Uma vacina
desenvolvida e testada no Brasil conseguiu ativar o sistema
imunológico de 18 pacientes infectados com o HIV, vírus
causador da Aids, reduzindo neles a presença do patógeno
em pelo menos 80%. Em oito dos voluntários, chegaram-se
a registrar níveis indetectáveis do vírus.
O resultado é considerado extremamente promissor no
desenvolvimento de terapias alternativas à contenção
da infecção, mas ainda precisa percorrer um
longo caminho de pesquisa antes de ser adotado pelos médicos.
"Precisamos tomar muito cuidado com o desencadear de
ilusões. Ainda temos um longo caminho pela frente",
diz Luiz Cláudio Arraes, pesquisador da UFPE (Universidade
Federal de Pernambuco) e co-autor do estudo, publicado on-line
ontem pelo prestigioso periódico científico
britânico "Nature Medicine" (medicine.nature.com).
O trabalho, realizado com pacientes no Recife que não
haviam ainda recebido prescrição de medicamentos
para combater a infecção, foi realizado em parceria
com cientistas da Universidade de Paris 5 e financiado com
uma doação de um paciente francês.
"A novidade da abordagem foi que não nos concentramos
em bater no vírus, como faz a maioria dos remédios,
mas em estimular, organizadamente, o sistema imunológico",
conta Arraes.
A estratégia foi extrair de cada paciente uma certa
quantidade de células dendríticas -unidades
do sistema imunológico que são responsáveis
por "denunciar" os invasores às células
de defesa-, assim como uma amostra do vírus com que
o paciente estava contaminado. Dentro do organismo, normalmente,
o HIV consegue matar as células dendríticas
antes que elas executem seu trabalho. Fora, os cientistas
não pretendiam deixar que isso ocorresse.
Desativaram a amostra do vírus quimicamente, de modo
que ele se tornasse inócuo, mas ainda assim reconhecível.
Colocaram-no então junto com as células dendríticas
por dois dias, de modo que as "fiscais" do organismo
pudessem obter um belo "retrato falado" do delinqüente.
Depois disso, voltaram a injetar as células, já
treinadas para "dedurar" o vírus, no paciente.
Deu resultado.
Ao que tudo indica, o sistema imunológico aprendeu
a identificar mais rapidamente o HIV e a combatê-lo.
Não foi o suficiente para erradicá-lo (não
se trata, portanto, de uma cura), mas pelo menos fez baixar
radicalmente a carga viral no organismo. Dos 18 pacientes
testados, todos tiveram uma redução média
de pelo menos 80%. Nos oito com melhores resultados, a carga
viral teve uma redução de mais de 90% e, em
alguns momentos, chegou a dar "traço" (indetectável).
Os pacientes foram acompanhados por um ano e mantiveram alguma
melhora durante todo o período. Além disso,
não apresentaram efeitos colaterais significativos,
além de um inchaço dos nódulos linfáticos.
Esse foi um estudo de fase 1, das quatro pelas quais passa
qualquer novo medicamento. Qualificado pelos próprios
pesquisadores de "preliminar", ele tem por meta
verificar a segurança da administração
da vacina terapêutica, mais até do que sua eficácia.
Os pesquisadores agora se preparam para a condução
da fase 2, que também ocorrerá no Recife e terá
cerca de 20 pacientes. O objetivo desta vez será determinar
a dose mais adequada para a realização do tratamento.
SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S. Paulo
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