Vendido
pela publicidade como um combustível limpo, o gás
natural veicular (GNV) não apenas tem emissões
muito próximas às da gasolina comum (em carros
fabricados a partir de 1997) como pode poluir até oito
vezes mais se não for usado em kits homologados pelo
Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos
Naturais Renováveis).
Mas, como não há fiscalização
e os kits irregulares são bem mais baratos, as estimativas
mais otimistas -da indústria automobilística
e do Ibama- indicam que 1/3 da frota de passeio a gás
-680 mil veículos no país, podendo chegar a
1 milhão neste ano- não usa aparelhos de conversão
testados e autorizados pelo governo.
Como a resolução que obriga os equipamentos
a passarem pelo crivo do Ibama só foi publicada em
2002 e começou a valer mesmo no segundo semestre do
ano passado, os kits vendidos antes disso podem estar inadequados.
Isso significa até 450 mil carros poluindo mais do
que prevê a legislação do Proconve (Programa
de Controle da Poluição do Ar por Veículos
Automotores), levando-se em conta apenas os veículos
convertidos para gás até 2002.
O impacto só não é pior porque os carros
fabricados até 97 poluíam bem mais, pois não
tinham injeção eletrônica. Nesses casos,
mesmo um kit de gás não-homologado representou
um ganho ambiental. Não há, porém, dados
da idade da frota a gás.
Hoje já há a obrigatoriedade da venda apenas
dos kits "ambientalmente corretos" -que tenham o
CAGN (Certificado Ambiental para Uso do Gás Natural
em Veículos Automotores)-, mas o controle do cumprimento
da regra é precário, para não dizer inexistente.
Tanto é assim que das cerca de 40 empresas que vendem
equipamentos para conversão no Brasil, segundo a ABgnv
(Associação Brasileira do Gás Natural
Veicular), só 22 têm o CAGN.
Como os veículos convertidos para o gás se concentram
nos grandes centros urbanos, a exemplo do Rio de Janeiro (38,1%
da frota) e de São Paulo (26,3%), a irregularidade
ambiental representa um incremento nos já graves problemas
de poluição atmosférica, que causa danos
à saúde e à vegetação e
é um dos principais indicadores de qualidade de vida.
"Costumo fazer uma alusão simples. Os kits de
GNV não-homologados pelo Ibama fazem com a atmosfera
o mesmo que bocas de fogão desreguladas fazem com o
fundo das panelas: deixam preto", resume Paulo Macedo,
coordenador do Proconve.
Tecnologia no lixo
A explicação para a maior poluição
dos kits não-homologados está no fato de eles
anularem toda a tecnologia que as montadoras de automóveis
tiveram de incorporar a partir de 97, por determinação
do Ibama, para reduzir as emissões, afirma Renato Linke,
gerente do setor de engenharia automotiva e certificação
da Cetesb (agência ambiental paulista e órgão
técnico do Proconve).
Os kits homologados possuem um aparelho chamado módulo
de controle e injeção de gás, que faz
o controle da injeção de combustível,
mas encarece o equipamento em cerca de R$ 700, segundo instaladoras
consultadas pela Folha.
Estudos feitos pela Cetesb mostram que um carro a gás
com kit não-homologado joga na atmosfera, por quilômetro
rodado, duas vezes o CO (monóxido de carbono) emitido
pelos carros a gasolina. O poluente é um dos que mais
prejudicam as pessoas -principalmente idosos, grávidas,
crianças e portadores de doenças cardiovasculares
e respiratórias.
No que diz respeito aos hidrocarbonetos e aos óxidos
de nitrogênio, esses carros emitem respectivamente três
e oito vezes mais que os movidos a gasolina.
Hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio são
precursores do ozônio, a substância que mais preocupa
as autoridades ambientais das grandes cidades.
O ganho existe apenas no que diz respeito às emissões
de gás carbônico (CO2).
Veículos a gás produzem 167 gramas por quilômetro
rodado (sejam eles regulares ou irregulares), enquanto os
carros a gasolina produzem 194.
Embora não seja tradicionalmente considerado um poluente,
o CO2 é um dos principais gases que aumentam o efeito
estufa -aquecimento natural da Terra que, se exagerado, pode
causar problemas futuros, como degelo das calotas polares
e inundações.
MARIANA VIVEIROS
da Folha de S.Paulo
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