"Olhe nos meus olhos. Sou um
ser humano." Erguendo cartazes com frases de repúdio
à discriminação e à violência,
moradores de rua dividiram ontem as escadarias da catedral
da Sé, região onde ocorreram as agressões
aos moradores de rua, e os microfones com autoridades, representantes
de organizações sociais e religiosas durante
ato contra os ataques.
Segundo a Guarda Civil, cerca de 5.000 pessoas compareceram
ao evento organizado na sexta-feira, antes dos ataques de
ontem. A ausência de um representante do governo do
Estado deu tom político ao ato, já que as acusações
recaíram sobre a ação da polícia.
"Se a Polícia Militar não garantir a segurança
dessas pessoas, as comunidades estarão em vigília
nesta cidade para que nenhum morador de rua seja atacado",
disse o padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua.
A primeira vigília ocorrerá hoje, a partir das
18h, no largo São Bento.
De tão inesperados, os novos ataques fizeram com que
o folheto preparado pela Secretaria Municipal de Assistência
Social para ser distribuído durante a manifestação,
com o total de vítimas, chegasse à Sé,
na tarde de ontem, já desatualizado.
"É uma desumanidade, uma covardia e uma crueldade
muito grande. Estamos todos chocados com o número de
vítimas. Não está havendo vigilância
da polícia", afirmou dom Claudio Hummes, cardeal-arcebispo
de São Paulo.
Antes mesmo do ato, o governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin (PSDB), que não compareceu ao evento, já
rebatia as críticas à falta de policiamento.
"A questão policial está bem encaminhada.
Agora, o que deve ser feito é um esforço para
tirar essas milhares de pessoas das ruas. É uma tarefa
que cabe ao município."
Lideranças petistas compareceram em peso à manifestação,
entre elas a prefeita Marta Suplicy, o senador Eduardo Suplicy
e o presidente nacional do PT, José Genoino. O ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que
foi ao ato a pedido do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva.
"Essa sucessão de atentados violam e atingem não
só aqueles que morreram e foram feridos mas também
todo o Estado, que foi agredido e vilipendiado por essas agressões",
disse o ministro. "A mão pesada do Estado vai
mostrar que não se pode atingir as pessoas assim."
Em seu discurso, a prefeita declarou que "num espírito
de união, a prefeitura, o Estado e o poder federal
vão pôr um fim a uma situação que
nos vexa a todos". Marta decretou três dias de
luto oficial em São Paulo.
Farpas
"Esse episódio não pode ser politizado,
não pode se transformar numa bandeira política
de quem quer que seja. Estamos diante de uma questão
humanitária", afirmou Luiz Flávio Borges
D'Urso, presidente da OAB. Mas completou: "Inegavelmente,
essa responsabilidade [de evitar ações violentas]
é do Estado. As pessoas que estão nas ruas dependem
da mínima proteção que o Estado deve
dar a todos. E isso não está acontecendo".
Após uma hora de discursos e orações,
os manifestantes fizeram uma caminhada por três dos
locais onde moradores foram atacados na madrugada de ontem.
Carregando uma cruz de papelão, com faixas pretas enroladas
na cabeça ou no braço, o grupo rezou e fez um
minuto de silêncio a cada parada. Numa delas, na esquina
das ruas Quintino Bocaiúva e Benjamim Constant, ainda
havia uma poça de sangue no chão.
FERNANDA MENA
da Folha de S.Paulo
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