do Rio de Janeiro", explica o chefe de serviços
de informática de Sud Mennucci.
O próximo projeto que deve ser implementado na cidade
por Soares é a de VOIP (transmissão de dados
de voz pela Internet), visando abaixar os custos de ligações
interurbanas da prefeitura e permitir acesso da população
a serviços municipais que seriam feitos por telefone.
Questionado sobre uma possível concorrência com
operadoras de telefonia, Soares explica: "Não
queremos briga com as empresas de telefonia, queremos apenas
facilitar o acesso da população de Sud Mennucci
aos serviços da prefeitura", esclarece e completa
que já teve uma conversa com a telefônica que
chegou a elogiar a ação.
O projeto, coordenado e implementado por Soares, teve seu
início em 2002 na gestão do prefeito Nelson
Gonçalves de Assis, mas tem continuidade na gestão
do então prefeito Celso Junqueira. A administração
pública investiu R$ 17 mil no modelo semelhante aos
instalados em cidades como Amsterdã (Holanda), Taipe
(Taiwan) e Filadélfia (EUA): "Acredito que esse
modelo de inclusão digital deve sim ser copiado por
outros municípios do Brasil", reforça Soares
que destaca ainda a mudança de
comportamento da população como o aumento de
compras virtuais, de pesquisas escolares realizadas por estudantes
etc. "Temos até o caso de um rapaz da cidade que
montou uma loja virtual de tênis e hoje vende produtos
para todo o país", anima-se Soares.
Terceiro Setor pela inclusão digital
Enquanto o Governo e empresas internacionais estão
discutindo Inclusão Digital para este ano, o Terceiro
Setor já vêm fazendo ações nesse
sentido há pelo menos dez anos, como é o caso
do CDI, que comemora neste ano justamente uma década
de trabalho de inclusão digital no país e no
mundo: "O CDI é uma obra coletiva, uma rede social
que cresceu e se expandiu graças a um enorme esforço
de colaboradores, voluntários e parceiros. Nossa bem-sucedida
experiência, nacional e internacional, é um indicativo
de que estamos no caminho certo e que devemos investir agora,
sobretudo, na profissionalização da nossa gestão
e na qualificação das nossas Escolas de Informática
e Cidadania. Contudo, sem perder as características
que sempre marcaram nossa atuação enquanto ONG:
resultados aliados à ternura, solidariedade, respeito
ao ser humano e à vida", explica o empreendedor
social, fundador e diretor executivo do CDI, Rodrigo Baggio.
A Rede CDI, uma espécie de "franquia" em
contínuo crescimento, está representado hoje
em 35 cidades de 20 estados brasileiros e conta com 11 Comitês
Internacionais em 10 países diferentes, Somando 962
escolas de Informática e Cidadania (EIC) com 1924 educadores,
5778 computadores e 1154 voluntários.
No dia 26 de março, sábado, o Comitê
para Democratização da Informática (CDI)
comemora o Dia da Inclusão Digital disponibilizando
computadores conectados à Internet para a população
de baixa renda. Será no Piscinão de Ramos, das
11 às 16 horas. A abertura do evento contará
com a presença de Rodrigo Baggio, fundador e diretor
executivo do CDI, e de representantes do Proderj e do Viva
Rio. No decorrer da tarde, estão programadas apresentações
de grupos artísticos, como Jongo da Serrinha e Nação
Maré, e muitas outras atrações.
"Nesta quinta edição do Dia da Inclusão
Digital - iniciativa do CDI em vários pontos do Brasil
e no exterior -, a intenção é que um
grande número de pessoas tenha a oportunidade de descobrir
como a informática pode facilitar seu acesso a informações,
lazer e serviços", explica a Assessoria de Imprensa
do CDI. "Criado em 1995, o CDI foi a primeira ONG a defender
a causa da inclusão digital na América Latina.
Desde 2001 realiza o Dia da Inclusão Digital, visando
conscientizar e envolver a sociedade na luta contra a segregação
econômica e social de populações menos
favorecidas, sem acesso à tecnologia", completa.
Na primeira edição, o evento contou com a
participação das 18 cidades brasileiras que,
na época, contavam com um comitê regional da
Organização. Hoje, a ONG está presente
em 20 estados do Brasil e em mais 10 países, com um
total de 962 Escolas de Informática e Cidadania. "Desde
o início, o objetivo do evento sempre foi muito maior
do que apresentar a Internet àqueles que não
tinham tido a chance de acessá-la. O CDI buscava, principalmente,
chamar a atenção para a questão do abismo
digital, que submetia significativas parcelas da população
a uma dupla exclusão: digital e social", destaca
a Assessoria de Imprensa da CDI.
O Mapa da Exclusão Digital
Um dado aparentemente empolgante é o constante crescimento
de audiência brasileira na Internet. Segundo a pesquisa
do Ibope Mídia, na América Latina, 32% das pessoas
acessaram a Internet nos últimos três meses.
Dessas, 73% se encontravam no topo da pirâmide social.
Já entre os de menor poder aquisitivo, o acesso foi
feito por apenas 14%. No Brasil, entre os 31% da população
que se conectou à rede, 82% estavam entre os de maior
poder aquisitivo e apenas 10% os de menor.
Segundo dados recentes divulgados pela PNDA (Pesquisa Nacional
por Amostragem de Domicílios), cerca de 7,5 milhões
de domicílios brasileiros são equipados com
um computador (15,3% do total), sendo que 5,6 milhões
(11,4%) deles têm acesso à Internet. Representantes
do IBGE, que têm dados mais atualizados de 2003, participaram
no começo do ano de uma reunião em Genebra com
a ONU para debaterem a realização de levantamentos
sobre tecnologia da informação. O esforço
das Nações Unidas faz parte de um plano de organização
para montar uma estratégia de inclusão digital
nos países em desenvolvimento. No caso do Brasil, um
número indicado pela própria ONU aponta 14,3
milhões de internautas em 2002, o maior da América
Latina. A região contaria com 44 milhões de
usuários.
Em 2003 a Fundação Getúlio Vargas (FGV)
elaborou um Mapa de Exclusão Digital em parceira da
ONG CDI - Comitê para Democratização da
Informática e Sun Microsystems, a partir de pesquisas
e dados coletados do PNDA e IBGE. "Em termos de taxas
de acesso ao computador, 12,42% da população
que vivem em áreas urbanizadas estão incluídos,
já nas áreas rurais, esse dado é de apenas
0,98%", explica a pesquisa da FGV e completa: "Entre
os indígenas a taxa de Inclusão Digital é
de 3,72% e no extremo oposto estão a população
amarela, 41,66% corroborando a ligação de orientais
brasileiros com a informática", lembrando que
além da população de baixa renda, outras
comunidades como os de deficientes, indígenas e de
áreas rurais também podem ser considerados "excluídos
digitais".
Excluídos incluídos
E foi pensando justamente nos excluídos rurais que
um brasileiro, funcionário da NASA nos EUA, resolveu
implementar um projeto de inclusão digital em uma das
regiões mais pobres do país, o Vale do Jequitinhonha:
"Eu quis criar um modelo auto-sustentável no lugar
mais difícil do país, justamente para que se
propagasse e percebessem que é possível a inclusão
digital em qualquer lugar do planeta", empolga-se o mineiro
Diretor Executivo e fundador da OSCIP Gemas da Terra, uma
Rede Rural de Telecentros Comunitários.
O projeto começou em novembro de 2001 quando o engenheiro
e pesquisador da NASA Marco Aurélio Figueiredo veio
passar férias prolongadas no Brasil e acabou morando
6 meses em uma comunidade rural para entender, com seus próprios
recursos, as verdadeiras necessidades dela, além de
participar de várias reuniões com a ONU, Banco
Mundial e empreendedores: "a idéia era conscientizar
a população rural sobre a importância
da inclusão digital", explica. Além de
um trabalho de conscientização e educação
digital nas 5 comunidades onde Figueiredo implementou os telecentros,
houve também uma parceira das associações
comunitárias locais: "e eles foram fundamentais
no processo, porque o telecento tem que nascer de dentro da
comunidade e não imposta por uma organização",
completa.
O engenheiro admite que o processo de inclusão digital
é lento mas extremamente necessário e deve ser
eficiente: "hoje, essas comunidades dizem que não
sabem mais viver sem Internet. Os jovens fazem suas pesquisas
escolares pela Internet; uma comunidade produziu um manifesto
online pedindo cerca de proteção para uma ponte
depois da morte de uma criança; uma professora de 2º
que foi capacitada pela ONG hoje é administradora de
Linux (o software livre), entre outros exemplos do bom uso
da Internet, que é só uma faceta da Inclusão
Digital, orgulha-se Figueiredo que garante que a ONG é
seu projeto de vida.
Os telecentros montados pela ONG utilizam computadores doados
e softwares livres, já que, segundo Figueiredo, "permite
que os códigos sejam estudados a fim de permitir uma
construção de conhecimento e não só
simplesmente o acesso à Internet". A idéia,
ainda segundo Figueiredo, é que as comunidades trabalhem
para manter os telecentros, batalhando inclusive recursos
financeiros. Ainda dentro do modelo de sofware livre e código
aberto, a ONG lançou com o apoio da UNESCO um Manual
para formação de telecentros que pode ser aplicado
não só em áreas rurais: "O próximo
passo será trabalhar com emigrantes brasileiros fora
do país", adianta Figueiredo.
Um trabalho de inclusão digital realizado com comunidades
indígenas que pode ser destacado, também acontece
em Minas Gerais graças a um projeto vinculado à
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais: "produzimos
juntos uma revista eletrônica, a BAY, com textos e traduções
que atende 30 aldeias de 7 povos indígenas", explica
a coordenadora do Projeto de Extensão de Cultura Indígena
e do Grupo de Pesquisa "Literatos: escritas, leituras
e traduções"da UFMG, professora Maria Inês
de Almeida.
Ainda vinculado à UFMG, como lembra a professora,
a Rede.lê - Inclusãoe Letramento Digital que
promove inclusão digital nas Aldeias Xacriabá
em São João das Missões, na Escola Indígena
Bukimuju, na Escola Indígena Xukurrank, na Reserva
Indígena Xacriabá em São João
das Missões, além da Comunidade remanescente
de quilombos Brejo dos Crioulos que fica próximo a
Montes Claros e é formada pelos grupos locais Araruba,
Arapuim, Cabaceiros, Caxambu, Conrado e Furado Seco, além
de comunidades rurais e centros de cultura e escolas. Também
na Aldeia Xacriabá, a quarta reserva brasileira a ter
acesso à Internet, conta com o apoio do Projeto Rede
Povos da Floresta, coordenado pela CDI. O projeto também
atende aldeias do Acre e Rio de Janeiro.
LISANDRA MAIOLI
do site setor3
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