Com 119 mil habitantes e localizada
a 509 quilômetros a noroeste da cidade de São
Paulo, Birigüi não se afeta com a estatística
divulgada pelo IBGE, na semana passada, indicando aumento
do desemprego nas regiões metropolitanas. A indiferença
tem uma razão inusual, raríssima até:
a cidade sofre com o desemprego abaixo de zero. Ou seja, excesso
de trabalho e carência de trabalhadores.
Para não prejudicar seus negócios, Birigüi
tem de importar mão-de-obra de 25 municípios
da região, cujos prefeitos oferecem ônibus gratuitamente
para levar e trazer empregados. Mesmo assim, não se
preenchem as vagas mais qualificadas. "No final de ano,
vai dando um desespero entre empresários. Falta gente
para dar conta da produção", afirma o empresário
Samir Nakad, principal dirigente patronal da cidade.
Tudo gira em torno de um único produto: calçados
infantis. Em torno dele, Birigüi está construindo
uma teia de conhecimentos que envolve governos federal, estadual
e municipal, sindicato de patrões e de empregados,
centros de pesquisa e universidade. "Esse arranjo está
atraindo a atenção das pessoas interessadas
em desenvolver vocações regionais", afirma
João Carlos de Souza Meirelles, secretário da
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.
Envolvendo oito municípios, Birigüi é o
centro de um pólo de calçados infantis com 166
fábricas, bombardeadas pela competição
internacional; além da competição externa,
sofreram, na década de 90, seguidos baques pelas crises
internas, com seus juros altos. Muitas empresas desapareceram;
outras sobreviveram com dificuldades.
Nos últimos anos, tratou-se de fazer um arranjo naquela
vocação, no qual uma das partes mais importantes
da operação foi educar empresários e
trabalhadores.
A variedade é cardápio educacional e é
o que está chamando a atenção de estudiosos
para Birigüi.
O Ministério do Desenvolvimento patrocina um curso
para ensinar os empresários a exportar. Com uma empresa
de telefonia, colabora também em programa de e-learning
em gestão para pequenas e microempresas.
Nas instalações emprestadas pelo Sesi, funciona
um MBA (Master Business Administration) focado exclusivamente
na formação de executivos para a indústria
de calçados infantis.
Com apoio da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado
de São Paulo, foi criado um portal de troca de informações
para os empresários, conectando-os virtualmente às
três universidades estaduais paulistas: USP, Unicamp
e Unesp. Passaram também a contar com a ajuda do IPT
(Instituto de Pesquisas Tecnológicas).
Uma faculdade de tecnologia (Fateb), patrocinada pela prefeitura,
criou um projeto intitulado "fábrica de soluções".
Empresários levam seus problemas concretos para discutir
com seus professores.
Esse portal organiza o fluxo de informação e
se presta para a troca de conhecimento entre os empreendedores.
A prefeitura criou uma incubadora de empresas, administrada
pelo Sebrae, com o objetivo de aprimorar a gestão dos
negócios. O Senai dá cursos para formação
dos empregados e, neste ano, em acordo com os municípios,
ganhará terrenos para triplicar a oferta de vagas.
O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Calçadista
local firmou convênio para que seus associados freqüentassem
os cursos. Vão agora encontrar mais uma opção:
acaba de ser inaugurada uma escola técnica estadual
para alunos com ensino médio.
Há mais uma cooperação entre empresários
e trabalhadores: o banco de horas. Quando diminui a demanda,
reduz-se a jornada de trabalho, compensada depois quando as
encomendas voltam a crescer. "É mais uma ajuda
para manter nossos preços competitivos", afirma
Samir.
A Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São
Paulo) ensinou os empresários de Birigüi a formar
uma cooperativa de crédito. O que, na prática,
significa a redução da taxa de juros.
Nesse arranjo, o Banco do Brasil aceitou fazer uma linha especial
de empréstimos e, para completar, o governo estadual
reduziu impostos.
Todo esse esforço se traduz em números: as vendas
internas e externas cresceram. O faturamento em 2004 chegou
a R$ 1 bilhão; 33% a mais do que ano anterior; nesse
período, a produção pulou de 230 mil
calçados por dia para 250 mil. Cresce o número
de importadores e de seus representantes que chegam à
cidade, o que sugere mais negócios no futuro.
A mais importante tradução para o desemprego
menos zero de Birigüi é a de que dinheiro em capital
humano não é gasto, mas investimento. Ou seja,
educação dá dinheiro.
PS- Se olharmos o Brasil por Brasília, como olhamos
na semana passada, com a esperteza medíocre de seus
Severinos, das barganhas ministeriais em que o critério
não é competência mas conveniência,
do desperdício de tempo, somos tomados pela sensação
de que dificilmente sairemos do lodo social. Mas quando vemos
o país através de exemplos como o da cidade
de Birigüi, simbólica de gente que potencializa
vocações, racionaliza e integra recursos, vemos
que o que podemos ser quando colocamos a educação
em primeiro lugar.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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