No mais
completo levantamento sobre o consumo de alimentos e o peso
da população já feito no Brasil, o IBGE
constatou que, pelo menos entre os adultos, a desnutrição
não está entre as principais mazelas do país.
Dos 95,5 milhões de brasileiros com 20 anos ou mais,
apenas 4% têm déficit de peso, numa incidência
considerada normal pelos especialistas, já que há
pessoas naturalmente magras.
Mas os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares
(POF) apresentados ontem acenderam o alerta para outro problema
na saúde dos brasileiros: a obesidade vem crescendo
a um ritmo preocupante, sobretudo entre os homens. Ao todo,
38,5 milhões de brasileiros estão acima do peso,
o que representa 40,6% da população de adultos,
e, destes, 10,5 milhões, ou 11%, são obesos.
"A existência de um número razoável
de subnutridos não significa dizer que não há
fome. Continuamos a observar uma forte relação
entre padrão de consumo e a renda. A pobreza não
se manifesta necessariamente na fome, mas em aspectos de desigualdade
social", disse o presidente do IBGE, Eduardo Nunes, ao
apresentar a pesquisa.
Especialistas esclarecem que a desnutrição
é diferente da percepção de fome, e que
as famílias mais pobres não têm renda
suficiente para comprar a quantidade de alimentos necessária
a uma dieta saudável, complementando sua dieta de maneira
irregular. Mas a obesidade não faz distinção
de renda: 12,7% das pessoas que ganhavam, em 2002, entre R$
50 e cem reais eram obesos. Entre os que recebiam acima de
mil reais, o percentual de obesos era de 11,7%.
Índice de países ricos
Os dados mostram realidades distintas no Brasil:
fome e desnutrição em bolsões de miséria
(8,5% das mulheres com renda mensal de até R$ 50 têm
déficit de peso) e um percentual de obesidade que aproxima
o país das nações ricas. Nos EUA, por
exemplo, 70% da população estão acima
do peso, enquanto 30% são obesos.
"Saímos da desnutrição direto para
a obesidade. Temos que ter programas para desnutrição
e seus efeitos e de controle da obesidade", diz Lígia
Bahia, professora de Saúde Pública da Faculdade
de Medicina da UFRJ.
A desnutrição entre os adultos caiu desde a
última pesquisa, realizada em 1989. No caso dos homens,
passou de 3,8% para 2,8%, e, no das mulheres, de 5,8% para
5,4%. Já a obesidade vem aumentando desde a década
de 70: em 1975, o excesso de peso atingia a 18,6% dos homens
e 2,8% eram obesos. Na última POF, realizada entre
2002 e 2003, os percentuais subiram, respectivamente, para
41% e 8,8%. Entre as mulheres, o índice ficou em 39,2%
de excesso de peso e 12,7% de obesidade, contra 18,6% e 2,8%:
"O Brasil convive com uma epidemia entre aspas, pois
a obesidade vem crescendo muito rapidamente. Isso significa
morrer mais cedo, do coração, de câncer",
afirmou o professor Carlos Alberto Monteiro, da USP, consultor
da pesquisa.
O promotor de eventos Cláudio Barreto convive as doenças
provocadas pela obesidade. Com 20 quilos acima do peso, Barreto
quase morreu há seis anos, devido a uma hemorragia
digestiva aguda, que o deixou nove dias numa unidade de tratamento
intensivo (UTI):
"Uma seqüência explosiva de cachorro-quente,
hambúrguer e feijoada provocou a doença. Tento
controlar a alimentação. Já perdi uns
15 quilos", conta Barreto, com um salgado na mão,
antes de tomar o trem para Paracambi, onde mora com a mulher,
também acima do peso.
Ele diz que a necessidade de comer fora de casa e mais barato
dificulta a adoção de uma alimentação
mais saudável:
"Compramos gordura pura".
O agrônomo Fernando Gaiger, técnico do Ipea
e estudioso da POF, não se surpreendeu com a elevada
incidência de obesidade, mesmo entre os mais pobres.
Ele lembra que a caloria vazia, ou seja, pão, farinha
e até mesmo cachaça, é barata e tem alto
valor energético.
"O sinal mais claro da má alimentação
dos pobres é a obesidade, e não o déficit
de peso. O padrão atual é ver uma família
que mora mal, cujo chefe da casa tem um emprego precário,
a educação dos filhos é comprometida
e sua mulher é obesa".
LUCIANA RODRIGUES
CÁSSIA ALMEIDA
do jornal O Globo
|