Mesmo
com os benefícios concedidos pelo Prouni (programa
do MEC que oferece bolsas integrais e parciais em instituições
particulares), um terço dos estudantes que formam o
principal público-alvo do programa terão dificuldade
de se manter no ensino superior.
O alerta é do Observatório Universitário
da Universidade Candido Mendes, que pesquisou o perfil socioeconômico
de estudantes de famílias com renda per capita mensal
inferior a 1,5 salário mínimo (R$ 390). Pelas
atuais regras do programa, esse é o corte de renda
que permite ao aluno pleitear uma vaga totalmente gratuita
em uma instituição particular.
A partir dos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio) de 2002 do IBGE, os pesquisadores Enrico
Martignoni e Ana Beatriz Moraes detectaram que 35% dos estudantes
que estão no último ano do ensino médio
ou já completaram esse nível de ensino terão
dificuldade de se manter no ensino superior mesmo com bolsa
integral caso sejam selecionados pelo Prouni.
São estudantes que vêm de famílias em
que a renda média nem sequer é suficiente para
comprar eletrodomésticos de primeira necessidade, como
geladeiras, ou que comprometem mais de 40% do orçamento
familiar com aluguel. Entraram nesse cálculo também
alunos que moram em domicílios considerados precários,
com número alto de pessoas dividindo a mesma casa ou
sem acesso a serviços públicos essenciais, como
água, esgoto ou coleta de lixo.
O total de estudantes com ensino médio completo ou
em fase de conclusão nessa situação,
segundo os critérios utilizados pela pesquisa, foi
de 3,7 milhões, ou 35% do total de 10,5 milhões
de brasileiros com condições de se candidatar
a uma bolsa integral no programa do Ministério da Educação.
Para os pesquisadores, esses estudantes vivem em famílias
de alta "vulnerabilidade social".
Independentemente da forma de cálculo ou do número
de estudantes nessa situação (isso pode variar
de acordo com o critério utilizado para definir o que
é vulnerabilidade social), o problema que os pesquisadores
apontam já é vivido por muitos estudantes que
estão entre o público-alvo do Prouni e preocupa
algumas universidades.
Na Candido Mendes, a pró-reitoria de graduação
fez um cálculo que mostra que um estudante que mora
em Nova Iguaçu --um dos mais pobres e populosos municípios
da região metropolitana do Rio-- e que deseje estudar
no campus de Ipanema (zona sul) da instituição
gastará, somente com transporte, R$ 176 por mês
ao pagar quatro passagens de ônibus por dia.
Esse valor pode parecer pequeno para uma família de
classe média, mas, para famílias com renda mensal
inferior a R$ 1.200, como mostrou a POF (Pesquisa de Orçamento
Familiar do IBGE), é um gasto preocupante.
Segundo a POF, uma família com renda total entre R$
1.000 e R$ 1.200 consome 82% de seus recursos com despesas
essenciais como alimentação, habitação,
transporte, higiene, saúde e vestuário. Em famílias
no extremo mais pobre (renda mensal inferior a R$ 400), o
orçamento familiar é insuficiente para cobrir
essas despesas básicas.
"Uma política de inclusão dos integrantes
de famílias mais pobres nas universidades exige mais
do que uma simples bolsa de estudos na rede privada. Requer
que se pense em mecanismos capazes de manter o estudante na
universidade, com condições mínimas para
que este conclua o curso que iniciou", afirmam os autores
da pesquisa.
Iniciativa
O secretário de Educação Superior
do MEC, Nelson Maculan Filho, diz que a secretaria está
discutindo com as instituições privadas maneiras
de assegurar a permanência desses alunos, mas afirma
que essa iniciativa deve partir também das universidades.
"Essas vagas [do Prouni] estavam ociosas e nós
estamos preenchendo por meio de renúncia fiscal [isenção
de impostos para as instituições que aderirem
ao programa]. Há um ganho para as instituições,
e elas devem, também, pensar em como manter esses estudantes.
Nos Estados Unidos, por exemplo, é muito comum alunos
carentes trabalharem na própria universidade. Essa
é uma prática que poderia ser mais comum no
Brasil", afirma Maculan.
Em cerimônia realizada no Rio de Janeiro, em setembro
deste ano, o ministro Tarso Genro (Educação)
afirmou que o governo criará um programa de bolsas
para garantir a permanência de alunos carentes no ensino
superior. Esses recursos poderão vir de uma nova loteria
federal a ser criada para arrecadar fundos para esse programa.
Segundo o chefe-de-gabinete do ministro, Ronaldo Teixeira
da Silva, essa proposta está no anteprojeto de reforma
universitária, mas ainda não está definido
se essa bolsa beneficiará somente estudantes de instituições
públicas ou se os alunos que entraram pelo ProUni também
poderão ter acesso aos recursos.
ANTÔNIO GOIS
da Folha de S. Paulo, no Rio
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