Alfredo
Saad Filho, professor da Universidade de Londres e especialista
em economia de desenvolvimento, considera que não há
"nenhuma" chance de a política econômica
atual gerar os dez milhões de empregos prometidos na
campanha eleitoral do PT. Para ele, ao anunciar políticas
compensatórias para geração de emprego,
o governo "engana a população a si, ou
a ambos". Saad diz que sem uma mudança radical
da política econômica, o Brasil vai pelo mesmo
caminho que levou a Argentina à crise de 2001.
A seguir, a entrevista de Saad Filho à BBC Brasil:
BBC Brasil - Que tipo de influência os governos
de forma geral têm sobre a criação de
empregos?
Alfredo Saad Filho - Há muito tempo, pelo menos
desde os anos 1930, desde Keynes, desde Roosevelt ou, no caso
do Brasil, desde Getúlio Vargas, sabe-se que os governos
têm uma influência muito grande na determinação
do nível de emprego. A atividade governamental ocupa
necessariamente uma parcela muito importante do PIB (Produto
Interno Bruto), e uma parcela crescente no decorrer do tempo.
Pequenas variações do nível de atividade
do governo e pequenas mudanças de foco da atividade
do governo têm impacto grande na economia mais geral,
na parte do setor privado. Então, é importante
tratar dessa questão da interação entre
o setor público e o setor privado quando se está
investigando o problema do desemprego, porque qualquer ação
que o governo tome ou deixe de tomar vai ter necessariamente
um impacto sobre o nível e o tipo de emprego que é
gerado no país.
BBC Brasil – Quais as chances de a política
do governo Lula dar certo?
Saad Filho – Nenhuma. Não tem chance
absolutamente nenhuma de gerar a quantidade de empregos que
o governo discute no momento e, principalmente, a quantidade
de emprego que foi prometida durante a campanha eleitoral.
Foram prometidos 10 milhões de novos empregos por iniciativa
de políticas públicas, não só
pela inércia da economia. O governo brasileiro atual
vem pautando sua política macroeconômica pelas
mesmas políticas neoliberais que vinham sendo implementadas
pelo governo Fernando Henrique e que foram políticas
referendadas e amarradas nos sucessivos acordos com o Fundo
Monetário Internacional (FMI) que esse governo agora
continua mantendo. Não é possível fazer
política de geração de emprego nesse
quadro macroeconômico adverso, porque ele é essencialmente
contracionista. Não existe possibilidade de se contrabalançar
um quadro macroeconômico adverso com iniciativas localizadas
ou com políticas compensatórias, como o governo
atual tem procurado fazer. Ao dizer que vai fazer isso, o
governo está enganando a si mesmo ou enganando a população
ou os dois. Porque políticas compensatórias
podem auxiliar a implementação de políticas
macroeconômicas, mas não contrabalança.
É um caminho sem saída, é o caminho da
frustração, e é possível se notar
no Brasil hoje uma frustração crescente com
a persistência do desemprego elevado, dos salários
extremamente baixos no país e com a inatividade do
governo, que toma iniciativas muito pontuais contra um problema
imenso.
BBC Brasil - O Brasil pode romper com um modelo defendido
pela maioria dos economistas no mundo?
Saad Filho – Seria romper com o modelo defendido
pela maioria dos banqueiros, mas isso aí é problema
deles. É essencial se adotar um modelo econômico
que priorize o mercado interno, a geração de
emprego e a geração de renda dentro do Brasil.
A partir dessa premissa, você elabora as políticas
macroeconômicas e microeconômicas que são
compatíveis com esse objetivo. Essa mudança
não implica necessariamente rompimento com o sistema
financeiro internacional e nem com o sistema comercial internacional.
Implica um redirecionamento de prioridades e, na medida em
que essas políticas obtenham sucesso e dinamizem a
economia, o mercado internacional vai ficar extremamente contente
com o Brasil. Porque os analistas mais perspicazes, que olham
a economia brasileira a longo prazo, e não a próxima
semana ou as próximas 24 horas, sabem que as políticas
atuais são insustentáveis. É evidente
que elas são insustentáveis, como eram insustentáveis
na Argentina em meados dos anos 1990. Estavam muito bem para
uma pequena parcela da população em meados dos
anos 90 e esse pessoal estava muito satisfeito em dizer que
o modelo era imutável. A coisa rebentou mais na frente
de uma maneira dramática. O Brasil segue de uma maneira
mais suave exatamente pelo mesmo caminho. Não é
possível se resolver a crise social do Brasil com esse
modelo econômico. Já se está tentando
desde 1990 e a situação piorou de uma maneira
consistente. É preciso considerar políticas
alternativas, que recuperem o papel mais dinâmico da
atuação estatal. Não que sejam políticas
necessariamente direcionadas para o crescimento da atividade
estatal por si mesma. Isso aí é bobagem. O que
é preciso fazer é ter uma política coordenada
de atuação estatal com segmentos prioritários
do setor privado nacional e internacional para se atingir
aqueles objetivos que sejam socialmente responsáveis
em relação a emprego, renda, expansão
do mercado doméstico etc. Qualquer outra coisa é
enganação, porque nem atinge objetivos sociais
e nem dá certo nos seus próprios parâmetros,
a não ser para uma muita pequena parcela da população,
especialmente o setor financeiro, mas não só.
BBC Brasil – Na prática, o que seria
essa política alternativa?
Saad Filho -É preciso relaxar a política
cambial e a política monetária. Para fazer essas
duas coisas, é importante manter uma política
fiscal restritiva no primeiro momento. Se relaxa tudo ao mesmo
tempo, a economia explode, e se mantém a política
fiscal calibrando a expansão da economia. Mas para
poder relaxar a política monetária e a política
cambial, é preciso fechar a conta de capital de uma
maneira substancial, se não o dinheiro sai todo no
dia seguinte. Você impõe o controle de capital
para poder segurar dentro do país aquele capital que
foi gerado dentro do Brasil e deve ficar lá dentro,
e para atrair capital de qualidade para o Brasil. Estudar
cada projeto apresentado com seriedade para ver se atende
ou não determinados objetivos globais de política,
elevação do nível de renda, nível
de emprego, padrão de bem-estar social etc. Se atende,
ótimo, que venha e será muito bem-vindo. Se
não atende, pode ficar de fora, porque isso não
interessa para a gente. É uma questão de impor
prioridades nacionais e democráticas na formulação
de políticas e impor isso aos fluxos de capital também.
Os capitais que entrarem vão ficar muito felizes. Não
se está rompendo com eles, está se desenvolvendo
uma parceria ao nível mais elevado de seriedade em
comparação ao que está sendo feito hoje.
BBC Brasil - Quais, então, os problemas para
se fazer esse controle de capital?
Saad Filho - O obstáculo principal para isso
é a questão de vontade política do Estado
e de homogeneidade política na ação do
Estado para implementar esse tipo de política. Se isso
não existe, aí fica muito complicada. Na minha
opinião, a única forma de isso se dar no Brasil
é através de uma atuação muito
mais ampla e muito mais forte do movimento democrático,
partidos políticos, movimentos de massa , sindicatos
e etc colocando pressão sobre o governo para que mude
a política econômica. Isso não significa
que estou otimista a respeito da possibilidade desse governo
que está aí repensar as suas prioridades, a
não ser num contexto de crise internacional ou de balanço
de pagamentos na economia brasileira. Isso é trágico.
Esperar a situação degenerar para depois remontar
a sua política. É o que aconteceu na Argentina.
Não é uma opção boa. A opção
boa é você, conscientemente, construir as condições
para se mudar as políticas econômicas e as prioridades
de ação do governo. Infelizmente a equipe do
governo, especialmente na área econômica, no
Brasil não tem nenhum interesse em fazer isso nesse
momento. É uma pena.
BBC Brasil - Um dos argumentos contra o controle de
capitais é que o país perderia fluxo de entrada
de recursos. O senhor concorda?
Saad Filho – Não. Eles estão olhando
só o fluxo de entrada, esquecem o fluxo de saída.
O Brasil recebeu fluxos de entrada muito grandes desde 1992,
quando liberalizou a conta de capital. E quanto foi que saiu?
Quanto ficou? Ficou muito pouco no Brasil. Na América
Latina como um todo, entre 1990 e 2001, entraram pouco mais
de US$ 1 trilhão. Saíram US$ 900 bilhões,
ficaram pouco mais de US$ 100 bilhões na América
Latina desse período todo. Adianta? Isso não
adianta, porque isso é fluxo de entrada e saída
ao mesmo tempo, e só gera volatilidade. Volatilidade
na taxa de câmbio, nos indicadores de credibilidade
e da economia como um todo. Então, isso não
interessa para o país. É preciso estabilizar
esses fluxos. O Chile tem uma experiência muito bonita
de estabilização de fluxos de capital de curto
prazo, de portfolio e a Malásia, de estabilização
de fluxos de investimento direto. Junta essas duas experiências
concretas, que foram bem-sucedidas, e se pode construir um
modelo que dê certo também no caso brasileiro.
Não necessariamente idêntico ao desses dois países,
mas é possível encontrar uma solução
prática, e que é possível se fazer alguma
coisa diferente. O discurso de que nada diferente é
possível é um discurso derrotista e que conduz
a economia brasileira, como outras economias, ao buraco. E
depois a gente vai ter que encontrar saídas em condições
muito mais adversas, muito mais difíceis.
As informações são
da BBC Brasil.
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