Entregou-se
a uma exótica paixão: pesquisar os sons de instrumentos
musicais usados entre os séculos 5º e 16
Depois que se separou da mulher, em 1981, Roberto Holtz decidiu
simplificar a vida. Reduziu seus gastos e entregou-se a uma
exótica paixão: pesquisar os sons de instrumentos
musicais usados entre os séculos 5º e 16. Dessa
pesquisa surgiu uma coleção que transformou
sua casa, no Alto de Pinheiros, num misto de ateliê
e museu com peças raras, mas quase sem visitação.
"É um desperdício", reconhece.
O museu nasceu por acaso. Além de aumentar sem parar
sua coleção e de distribuí-la pelos cômodos,
Roberto montou ali uma oficina para a fabricação
dos instrumentos, alguns com formas estranhas. "Encantei-me
com a descoberta desses sons." Ficou, assim, conhecido
por um seletíssimo grupo de músicos de dentro
e de fora do Brasil, que hoje lhe fazem encomendas. "Passei
a ter mais demanda do que eu poderia atender." Há
uma fila de pedidos não atendidos, mas, em nome de
uma vida mais simples - preferiu morar na casa dos pais-,
ele mantém um esquema artesanal.
Com a situação financeira sem tanta pressão,
Roberto incomodou-se com a solidão. "Não
só quase ninguém vê minha coleção
como menos gente ainda conhece os sons desses instrumentos."
Deu-lhe, então, vontade de ensinar. Mais uma reviravolta.
Ele não gostava de ir à escola e, apenas por
intensa pressão dos pais, matriculou-se numa faculdade.
"Procurei um curso que, na minha visão, não
exigisse nada. Nem vestibular." Matriculou-se numa faculdade
privada de turismo. "Nem isso eu suportei." Sem
diploma de ensino superior, trabalhava como arquiteto, proibido
de assinar projetos. "Eu me cansei de fazer esse papel."
O aluno relapso tornou-se professor apaixonado pelos sons
daqueles exóticos instrumentos, mas passou a ficar
incomodado com o fato de dar aulas a alunos apenas da elite
econômica. "Queria ir mais longe." Agora,
tem medo de ter ido longe demais.
Na sua coleção existem uma flauta de apenas
três orifícios e instrumentos de corda que, imaginou,
poderiam ser tocados por pessoas deficientes - cegos, por
exemplo. Saiu à cata de recursos para essa experiência,
sem maiores esperanças de conseguir apoio. "Para
minha surpresa, rapidamente uma empresa quis me patrocinar."
Não supunha, porém, que a papelada exigida para
usar o dinheiro de incentivo fiscal deixaria seu cotidiano
complicado, em meio a prestações de contas e
auditorias.
Não conseguiu gastar um único centavo nem atrair
deficientes interessados em aprender música nos seus
instrumentos. "Fui a entidades que cuidam de cegos, mas,
até agora, ninguém apareceu."
Nesta semana, ele está tentando atrair aos encantos
das músicas tocadas na Idade Média e na Renascença,
em vez de pessoas deficientes, alunos de escolas públicas.
"Gostaria também de ensinar a fazer o instrumento."
Neste momento, apesar das boas encomendas e do prestígio
internacional como artesão, ele confessa sentir-se
sozinho - tão sozinho como se vivesse num museu virtual.
PS - Veja as foto dos instrumentos de Roberto. É uma
saborosa viagem pelo tempo.
Fotos:
Hurd- gurd
Flautas contra
baixo (são do tamanho de uma pessoa de estatura média)
Salteiros
Violas
de gamba
Cravo, harpa e
vila de gamba
Alaudes
Basset- horn e
Serpentão
Trompa natural
e rocket
Estúdio
do Roberto com instrumentos barrocos
Coluna originalmente publicada na
Folha de São Paulo, editoria Cotidiano.
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