Pela primeira no Brasil, a pizza
transforma-se em protagonista de um filme. Seu cenário
como não poderia deixar de ser- é São
Paulo, onde, no final do século 19, começou
a ser vendida de madrugada, na rua, para operários
italianos até virar a estrela popular da culinária
paulistana.
Por trás desse projeto, há um personagem tão
identificado com a cidade quanto a pizza. É Ugo Giorgetti,
descendente de italianos, apaixonado por cinema, São
Paulo e pizza. Em quase todos os seus filmes e documentários
("Sábado", "O Príncipe"
e "Boleiros", por exemplo), a cidade é sempre
um misto de cenário com personagem.
Na infância em Santana, onde nasceu na década
de 40, fazia das ruas, então povoadas por judeus, espanhóis,
italianos e poloneses, a extensão de sua casa, com
suas brigas e brincadeiras. Jovem, andava de madrugada pelo
centro, conversando com os amigos. "Em geral, discutíamos
cinema." Não havia a preocupação
com os assaltos.
Desaparecia o aconchego provinciano à medida que a
cidade se fragmentava, rumo à periferia, em uma infinidade
de pedaços desconexos, tomados pelos carros e murados
pela violência. Mas Giorgetti não desistiu das
caminhadas. "Sou andarilho, sempre ando pelas ruas. Só
assim consigo sentir de verdade a cidade."
No ano passado, ele percorreu a trilha da pizza, formada de
conexões por toda a cidade. Visitou pizzarias nos mais
diferentes bairros, do Jardim Ângela ao Brás,
passando pelos Jardins. Seguiu motoqueiros fazendo entregas
nas mansões do Jardim Europa e nas casas sem número
de uma favela. Documentou as correrias dos "valets".
Entrevistou pizzaiolos, nenhum deles italiano. "Quase
todos são nordestinos." Percebeu que, num aspecto,
todos se parecem. "Sempre juram, do Jardim Ângela
ao Jardim Europa, que usam os melhores ingredientes."
No final das gravações para o documentário,
a ser exibido neste ano, Giorgetti tinha ganhado alguns quilos
-"impossível ficar sem comer a especialidade da
casa" -e a sensação de que, nesta cidade
fragmentada e murada, o prazer de degustar uma pizza é
um dos poucos elos entre os habitantes. É como se essa
conexão gastronômica trouxesse de novo o gosto
da Província -e com cheiro de mozarela.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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