Um milhão de pessoas na capital
paulista não têm acesso adequado à "porta
de entrada" do sistema de saúde, os postos municipais,
que dão o primeiro olhar ao paciente por meio de clínicos-gerais
e pediatras para depois encaminhá-lo, se necessário,
ao atendimento especializado.
O problema, verificado num levantamento da própria
prefeitura, resulta em filas "silenciosas" -que
reúnem os que já desistiram de sair de casa
devido às dificuldades de atendimento- ou nas aglomerações
que dobram esquinas nos hospitais e postos e são a
deixa para as promessas de campanha.
Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, a partir do
estudo foram identificados pelo menos 32 locais em que os
paulistanos demoram mais de 30 minutos para chegar a uma UBS
(Unidade Básica de Saúde), o posto municipal.
"Dentro do conceito com o qual estamos tentando trabalhar,
isso significa que ele está descoberto. O correto é
que a unidade não fique a mais de 30 minutos de casa",
diz o secretário municipal da Saúde, Gonzalo
Vecina.
O número mostra o tamanho do desafio dos candidatos
a prefeito da cidade de 10,6 milhões de habitantes
-problema que a atual prefeita, Marta Suplicy (PT), que quer
a reeleição, admite não ter conseguido
resolver.
Nas palavras de Vecina, o 1 milhão de pessoas mal assistidas
é um dos principais motivos para os problemas do SUS
(Sistema Único de Saúde) na cidade serem, nesta
eleição, a "bola da vez".
"Se você considerar ainda que 40% da população
está nos planos de saúde, metade da população
não usa [o sistema] ou não tem acesso ao SUS.
Como é que você pode achar que o SUS é
bom?"
Segundo pesquisa Datafolha divulgada hoje, a saúde
é a área mais criticada da cidade -para 26%,
o atendimento do setor é o principal problema da cidade.
Em março, eram 9%. No primeiro debate entre os candidatos,
no início do mês, na TV Bandeirantes, o assunto
apareceu em todos os cinco blocos do programa.
Além de Marta, todos os principais candidatos têm
participação na situação atual.
Paulo Maluf (PP) e Luiza Erundina (PSB) já foram prefeitos.
E o PSDB, partido de José Serra, até o ano passado
controlava grande parte dos postos -além disso, o governo
estadual faz a avaliação e o acompanhamento
de todas as ações.
Intervenção insuficiente
Para Vecina, o crescimento desordenado da cidade
explica parte do problema. Além disso, afirma, o desemprego
levou a população ao SUS, pela impossibilidade
de pagar planos de saúde.
"Existem muito boas explicações para o
povo ter razão quando olha hoje para a saúde
no município. A intervenção foi insuficiente.
Apesar dos 2,3 milhões assistidos pelo PSF [Programa
Saúde da Família], isso foi insuficiente para
fazer frente ao crescimento acelerado da população
da periferia e ao desemprego", continuou.
O PSF é um modelo que usa equipes com médico,
enfermeiro, até dois auxiliares de enfermagem e até
seis agentes comunitários para fazer o atendimento
básico de grupos de mil famílias. Em 2003, por
falta de recursos, a prefeitura diminuiu o ritmo do PSF.
O estudo que evidenciou a falta de acesso adequado ao sistema
de saúde, segundo Osvaldo Donini, coordenador do Centro
de Informação da Secretaria da Saúde,
só foi feito recentemente porque antes sua área
não tinha recursos como software de georreferenciamento
e impressoras que pudessem reproduzir grandes mapas para a
análise.
Primeiro, explicou Donini, as 31 coordenadorias de saúde
delimitaram as áreas de influência das 386 UBSs
existentes e foram feitos mapas georreferenciados.
Depois que as coordenadorias verificaram os desenhos, apontando
barreiras físicas nas áreas delimitadas -um
córrego, por exemplo-, os mapas foram refeitos e, em
cima deles, foi projetada a população por setor
censitário. A prefeitura calcula que cada unidade deva
atender 25 mil pessoas. Com a projeção da população
do Censo sobre as existentes, verificou-se as que estavam
acima de 50 mil pessoas -sinal de que era necessário
fazer mais uma unidade na região.
A pasta não considerou as áreas de alto poder
aquisitivo, em que há grande número de pessoas
com planos de saúde, e privilegiou a periferia.
Além dos 32 locais em que já se identificou
a necessidade de mais postos -a maior parte coincidiu com
reivindicações do Orçamento Participativo-
foram projetados ainda outros três, prevendo-se o crescimento
populacional. Ainda não foram definidas as áreas
em que devem ser erguidos.
A reportagem perguntou a Vecina o que seria a "revolução
na saúde" apontada como necessária por
Marta -e também pelos demais candidatos. Segundo ele,
ela não começa pelos CEUs da saúde, proposta
apresentada por Marta.
"A revolução é garantir acesso.
Não existe revolução sem conseguir acesso.
E que tenha como resolver os problemas de assistência
decorrentes desse primeiro contato", afirmou Vecina.
FABIANE LEITE
da Folha de S.Paulo
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