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Pesquisa ainda inédita do
Datafolha detectou que pelo menos 25 milhões de brasileiros
com mais de 16 anos já têm acesso à internet.
Essa evolução tecnológica ajuda a explicar
uma sucessão de derrotas, neste ano, de alguns dos
homens mais poderosos do país.
O presidente da República não conseguiu aumentar
os impostos. O presidente da Câmara não conseguiu
subir os salários dos deputados. O presidente do Supremo
Tribunal Federal não conseguiu aumentar os proventos
de seus colegas.
A arma do e-mail é um dos fatos novos, ainda não
estudados, na política brasileira, por trás
de tanta gente forte sofrendo derrotas em tão pouco
tempo.
As propostas de aumento dos salários dos deputados
e de elevação de impostos provocaram ondas de
indignação em todo o país e deram origem
a correntes de e-mails que chegaram aos computadores dos parlamentares.
A presidência do STF tentou, sem sucesso, entrar na
esteira de uma eventual subida dos proventos dos deputados.
"Não há como um homem público, especialmente
alguém eleito, ficar indiferente ao bombardeio virtual.
Até porque, em muitos casos, recebe protestos diretamente
de seus eleitores", afirma o engenheiro eletrônico
Julio Smeghini, deputado federal (PSDB-SP), que, por trabalhar
em empresas de tecnologia da informação, foi
um dos primeiros brasileiros a dispor de e-mail.
Os parlamentares sabem que a tendência só vai
crescer: cada vez mais pessoas, inclusive os pobres, usarão
a internet, cujo acesso vai ficar mais barato tanto pelo custo
das conexões como pelo dos computadores. É um
dos meios de enfrentar o "Brasil Severino".
No seu misto de franqueza com vulgaridade e sensação
de impunidade, o presidente da Câmara virou um símbolo
nacional: ele defende, sem constrangimento, a contratação
de parentes, o uso do governo para fins eleitorais e a distribuição
de dinheiro público para seus colegas. O "Brasil
Severino" só se sustenta na acomodação,
na fragilidade e na ignorância dos indivíduos.
No "Brasil Severino", o governo incha a folha de
pagamentos, dobra-se aos interesses corporativos, distribui
recursos sem base técnica e, na falta de dinheiro,
enfia a mão no bolso dos cidadãos, que, resignados,
não reagem.
Mas há outro país ganhando força, no
qual o e-mail é uma das armas capazes, pelo menos,
de incomodar o "Brasil Severino".
O e-mail faz parte de um novo arsenal da cidadania brasileira
a serviço, especialmente, da população
beneficiada pelo crescimento veloz do número de matriculados
no ensino médio e superior, o que, independentemente
da qualidade dos cursos, significa gente menos desatenta.
Este país está mais com o perfil de Jean Wyllis,
o principal personagem brasileiro da semana passada. Nascido
em uma família pobre do interior da Bahia, gay assumido,
cursou universidade pública e virou professor. Ajudou
a criar um programa para ensinar direitos humanos numa faculdade
de jornalismo. Não venceu o "Big Brother Brasil"
por seus atributos físicos, mas, em boa parte, pelos
dotes intelectuais; é quase o oposto do homófobo
Severino, cujo prestígio se sustenta da troca de favores.
O "Brasil de Jean" é o da classe média
com escolaridade, mas empobrecida nos últimos anos,
inclusive pelo aumento dos impostos. Justamente esse segmento
era o principal alvo da nova ofensiva do leão, que,
como todos sabemos, não pára de engordar.
Num cálculo divulgado na quinta-feira pelo Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário, pagamos, no
ano passado, R$ 648 bilhões para manter o poder público
-ou seja, R$ 74 milhões por hora.
Na mesma semana em que o governo tentava aumentar ainda mais
o imposto, soubemos que, nos últimos dois anos, a folha
de pagamentos da União teve um acréscimo de
77 mil novos funcionários. Nem estou aqui contando
o aumento dos servidores que se aposentam com salário
integral.
A semana foi especialmente didática para os paulistanos,
que, nos últimos anos, foram submetidos não
só ao aumento de impostos federais estaduais mas também
à elevação de taxas municipais. Por falta
de pagamento, dezenas de prédios, inclusive escolas
e postos de saúde, tiveram a luz cortada. A própria
Secretaria das Finanças (impossível melhor simbolismo)
ficou às escuras.
No "Brasil de Jean", o cidadão é
mais atento, informado e irritado com a diferença entre
o que paga e o que recebe dos governos. Com o e-mail, a irritação
ganhou um canal institucional para protestos diários
em tempo real. Este país está informando que,
se o governo quer mais dinheiro, gaste menos e melhor - assim
como qualquer cidadão sério.
Mandou também dizer, em milhares de e-mails, que, se
Severino não vê problema em contratar parentes,
tire o dinheiro do próprio bolso.
PS - De todos os desperdícios nacionais, nada me irrita
mais do que o fundo criado, há cinco anos, para promover
a inclusão digital (Fust). Já arrecadaram R$
4 bilhões e, na semana passada, ainda estavam discutindo
quando e como vão usá-lo para melhorar a educação
pública. Não gastaram um único centavo.
Esse dinheiro ajudaria mais brasileiros a se conectarem à
internet e, portanto, a terem mais poder. Embora não
seja parte de um complô, a falta de pressa é,
nesse caso, conveniente.
Coluna originalmente publicada na
Folha de São Paulo, na editoria Cotidiano.
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