A revelação
de que a governadora Rosinha Matheus é adepta do criacionismo,
feita por ela a 'O Globo' há duas semanas, trouxe à
luz uma discussão que agora chega aos bancos escolares
do estado.
A teoria sobre a origem do mundo e dos seres humanos baseada
na interpretação textual da Bíblia será
ensinada no Norte Fluminense, terra da governadora. Os 31
professores que passaram no concurso para dar aula de religião
na região decidiram, há duas semanas, incluir
a teoria no currículo escolar.
Também criacionista, o professor Jeová Ferreira,
de 33 anos, garante que não vai evangelizar os alunos,
mas transmitir conhecimento sobre sua religião.
Jeová foi um dos profissionais selecionados para dar
aula de religião nas escolas de Campos. Ao todo, no
estado, foram escolhidos 500 professores. O edital previa
a contratação de 342 profissionais católicos,
132 evangélicos e 26 de outras religiões.
'A decisão de ensinar o criacionismo é pacífica
entre os professores. A teoria será ensinada como mais
uma corrente de pensamento, não será uma imposição,
ao contrário do evolucionismo, que é ensinado
nas escolas como teoria científica. Os alunos têm
o direito de conhecer as diferentes correntes de pensamento
- disse Jeová.
'Tenho certeza de que minha avó não era macaca'
O professor, que até os 23 anos era católico
e hoje é evangélico, resumiu assim sua descrença
na teoria da evolução das espécies:
'Pode botar aí: tenho certeza de que minha avó
não era macaca', afirmou ele, que nega o evolucionismo,
segundo o qual o homem se originou dos macacos.
A lei que garante o ensino religioso, de autoria do ex-deputado
Carlos Dias (PP), determina que a aula seja dada por autoridades
religiosas. Cada coordenadoria regional é responsável
pelo conteúdo das disciplinas que serão ensinadas
aos alunos.
A Secretaria estadual de Educação garante que
supervisionará os cursos. O plenário da Assembléia
Legislativa chegou a aprovar projeto de lei do deputado Carlos
Minc (PT), que previa que as aulas fossem dadas por professores
de história. O projeto, no entanto, foi vetado pela
governadora.
'Uma coisa é dar ao aluno o direito de conhecer a
história, a ética e os valores da religião.
Outra é doutrinar as crianças com dinheiro do
contribuinte. Daqui a pouco vai ter criança queimando
o livro de Darwin. É a volta à Idade Média',
disse Minc.
O ex-deputado Carlos Dias, católico, lembra que o
projeto foi debatido por dois anos e afirma não ver
problemas no ensino do criacionismo. Dias argumenta que o
ensino é opcional.
'Ele (o Minc) tem uma visão agnóstica e prega
a paganização. O darwinismo é hoje derrotado
no mundo', afirmou Dias.
O coordenador do Movimento Inter-Religioso (MIR), do Instituto
de Estudos da Religião (Iser), André Porto,
alerta para o risco de os alunos viverem, na escola, um conflito
entre religião e ciência:
'A base do ensino é científica. Aprender o
criacionismo na escola é diferente de aprender na igreja.
Isso confunde o aluno: na aula de biologia ele aprende uma
coisa e na de religião aprende outra.'
Rosinha e Garotinho
Presbiterianos, Rosinha e o marido, o secretário
de Segurança, Anthony Garotinho, defendem o criacionismo
nas aulas dominicais que dão a casais na Igreja Presbiteriana
Luz do Mundo, em Laranjeiras. Pastor da igreja, Eber Lenz
afirma que existe uma perseguição ao casal por
sua fé.
'O homem tem algo de Deus. Eu creio na existência concreta
de Adão e Eva, como diz a Bíblia. Não
considero anticientífico afirmar que a Humanidade se
originou de um casal. Ninguém vê macacos de joelhos,
orando', disse Lenz.
Adeptos do criacionismo criaram há 30 anos, no Brasil,
a Sociedade Criacionista, que divulga o que considera evidências
da veracidade da teoria. Descrente na evolução
das espécies, Ruy Carlos de Camargo Vieira, presidente
da sociedade, critica o ensino do evolucionismo nas escolas
e considera a teoria darwinista ultrapassada.
'Os alunos aprendem, ou desaprendem, que a evolução
das espécies é cientificamente comprovada. Isso
é ensinado como verdade absoluta. Enquanto o criacionismo
é sempre visto como algo mítico, disse Ruy Carlos.
Conservadorismo religioso
Não é inédita a posição
conservadora do Norte do estado em relação à
religião. A mesma região que decidiu adotar
o ensino do criacionismo nas salas de aula presenciou, em
1969, um cisma entre a Arquidiocese de Campos e o Vaticano.
Quando o Concílio Vaticano II mudou a liturgia da
missa, permitindo que as orações fossem rezadas
na língua de cada país e que o padre falasse
voltado para os fiéis, os católicos de Campos
preferiram a liturgia anterior.
Adeptos da corrente tradicionalista, eles mantiveram a liturgia
tridentina (criada após o Concílio de Trento,
no século XVI), que determina sejam as missas realizadas
em latim. Em 18 de janeiro de 2002, os tradicionalistas de
Campos se reconciliaram com o Vaticano.
Nos EUA, o Sul, chamado de Cinturão da Bíblia,
foi o berço do criacionismo. Em 1928, o estado do Arkansas
aprovou lei que proibia ensinar 'a teoria ou doutrina que
diz que a Humanidade ascendeu ou descendeu de uma ordem inferior
de animais'.
MAIÁ MENEZES
do jornal O Globo
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