Um trabalho que estudou durante mais de oito meses três
dos distritos mais violentos da capital paulista detalhou
a arquitetura do medo na periferia e definiu o que pode ser
feito para diminuir a insegurança e a violência.
Os três distritos pesquisados
-Jardim Ângela (zona sul), Brasilândia (norte)
e Cidade Tiradentes (leste)- têm alguns dos piores indicadores
de qualidade de vida da cidade e altos índices de violência.
Ao todo, abrigam 700 mil paulistanos.
O trabalho, feito pelo LabHab (Laboratório
de Habitação e Assentamentos Urbanos) da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da USP, mostra, por exemplo, a
relação direta entre um sistema viário
precário e o fortalecimento do poder do crime organizado.
Com acesso limitado, o poder público e a polícia
simplesmente não chegam a determinadas áreas
-como acontece no Rio de Janeiro-, o que torna a população
refém de grupos criminosos que controlam essas regiões.
Em alguns pontos, como no Jardim Ângela,
as ruas formam o que os pesquisadores chamam de "espinha
de peixe" -formada por uma grande via principal, geralmente
em más condições, e pequenas ruas que
saem dela e que não têm conexão entre
si.
Essa péssima ligação
entre bairros da própria área impede também
a criação de vínculos da população
com sua região, que se sente isolada e abandonada pelo
resto da cidade. Isso dificulta o enraizamento de políticas
públicas e aumenta a sensação de medo
e de insegurança.
O trabalho detectou que, apesar da
violência generalizada, os homicídios estão
concentrados em alguns pontos, de iluminação
muito ruim e baixa circulação de moradores.
Para reduzir esse tipo de formação
urbana, o estudo propõe o incentivo ao surgimento de
pequenos centros comerciais, que aumentam o fluxo de pessoas
e a atividade nas proximidades.
Organização
do espaço
Autor de uma tese de mestrado que analisou a lógica
dos homicídios na cidade de São Paulo, o sociólogo
Renato Lima, 33, afirma que os crimes violentos "bateram
em um teto" nas principais metrópoles do país
e começaram a recuar a partir de 2000.
Lima é coordenador de análise da informação
da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Na avaliação do sociólogo, a organização
do espaço é fundamental na estruturação
do crime, porque "determina as condições
em que a violência vai ocorrer".
Para Lima, as ações
propostas pelo estudo podem, em tese, ajudar a atenuar o problema.
"Intervenções urbanas ajudam a evitar que
o crime use a falência do Estado em sua versão
violenta."
A pedido da Folha, o sociólogo
elencou pontos que favorecem a perpetuação da
lógica da violência: "Locais pouco iluminados,
de difícil acesso, com poucas saídas, em que
quem está de fora não vê o que ocorre".
Propostas concretas
Entre os 96 distritos da capital paulista, as três áreas
estudadas ocupam algumas das piores colocações
no Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela prefeitura:
Cidade Tiradentes está em 80º, Brasilândia
em 86º e Jardim Ângela em 91º.
O objetivo do estudo, encomendado
pela Secretaria Municipal da Habitação, era
traçar um perfil detalhado dos problemas e carências
dessas áreas e definir planos de ação
para melhorar a qualidade de vida da população.
O trabalho aponta onde e de que modo
podem ser realizadas as intervenções nesses
três distritos. Como o dinheiro é limitado, são
propostas também áreas de intervenção
inicial, por onde devem começar as mudanças
-elas são divididas em duas: as regiões de exclusão
socioeconômica muito alta ou as de grande potencial
de melhoria.
O coordenador do estudo, João
Sette Whitaker Ferreira, explica que é fundamental
a "transversalidade" das diversas ações,
com integração entre várias secretarias
e diversos níveis de governo.
É por isso que construir uma
praça isolada ou um campo de futebol, sem conexão
com outras políticas, é uma prática ineficaz.
Em pouco tempo, esses equipamentos podem estar depredados.
Também é imprescindível,
segundo o arquiteto, o envolvimento da população
-no estudo, os habitantes foram ouvidos em todas as etapas.
João Whitaker e o estudo ressaltam,
no entanto, que as propostas não têm como resolver
o problema do crime organizado, que surgiu na esteira da ausência
do Estado durante décadas.
Por meio de mapas, o estudo mostra
onde podem ser abertas novas vias dentro das áreas
-com o menor impacto possível em desapropriações-
e propõe a melhoria das ruas de maior fluxo, que ligam
a região à "cidade formal". Com isso,
tenta quebrar o esquema "espinha de peixe".
Outro ponto da proposta é a
criação de postos avançados das subprefeituras
para aproximar os serviços da prefeitura da população.
Em áreas com mais de 200 mil habitantes e péssimas
condições viárias, a sede central da
subprefeitura permanece inacessível para boa parte
das pessoas, que desistem de buscar auxílio estatal.
Além do LabHab, também
participaram do trabalho as assessorias técnicas Usina
(que cuidou da área de Cidade Tiradentes) e GTA (responsável
por Brasilândia).
PEDRO DIAS LEITE
da Folha de S.Paulo
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