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entrevista
28/04/2004
É preciso mudar política macroeconômica do Brasil, diz professor

Alfredo Saad Filho, professor da Universidade de Londres e especialista em economia de desenvolvimento, considera que não há "nenhuma" chance de a política econômica atual gerar os dez milhões de empregos prometidos na campanha eleitoral do PT. Para ele, ao anunciar políticas compensatórias para geração de emprego, o governo "engana a população a si, ou a ambos". Saad diz que sem uma mudança radical da política econômica, o Brasil vai pelo mesmo caminho que levou a Argentina à crise de 2001.
A seguir, a entrevista de Saad Filho à BBC Brasil:

BBC Brasil - Que tipo de influência os governos de forma geral têm sobre a criação de empregos?

Alfredo Saad Filho - Há muito tempo, pelo menos desde os anos 1930, desde Keynes, desde Roosevelt ou, no caso do Brasil, desde Getúlio Vargas, sabe-se que os governos têm uma influência muito grande na determinação do nível de emprego. A atividade governamental ocupa necessariamente uma parcela muito importante do PIB (Produto Interno Bruto), e uma parcela crescente no decorrer do tempo. Pequenas variações do nível de atividade do governo e pequenas mudanças de foco da atividade do governo têm impacto grande na economia mais geral, na parte do setor privado. Então, é importante tratar dessa questão da interação entre o setor público e o setor privado quando se está investigando o problema do desemprego, porque qualquer ação que o governo tome ou deixe de tomar vai ter necessariamente um impacto sobre o nível e o tipo de emprego que é gerado no país.

BBC Brasil – Quais as chances de a política do governo Lula dar certo?

Saad Filho – Nenhuma. Não tem chance absolutamente nenhuma de gerar a quantidade de empregos que o governo discute no momento e, principalmente, a quantidade de emprego que foi prometida durante a campanha eleitoral. Foram prometidos 10 milhões de novos empregos por iniciativa de políticas públicas, não só pela inércia da economia. O governo brasileiro atual vem pautando sua política macroeconômica pelas mesmas políticas neoliberais que vinham sendo implementadas pelo governo Fernando Henrique e que foram políticas referendadas e amarradas nos sucessivos acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que esse governo agora continua mantendo. Não é possível fazer política de geração de emprego nesse quadro macroeconômico adverso, porque ele é essencialmente contracionista. Não existe possibilidade de se contrabalançar um quadro macroeconômico adverso com iniciativas localizadas ou com políticas compensatórias, como o governo atual tem procurado fazer. Ao dizer que vai fazer isso, o governo está enganando a si mesmo ou enganando a população ou os dois. Porque políticas compensatórias podem auxiliar a implementação de políticas macroeconômicas, mas não contrabalança. É um caminho sem saída, é o caminho da frustração, e é possível se notar no Brasil hoje uma frustração crescente com a persistência do desemprego elevado, dos salários extremamente baixos no país e com a inatividade do governo, que toma iniciativas muito pontuais contra um problema imenso.

BBC Brasil - O Brasil pode romper com um modelo defendido pela maioria dos economistas no mundo?

Saad Filho – Seria romper com o modelo defendido pela maioria dos banqueiros, mas isso aí é problema deles. É essencial se adotar um modelo econômico que priorize o mercado interno, a geração de emprego e a geração de renda dentro do Brasil. A partir dessa premissa, você elabora as políticas macroeconômicas e microeconômicas que são compatíveis com esse objetivo. Essa mudança não implica necessariamente rompimento com o sistema financeiro internacional e nem com o sistema comercial internacional. Implica um redirecionamento de prioridades e, na medida em que essas políticas obtenham sucesso e dinamizem a economia, o mercado internacional vai ficar extremamente contente com o Brasil. Porque os analistas mais perspicazes, que olham a economia brasileira a longo prazo, e não a próxima semana ou as próximas 24 horas, sabem que as políticas atuais são insustentáveis. É evidente que elas são insustentáveis, como eram insustentáveis na Argentina em meados dos anos 1990. Estavam muito bem para uma pequena parcela da população em meados dos anos 90 e esse pessoal estava muito satisfeito em dizer que o modelo era imutável. A coisa rebentou mais na frente de uma maneira dramática. O Brasil segue de uma maneira mais suave exatamente pelo mesmo caminho. Não é possível se resolver a crise social do Brasil com esse modelo econômico. Já se está tentando desde 1990 e a situação piorou de uma maneira consistente. É preciso considerar políticas alternativas, que recuperem o papel mais dinâmico da atuação estatal. Não que sejam políticas necessariamente direcionadas para o crescimento da atividade estatal por si mesma. Isso aí é bobagem. O que é preciso fazer é ter uma política coordenada de atuação estatal com segmentos prioritários do setor privado nacional e internacional para se atingir aqueles objetivos que sejam socialmente responsáveis em relação a emprego, renda, expansão do mercado doméstico etc. Qualquer outra coisa é enganação, porque nem atinge objetivos sociais e nem dá certo nos seus próprios parâmetros, a não ser para uma muita pequena parcela da população, especialmente o setor financeiro, mas não só.

BBC Brasil – Na prática, o que seria essa política alternativa?

Saad Filho -É preciso relaxar a política cambial e a política monetária. Para fazer essas duas coisas, é importante manter uma política fiscal restritiva no primeiro momento. Se relaxa tudo ao mesmo tempo, a economia explode, e se mantém a política fiscal calibrando a expansão da economia. Mas para poder relaxar a política monetária e a política cambial, é preciso fechar a conta de capital de uma maneira substancial, se não o dinheiro sai todo no dia seguinte. Você impõe o controle de capital para poder segurar dentro do país aquele capital que foi gerado dentro do Brasil e deve ficar lá dentro, e para atrair capital de qualidade para o Brasil. Estudar cada projeto apresentado com seriedade para ver se atende ou não determinados objetivos globais de política, elevação do nível de renda, nível de emprego, padrão de bem-estar social etc. Se atende, ótimo, que venha e será muito bem-vindo. Se não atende, pode ficar de fora, porque isso não interessa para a gente. É uma questão de impor prioridades nacionais e democráticas na formulação de políticas e impor isso aos fluxos de capital também. Os capitais que entrarem vão ficar muito felizes. Não se está rompendo com eles, está se desenvolvendo uma parceria ao nível mais elevado de seriedade em comparação ao que está sendo feito hoje.

BBC Brasil - Quais, então, os problemas para se fazer esse controle de capital?

Saad Filho - O obstáculo principal para isso é a questão de vontade política do Estado e de homogeneidade política na ação do Estado para implementar esse tipo de política. Se isso não existe, aí fica muito complicada. Na minha opinião, a única forma de isso se dar no Brasil é através de uma atuação muito mais ampla e muito mais forte do movimento democrático, partidos políticos, movimentos de massa , sindicatos e etc colocando pressão sobre o governo para que mude a política econômica. Isso não significa que estou otimista a respeito da possibilidade desse governo que está aí repensar as suas prioridades, a não ser num contexto de crise internacional ou de balanço de pagamentos na economia brasileira. Isso é trágico. Esperar a situação degenerar para depois remontar a sua política. É o que aconteceu na Argentina. Não é uma opção boa. A opção boa é você, conscientemente, construir as condições para se mudar as políticas econômicas e as prioridades de ação do governo. Infelizmente a equipe do governo, especialmente na área econômica, no Brasil não tem nenhum interesse em fazer isso nesse momento. É uma pena.

BBC Brasil - Um dos argumentos contra o controle de capitais é que o país perderia fluxo de entrada de recursos. O senhor concorda?

Saad Filho – Não. Eles estão olhando só o fluxo de entrada, esquecem o fluxo de saída. O Brasil recebeu fluxos de entrada muito grandes desde 1992, quando liberalizou a conta de capital. E quanto foi que saiu? Quanto ficou? Ficou muito pouco no Brasil. Na América Latina como um todo, entre 1990 e 2001, entraram pouco mais de US$ 1 trilhão. Saíram US$ 900 bilhões, ficaram pouco mais de US$ 100 bilhões na América Latina desse período todo. Adianta? Isso não adianta, porque isso é fluxo de entrada e saída ao mesmo tempo, e só gera volatilidade. Volatilidade na taxa de câmbio, nos indicadores de credibilidade e da economia como um todo. Então, isso não interessa para o país. É preciso estabilizar esses fluxos. O Chile tem uma experiência muito bonita de estabilização de fluxos de capital de curto prazo, de portfolio e a Malásia, de estabilização de fluxos de investimento direto. Junta essas duas experiências concretas, que foram bem-sucedidas, e se pode construir um modelo que dê certo também no caso brasileiro. Não necessariamente idêntico ao desses dois países, mas é possível encontrar uma solução prática, e que é possível se fazer alguma coisa diferente. O discurso de que nada diferente é possível é um discurso derrotista e que conduz a economia brasileira, como outras economias, ao buraco. E depois a gente vai ter que encontrar saídas em condições muito mais adversas, muito mais difíceis.

As informações são da BBC Brasil.

   
 
 
 

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