Uma polícia
que mata menos, mas é alvo crescente de denúncias
de má qualidade de atendimento e concussão (extorsão
praticada por funcionário público). O perfil
é traçado pelos dados da Ouvidoria da Polícia
do Estado de São Paulo referentes ao primeiro trimestre
deste ano.
De janeiro a março, a Ouvidoria recebeu 52 denúncias
de pessoas mortas por policiais militares e civis no Estado
-de serviço e na folga- em situações
suspeitas, 72,3% a menos do que no mesmo período do
ano passado. Na capital paulista, a queda foi maior e chegou
a 82,3%.
Os homicídios praticados por policiais saíram
do topo do ranking das denúncias da Ouvidoria, que
passou a ser ocupado pelo item má qualidade no atendimento.
Foram 135 denúncias alertando sobre esse tipo de problema
no primeiro trimestre contra 54 em 2003 -aumento de 150%.
O crime de concussão passou de 12º lugar no ranking
no primeiro trimestre do ano passado, com 11 denúncias,
para 4º lugar, em 2004, com 34 casos.
Para o ouvidor da polícia, Itajiba Farias Ferreira
Cravo, a queda das denúncias sobre a letalidade policial
não pode ser comemorada antecipadamente. "Estatisticamente,
ainda é cedo para qualquer tipo de comemoração",
afirmou o ouvidor.
Para ele, a redução está vinculada mais
à repercussão de casos emblemáticos envolvendo
violência policial -como o do dentista Flávio
Ferreira Sant'Ana, assassinado por policiais militares em
fevereiro- do que uma mudança na política de
segurança.
"Mais do que consciência, a queda mostra o medo
imediato de uma punição", disse o ouvidor.
O risco estaria na volta do aumento dos índices de
letalidade policial à medida que os casos emblemáticos
forem esquecidos. "Foi a partir desses casos que as pessoas
começaram a pensar: "também pode ser comigo'",
disse.
Segundo o ouvidor, os dados do primeiro trimestre mostram
que o argumento usado pela polícia -de que as mortes
são resultado do aumento do número de confrontos
entre policiais e criminosos- é questionável,
já que não há registro de alteração
nos casos de confronto.
Em relação às denúncias sobre
má qualidade do serviço, Cravo afirma que os
dados não mostram necessariamente que o serviço
oferecido à população piorou em relação
a 2003. "Não sei se piorou. Mas esses dados revelam
que a população está tendo mais coragem
para denunciar, e isso é motivo de comemoração",
disse.
Entre essas denúncias, destacam-se problemas nas abordagens
de rua, principalmente em blitze, nos atendimentos nos distritos
e nas chamadas pelo serviço 190 da Polícia Militar.
"Nas chamadas pelo 190, há casos em que o policial
anota, mas ninguém faz nada. Mas o pior é quando
o policial ainda tenta convencer a pessoa de que ela está
procurando o serviço errado", disse. Segundo Cravo,
todos os casos relatados à Ouvidoria referem-se a ocorrências
que deveriam ter sido atendidas.
O aumento de denúncias de concussão, segundo
o ouvidor, também não pode ser interpretado
como um indicativo de que a polícia está mais
corrupta do que no ano passado. "Não quero eximir
o trabalho da polícia. Talvez só agora estejamos
conhecendo melhor a realidade da nossa polícia",
disse Cravo.
Dos casos de concussão, a Polícia Civil foi
alvo de 28 denúncias à Ouvidoria no primeiro
trimestre de 2004, contra nove casos registrados no mesmo
período do ano passado. A Polícia Militar teve
seis denúncias de janeiro a março, contra dois
casos em 2003.
GILMAR PENTEADO
da Folha de S. Paulo
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